Ofício que habita o imaginário de crianças e jovens demanda anos de estudo em diferentes áreas e, de fato, é fascinante, garantem pesquisadores. ‘De uma hora pra outra você pode realmente achar um fóssil de uma criatura totalmente desconhecida’, diz professor da USP. Max Langer e Sandra Tavares são paleontólogos da região de Ribeirão Preto
Arquivo pessoal
Com quase 30 anos de carreira, Sandra Tavares ainda fica encantada quando explica a origem dos fósseis de dinossauros e crocodilos terrestres que habitaram a Terra há milhões de anos aos visitantes do Museu de Paleontologia que coordena em Monte Alto (SP). “É difícil dizer o que mais me fascina”, diz.
Siga o canal do g1 Ribeirão e Franca no WhatsApp
Professor da USP de Ribeirão Preto (SP), Max Langer também não esconde a paixão pela profissão que escolheu e que o levou a viajar para países como Peru, Uruguai e Tanzânia em busca de registros de vida de tempos muito distantes.
“De uma hora pra outra você pode realmente achar um fóssil de uma criatura totalmente desconhecida e estranha. Acho que essa é uma das coisas mais legais”, afirma.
Em comum, os dois atuam como paleontólogos, profissão que povoa um imaginário popular reforçado por filmes da franquia “Jurassic Park” e que é celebrada nesta quinta-feira (7).
O que nem todos sabem é que, sem uma faculdade específica no Brasil, há diferentes caminhos para se realizar o sonho de se trabalhar na área, bem como formas de atuação que vão muito além da carreira acadêmica.
Entenda, a seguir, um pouco mais sobre a profissão.
O professor e paleontólogo Max Langer, de Ribeirão Preto (SP)
Arquivo pessoal
O que é preciso estudar para se tornar um paleontólogo?
Até efetivamente trabalhar na área, o interessado geralmente encara uma jornada acadêmica de ao menos dez anos, entre faculdade, mestrado e doutorado. Mas, embora seja uma área que desperta muito interesse, não existe no Brasil uma faculdade de graduação propriamente dita para a paleontologia nem um curso de pós-graduação com essa nomenclatura.
Para começar, o ideal é que o interessado procure uma faculdade de ciências naturais que tenha relação com o tema, principalmente biologia e geologia. Na sequência, é indicado fazer uma pós ligada a geociências e biologia comparada com linhas de pesquisa associadas à paleontologia.
“No Brasil, existem várias universidades que oferecem pós-graduação para um candidato se tornar um paleontólogo. Posso citar algumas como Unicamp, Unesp, UFSCar, USP, UFRJ, UnB, e UFTM”, cita Sandra.
Fósseis do ‘Arrudatitan maximus’, um titanossauro, estão expostos no Museu de Paleontologia de Monte Alto (SP)
Museu de Paleontologia de Monte Alto/Divulgação
Ela mesma, por exemplo, que se tornou paleontóloga por acaso, depois de começar a trabalhar como guarda municipal no museu em Monte Alto, estudou por mais de 15 anos, incluindo nove meses no exterior, até se tornar a profissional que é hoje.
“Primeiro fiz uma graduação em ciências biológicas e isso foi de 2001 a 2006. Ingressei em 2009 no curso de mestrado em geociências, eu escolhi a Unicamp para realizar os meus estudos. (…) Finalizei meu mestrado no ano de 2011 e na sequência entrei no curso de doutorado também em geociências, em 2012 que foi concluído em 2016”, resume.
Já com o professor Max Langer, o interesse pela paleontologia começou de fato enquanto ele cursava a faculdade de ecologia na Unesp. Posteriormente, a paleontologia foi seu campo de estudo no mestrado em geociências e no PhD pela Universidade de Bristol, na Inglaterra.
“Eu nunca pensei em ser paleontólogo quando eu era criança, o que é o sonho de muitos jovens, adolescentes, mas quando entrei na minha graduação em ecologia, no meu terceiro ano do curso, tive a disciplina de paleontologia e aí me fascinei e vi que eu poderia ser um pesquisador.”
A paleontóloga Sandra Tavares, diretora do Museu de Paleontologia de Monte Alto, SP
Érico Andrade/G1
Quais conhecimentos deve ter um paleontólogo?
Pelos diferentes caminhos acadêmicos e devido à interlocução entre áreas distintas, o paleontólogo é um profissional interdisciplinar, que dialoga tanto entre os conhecimentos da biologia quanto da geologia.
“O paleontólogo precisa ter conhecimentos das duas principais áreas que envolvem a paleontologia. Os fósseis são organismos que ficaram preservados nas rochas. O estudo das rochas é realizado por profissionais da geologia, enquanto o estudo da anatomia do ser ou do vestígio preservado no interior das rochas é de conhecimento de estudiosos de ciências biológicas”, explica Sandra.
Segundo Langer, no âmbito da biologia, conceitos a respeito da evolução e da anatomia são essenciais. “Se ele trabalha com plantas, tem que saber identificar as plantas fósseis. Se trabalha com microfósseis, deve identificar os microfósseis”, exemplifica.
Crânio de crocodilo montealtosuchus arrudacamposi, encontrado na região de Monte Alto, é raridade no mundo
Érico Andrade/G1
No campo da geologia, as áreas mais importantes são a sedimentologia e a estratigrafia. A primeira tem a ver com a identificação do contexto geológico em que uma determinada rocha se formou.
“Se foi por exemplo em uma duna de deserto, se foi em um lago. Então isso é importante para saber em que contexto o animal se preservou ou até no contexto em que ele viveu.”
A segunda consiste em saber quais das camadas são mais antigas que as outras. O professor da USP ainda explica que as novas áreas de atuação que vão surgindo também demandam mais conhecimentos como em geoquímica, por exemplo. “O paleontólogo necessita de um rol muito grande de conhecimentos.”
Quais as principais áreas de atuação de um paleontólogo?
A carreira acadêmica é a principal área de atuação de um paleontólogo, com trabalho de campo, produção de pesquisas e ensino voltado a formação de novos profissionais.
Hoje professor do departamento de biologia da USP Ribeirão, Max Langer tem quase 150 trabalhos publicados. Projetos que o levaram a fazer viagens a Argentina, Peru, Uruguai, Venezuela e Tanzânia, sem contar participações em eventos internacionais.
Max Langer viajou para diferentes países para trabalhos de campo na área da paleontologia
Arquivo pessoal
Em três décadas, ele fez parte de descobertas como a de um bípede de 2 metros de comprimento e de até 30 quilos que teria sido o dinossauro mais antigo do continente africano, e dos lagerpetídeos, que teriam vivido há mais de 240 milhões de anos. Em 2020, integrou um grupo internacional que reconstruiu o crânio de um pterossauro.
“De forma mais tradicional, o paleontólogo acaba encontrando uma profissionalização como docente universitário ou em institutos de pesquisa, que não são muitos no Brasil. Então basicamente ele trabalharia como um pesquisador e professor de paleontologia. Ele vai se formar com mestrado e doutorado em paleontologia, para depois orientar em paleontologia e dar aula em paleontologia.”
Hoje coordenadora do Museu de Paleontologia de Monte Alto, Sandra Tavares não só ajuda a repassar seus conhecimentos aos visitantes que vão ao município do interior de São Paulo, conhecido por ser um terreno fértil para descobertas de fósseis, como atua em parceria com universidades nos trabalhos de campo e na produção de artigos.
Em 2023, ela atuou na equipe que encontrou fósseis que podem indicar uma nova espécie de dinossauro no interior de São Paulo.
“O paleontólogo pode trabalhar em várias regiões do Brasil, mas as mais promissoras são aquelas em que os fósseis aparecem em abundância como a região Nordeste, onde está a bacia sedimentar do Araripe, a região Sul, que representa a formação Santa Maria, a Bacia do Paraná, que se distribui por várias estados e onde está inserido a bacia Bauru, na qual estão preservados os fósseis encontrados na região de Monte Alto”, diz.
LEIA TAMBÉM
Mar no interior? Há 260 milhões de anos, ‘Irati’ banhava estados como Minas Gerais e Goiás; entenda
Pesquisadores descobrem gênero de dinossauro que viveu há 85 milhões de anos no interior de SP
Pesquisadores apresentam fóssil inédito de dinossauro carnívoro que viveu em Monte Alto, SP, há 70 milhões de anos
Monte Alto, SP, preserva fósseis do período que marca extinção dos dinossauros no mundo
Mas nem só instituições de ensino e museus precisam de paleontólogos. Empresas de consultoria, agências de mineração e de exploração de petróleo também demandam esse tipo de profissional. Em grande parte, nesses casos, o paleontólogo é procurado para trabalhar com microfósseis, ou seja, fósseis de micro-organismos como protozoários.
“Naquelas perfurações que você faz para identificar as camadas que podem ter mais ou menos propensão a extração dos hidrocarbonetos, a identificação dessas camadas é feita muito com base nos microfósseis. Essa é uma área de atuação mais prática”, afirma Langer.
Além disso, o profissional é essencial nos estudos de impacto ambiental, principalmente em regiões com potencial paleontológico a ser explorado. “Se você vai fazer um empreendimento, uma rodovia, uma construção que seja, uma linha de transmissão que passa por regiões que têm um potencial já identificado, muitas vezes é pedido que nos estudos de impacto ambiental exista o levantamento e o salvamento paleontológico.”
Sandra Tavares, coordenadora do Museu de Paleontologia de Monte Alto, SP
Arquivo pessoal
O que é mais fascinante na profissão?
Para Langer, lidar com a descoberta de algo potencialmente novo é, sem dúvida, o maior fascínio de um paleontólogo, que compensa todo o trabalho.
“Hoje em dia a gente basicamente já conhece toda a fauna e de certa forma toda a flora do mundo. (…) Acho que essa é uma das coisas mais legais assim, porque você de fato pode desvendar alguns mistérios da natureza com atividades triviais como ir para o campo e sair cavando.”
Sandra Tavares, que se descobriu depois de adulta na área, se divide entre a paixão pelos dinossauros e pelos crocodilos terrestres e considera todo o processo, da descoberta à análise e preparação dos fósseis muito interessante.
“Considero esse momento no laboratório próximo a um bloco contendo um fóssil um momento único e que requer muita responsabilidade. Na minha opinião, a sensação em ser a primeira pessoa a tocar em um organismo que viveu há milhões de anos é imensurável.”
Escultura representa o montealtosuchus, crocodilo pré-histórico que viveu em Monte Alto, SP
Érico Andrade/G1
Veja mais notícias da região no g1 Ribeirão Preto e Franca
VÍDEOS: Tudo sobre Ribeirão Preto, Franca e região