26 de dezembro de 2024

‘O Avesso da Pele’: Governo manda recolher das escolas de Goiás livro que fala sobre racismo e violência

Seduc-GO disse que vai fazer uma análise do livro, mas não explicou o motivo. Recolhimento da obra não é exclusivo de Goiás e também acontece em outros estados; entenda. Publicado em 2020, “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, conta a história de um jovem que teve o pai morto em uma abordagem policial
Carlos Macedo/Feira do Livro e Reprodução/Redes Sociais
A Secretaria Estadual de Educação de Goiás (Seduc) confirmou o recolhimento do livro “O avesso da pele”, das escolas públicas goianas. Vencedor do Prêmio Jabuti 2021, a obra fala sobre racismo e a educação defasada no Brasil. A medida não é exclusiva de Goiás e também acontece em outros estados do país (entenda abaixo).
“A Seduc fará a leitura e análise com vistas a definir se o livro poderá ou não ser distribuído. O objetivo é assegurar que a obra possa efetivamente contribuir com o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes”, diz o comunicado.
O livro, do professor e escritor Jeferson Tenório, chegou às escolas após ser aprovado no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 2022, e passou a ser utilizado no ano passado com alunos do ensino médio, que têm idades entre 14 e 17 anos.
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Embora a Seduc não tenha respondido ao g1 sobre o que motivou a decisão e nem qual o prazo para análise, o livro tem sido alvo de polêmica por pessoas que dizem que a obra tem trechos de cunho sexual e, portanto, seria imprópria para uso nas escolas.
Pelas redes sociais, o escritor criticou a decisão, dizendo que a polêmica envolvendo o livro foi levantada por apoiadores da extrema direita “com argumentos mentirosos”, como forma de promover a desinformação.
“O mais curioso é que as palavras de “baixo calão” e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras. Não vamos aceitar qualquer tipo de censura ou movimentos autoritários que prejudiquem estudantes a ler e refletir sobre a sociedade em que vivemos”, lamentou.
Exemplares do livro ‘O Avesso da Pele’
Reprodução/RBS TV
A Companhia das Letras, editora responsável pela distribuição do livro em todo Brasil, também manifestou indignação com a decisão e argumentou dizendo que “a retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo”.
Polêmica pelo Brasil
Em Goiás, o livro virou tema de debate entre parlamentares na Assembleia Legislativa (Alego). Na terça-feira (5), o deputado Amauri Ribeiro (União Brasil) declarou em sessão ordinária que considera o livro pornográfico.
“Falam que isso é arte literária, para mim é pornografia”, afirmou.
A fala foi rebatida pela deputada Bia de Lima (PT), que disse que o colega fez “denúncias vazias” e tirou trechos do contexto. “Os livros são destinados apenas aos alunos do Ensino Médio e o tema é racismo, não há enfoque em questões de sexualidade”, disse.
Porém, o livro vem sendo alvo de ataques desde 2022, quando Tenório sofreu ameaças de morte ao anunciar que faria uma palestra em uma escola de Salvador. Na época, o escritor revelou que recebeu mensagens anônimas que diziam que caso fosse ao local, ele teria o “CPF cancelado”, ou “teria de fugir do país” para não ser metralhado.
Mais recentemente, em 1º de março, a diretora de uma escola de Santa Cruz do Sul (RS) pediu a retirada do título das instituições de ensino da cidade através de um vídeo na internet.
Na publicação, Janaina Venzon afirmou que era “lamentável o Governo Federal através do MEC adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio”. A publicação foi apagada.
Escritor Jeferson Tenório fala sobre ‘O avesso da pele’; obra é alvo de polêmica no RS
Depois da publicação, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), ligada à Seduc-RS, chegou a orientar a retirada dos exemplares da biblioteca da escola até que o MEC se manifestasse.
Mas, dias depois, a secretaria estadual emitiu nota afirmando que “não orientou para que a obra (…) fosse retirada de bibliotecas da rede estadual de ensino” e que “a 6ª Coordenadoria Regional de Educação vai seguir a orientação da secretaria e providenciar que as escolas da região usem adequadamente os livros literários”.
No Paraná, a Secretaria Estadual de Educação (Seed) determinou o recolhimento do livro para análise. Em nota, disse que “os exemplares devem ser recolhidos até a próxima sexta-feira (8)” e que a revisão foi necessária porque, em determinados trechos, “o texto tem expressões, jargões e descrições de cenas inadequadas para menores de 18 anos”.
Em Mato Grosso do Sul, o livro também está sendo recolhido após determinação do governador Eduardo Riedel (PSDB). A Secretaria de Estado de Educação (SED) também alegou que a medida aconteceu “em função da linguagem utilizada em trechos do livro que contém expressões consideradas impróprias para a faixa etária da maioria dos estudantes atendidos pela Rede Estadual de Ensino (REE)”.
O que diz o MEC?
Tanto o autor quanto a editora cobraram do Ministério da Educação (MEC) um posicionamento sobre a situação .
Em nota, o MEC se resumiu a dizer que os livros aprovados no PNLD compõem um catálogo de opções, no qual as escolas podem escolher os materiais que mais se adequam à sua realidade pedagógica.
Escritor Jeferson Tenório denuncia ameaças de morte após anúncio de palestra em escola na Bahia
Reprodução/Redes Sociais
Defesa de ministro
Pelas redes sociais, o ministro-chefe da secretaria de comunicação social Paulo Pimenta saiu em defesa do livro afirmando que a obra traz elementos fundamentais para o debate sobre o racismo estrutural no Brasil.
Pimenta afirmou que “bolsonaristas se uniram censurar a obra em escolas”, mas que o livro foi aprovado para compor a lista de materiais após edital feito pelo governo Bolsonaro e que a distribuição, exclusiva para o ensino médio, feita ainda no ano passado, só aconteceu depois que a escola do Rio Grande do Sul, que iniciou o debate, pediu que o livro fizesse parte de seu plano pedagógico.
“Esta é mais uma comprovação de como funciona a máquina de Fake News bolsonarista, que atua com revisionismo e oportunismo”, defendeu.
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