Serpente possui dentes do céu da boca para driblar comportamento de inflar o corpo, usado como defesa por rãs e sapos. Serpente é flagrada predando rã no Piauí
Francisco Jonas Cruz de Souza
Uma boipeva (Xenodon merremii) foi vista predando uma rã do gênero Leotodactylus pelo técnico de campo Francisco Jonas Cruz de Souza, em uma trilha na cidade de Inhuma (PI). O registro acima foi feito no final de novembro e revela detalhes do método de caça dessa serpente.
Com dentes grandes no fundo do céu da boca, segundo o herpetólogo Willianilson Pessoa, o réptil é especialista em predar anfíbios.
“Vários anfíbios costumam inflar o corpo enchendo os pulmões de ar quando se sentem ameaçados para ficarem maiores e evitar a predação. Só que os dentes das serpentes do gênero Xenodon evoluíram de um modo que elas conseguem morder e perfurar esse pulmão. Com isso, a presa diminui de tamanho esvaziando o ar dos pulmões e a cobra consegue engolir o animal inteiro”, explica.
Ao olhar para a rã na foto é possível notar, de acordo com Willianilson, uma bolinha branca, que é o próprio pulmão do anfíbio. Apesar de fatal para os sapos e várias outras presas, a boipeba não é peçonhenta e não apresenta risco de envenenamento aos humanos.
Os pesquisadores observaram a predação de longe e logo foram embora para não atrapalhar.
Francisco Jonas Cruz de Souza
“Ela é conhecida também como capitão-do-mato e achatadeira, porque é uma serpente que quando se sente ameaçada se achata e dá vários botes, mas mordidas em pessoas não causam acidentes graves”, acrescenta o pesquisador.
As serpentes boipevas possuem uma enorme variação de cores
Willianilson Pessoa
A boipeva ocorre em quase todos os biomas brasileiros, com exceção da região Sul, e possui uma imensa variação de cor. É uma serpente que não cresce muito, geralmente medindo menos de um metro de comprimento.
A rã-das-pedras recebe esse nome popular por gosta de viver em afloramentos rochosos
Chaline Olivier/iNaturalist
Um dos anfíbios predados por ela é uma rã da espécie Leptodactylus syphax, conhecida popularmente como rã-das-pedras, que pode ser encontrada na Caatinga, no Cerrado e no Pantanal.
“É uma rã que tem veneno. Na verdade, todas as rãs do gênero Leptodactylus podem produzir diversas secreções na pele, principalmente peptídeos. Desde compostos antimicrobianos que funcionam como um antibiótico, até substâncias que podem causar urticância para espantar predadores. Mas no caso da boipeba, em muitos registros podemos perceber que ela ignora essas substâncias e consegue se alimentar da rã mesmo assim”, esclarece o especialista em anfíbios Diego Santana.
Outros registros de boipevas predando anfíbios
Marcio Nery/Ssmuel222/Emiliano Segatto/iNaturalist
De acordo com ele, a rã predada na foto é um macho adulto no período reprodutivo, já que está com os braços hipertrofiados. Isso ocorre para que ele consiga realizar o amplexo, que é o abraço nupcial.
“Avaliamos que a predação entre serpentes e anfíbios é bem mais comum durante o período reprodutivo das presas, já que os machos das rãs se expõem mais nesse período para atrair as fêmeas, e as serpentes estão forrageando atrás de alimentos, então os encontros acabam aumentando”, diz Santana.
O registro
No dia da foto, Francisco estava com duas equipes no município de Inhuma (PI) em busca de locais onde existisse o soldadinho ou o periquito-de-cara-suja, sendo a segunda espécie objeto de estudo do Projeto Periquito-cara-suja.
“Estávamos na missão de investigar relatos sobre um periquito com características semelhantes ao cara-suja naquela região quando uma das equipes encontrou a beira de um riacho a boipeba já predando a rã. Ficamos maravilhados e eu junto ao meu coordenador, Fábio Nunes, registramos por fotos o momento”, relembra Francisco.
Ele conta ainda que passaram apenas cerca de dois minutos observando a predação e logo seguiram o próprio caminho para não interferir. “Quando vejo cenas como essa, reflito o quão complexo é a relação entre os seres vivos e o quão perfeito e implacável é o mundo natural”, revela Francisco.
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