26 de dezembro de 2024

Senado aprova projeto que condiciona verba para cultura ao respeito à ‘moralidade’ e religião

Regra valerá para obras ligadas ao Sistema Nacional de Cultura. Outras fontes de financiamento público continuarão existindo. Senado aprova projeto que cria o marco regulatório do Sistema Nacional de Cultura
O Senado aprovou nesta quarta-feira (6) um projeto de lei que cria o marco regulatório do Sistema Nacional de Cultura (SNC), que funcionará como uma espécie de guia para organizar políticas públicas de cultura (leia detalhes abaixo).
O texto aprovado, contudo, recebeu modificações incluídas pela ala conservadora da Casa. Essas modificações preveem, entre outras coisas, o respeito à “moralidade pública” e aos “valores religiosos” para liberação de verbas de financiamentos dentro desse sistema.
A proposta segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode aprovar integralmente ou vetar trechos.
As regras vão orientar a execução dessas políticas culturais nos âmbitos federal, estadual, distrital e municipal. A adesão ao Sistema é opcional, e outras fontes de financiamento público continuarão existindo.
O Sistema Nacional de Cultura é previsto na Constituição Federal desde 2012, foi incluído no texto constitucional por meio de uma emenda, mas ainda não tinha sido regulamentado.
Uma das modificações feitas diz:
“Para fins desta Lei, o pleno exercício dos direitos culturais não deverá possuir caráter político-partidário ou personalista, tampouco afrontar a dignidade e a moralidade pública ou incitar a prática de crimes.”
Além disso, o texto ainda prevê que é dever do Estado assegurar proteção das culturas e “dos valores religiosos” e “coibir” atividades culturais que tenham esse “cunho político-partidário ou personalista”.
Condição para aprovação
As alterações foram propostas pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e acatadas — ainda durante tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado — pela relatora, senadora Augusta Brito (PT-CE).
“O exercício dos direitos culturais que não devem ser desvirtuados para promoção de atos de cunho político-partidário ou personalista, tão pouco os recursos públicos devem ser empregados para o patrocínio de obras que incitem a prática de crimes, o ódio, o desrespeito a valores religiosos e à moralidade pública”, justificou o senador.
O relator da proposta na Comissão de Educação, senador Humberto Costa (PT-PE), comemorou a aprovação, que considera ser um “inegável avanço”.
“Em que pesem as ações lesivas que a cultura nacional sofreu em gestões anteriores, observamos que a cultura nacional está em processo de retomada de uma agenda séria e comprometida, recuperando conexões impolutas entre cultura e desenvolvimento, na geração de valores fundamentais para o crescimento da sociedade”, afirmou Costa.
Tanto a emenda constitucional que criou o Sistema Nacional de Cultura (SNC) como a proposta original, do ex-deputado federal Chico D’Angelo (PT-RJ), não relacionam a cultura à moralidade, à dignidade ou aos valores religiosos, como proposto pelo Senado.
Interlocutores afirmaram ao g1 que os trechos adicionais foram uma condição imposta pela ala mais conservadora do Senado para que a proposta fosse aprovada.
Durante a sessão de votação, senadores de oposição chegaram a dizer que o setor da cultura “deveria ser grato” a eles por “ajudarem a aprovar o projeto”.
Representantes de setores culturais presentes no Senado e a ministra da Cultura, Margareth Menezes, acompanharam a votação no plenário e comemoraram a aprovação.
Organização
De acordo com o projeto, a organização e a estruturação da gestão pública da cultura, a partir de agora, acontecerá de forma descentralizada, e será composta de órgãos gestores, conselhos de política cultural, planos de cultura, sistemas de financiamento à cultura, programas de formação na área de cultura, entre outros.
“A gestão pública da cultura tem por objetivo a criação de condições institucionais que permitam o pleno exercício dos direitos culturais de todos os grupos humanos, povos e comunidades no território nacional, conforme os princípios estabelecidos nesta Lei”, afirma a proposta.
Além disso, o projeto constitui quatro instrumentos de gestão do Sistema Nacional de Cultura:
➡️ Plano Nacional de Cultura (PNC)
➡️ Sistema Nacional de Financiamento à Cultura (SNFC)
➡️ Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC)
➡️ Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC)
Os planos de cultura serão produzidos plurianualmente de forma a orientar a execução da política pública de cultura nos âmbitos federal, estadual, distrital e municipal.
Já o Sistema Nacional de Financiamento à Cultura funcionará a partir de recursos recebidos da União, unidades federativas e municípios, e de outras modalidades de transferências. E ele abastecerá todos os fundos de culturas dos entes federativos.
O Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais é composto por um conjunto de ferramentas digitais para monitoramento da área cultural com o objetivo de fornecer dados sobre o setor.
A proposta ainda traz um dispositivo para aumento progressivo dos recursos orçamentários destinados à cultura, sem que ultrapasse os limites fiscais e orçamentários.

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