Empresa diz que equipamento vai abrigar obras de importantes artistas pernambucanos. Restaurante foi rejeitado pelo corpo técnico do Iphan e, depois, aprovado pelo superintendente do instituto. Conselho vinculado à Unesco critica descaracterização de edifícios tombados. Projeto de intervenção disponível para consulta pública no site do Iphan
Iphan/Reprodução
De tempos em tempos o debate público se volta para construção de novos espaços em territórios históricos da capital pernambucana. Foi assim com os edifícios Pier Maurício de Nassau e Pier Duarte Coelho, mais conhecidos Torres Gêmeas, no Cais de Santa Rita, e com o projeto Novo Recife, ainda em construção, no Cais José Estelita.
Desta vez, os olhares se voltam para a construção de um restaurante em formato de zepelim em cima de dois prédios tombados no Bairro do Recife, em frente à praça do Marco Zero, um dos principais cartões postais da cidade.
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Segundo o grupo responsável pelo projeto, a proposta de construção de um restaurante em cima dos edifícios surgiu como uma forma de “esconder” uma estrutura de casa de máquinas e de grandes equipamentos de climatização do museu que ficarão instalados em cima dos prédios.
O formato proposto é inspirado no dirigível Graf Zeppelin, que pousou pela primeira vez no Recife em 22 de maio de 1930, sendo também o primeiro veículo aéreo a cruzar o Oceano Atlântico, vindo da Europa para a América Latina.
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Um debate acalorado tem se formado nas redes sociais entre os que defendem o empreendimento – enxergando na proposta uma forma de recuperar espaços sem uso no Bairro do Recife – e os que desaprovam, apontando a possibilidade de descaracterização urbanística e histórica do local.
Mesmo com dois laudos elaborados pelo corpo técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) contrários à construção, o superintendente do Iphan em Pernambuco, Jacques Ribemboim, autorizou o início das obras, que podem começar a qualquer momento.
Órgãos como o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), vinculado à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e o Instituto dos Arquitetos do Brasil criticaram publicamente a decisão do superintendente.
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Para entender os motivos e argumentos da controvérsia, o g1 conversou com a coordenadora do núcleo pernambucano do Icomos Brasil, Natália Vieira, e com o superintendente do Iphan em Pernambuco, Jacques Ribemboim.
Também procurou os responsáveis pelo projeto do centro cultural REC Cultural, que optaram por se pronunciar por meio de nota oficial e através da assessoria de imprensa.
Confira o que se sabe, até o momento, sobre o projeto do centro cultural, que inclui a instalação do restaurante em formato de zepelim em frente ao Marco Zero.
O que consta no projeto?
Qual o problema do restaurante zepelim?
Qual a posição da prefeitura do Recife?
Por que o superintendente do Iphan aprovou o projeto?
Quem é responsável pelo projeto e o que prevê o centro cultural?
O que consta no projeto?
Projeto de reparo dos edifícios enviado para análise do Iphan
Iphan/Reprodução
A proposta submetida ao Iphan trata de dois projetos de restauro e intervenção para os edifícios localizados na Avenida Rio Branco, nº 23, e na Avenida Marquês de Olinda, nº 58. Juntos, os dois imóveis formam um lote triangular, no formato conhecido como “ferro de engomar”.
O projeto de restauração inclui o reparo de portas, janelas, rachaduras, oxidações em estruturas metálicas, pintura, reposição de vidros, além da remoção de mofos, infiltrações e salitres – como é chamado o acúmulo de sais nas paredes – entre outros itens.
A polêmica, no entanto, gira em torno do projeto de intervenção, que trata da construção de um restaurante, em formato de zepelim, dividido entre as coberturas de ambas as edificações.
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Qual o problema com o restaurante zepelim?
Projeto de centro cultural no Recife Antigo, que prevê restaurante no topo de dois edifícios tombados
Reprodução/Iphan
Para a coordenadora do núcleo pernambucano do Icomos Brasil, Natália Vieira, a aprovação da construção do zepelim é “absolutamente preocupante”. Natália, que também é coordenadora da pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), aponta que a edificação pode descaracterizar um dos principais pontos turísticos da cidade.
“O Bairro do Recife é patrimônio nacional. Acho que todo mundo concorda que é aquela frente do Marco Zero que está presente em qualquer imagem nacional ou internacional que circula sobre o Recife. Todo mundo tem uma foto com um parente da família quando vai visitar aquela área, que já tem o valor do jeito que ela é, com aquela paisagem”, disse Natália.
Contrária à aprovação da construção, a pesquisadora se manifestou em defesa do conjunto tombado do Bairro do Recife através de uma carta pública assinada conjuntamente pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE, pelo Icomos da Unesco e pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil em Pernambuco.
O entendimento da coordenadora foi o mesmo adotado pelo corpo técnico do Iphan. Após a primeira análise, no dia 31 de outubro de 2023, a proposta foi recusada através de um laudo assinado por um técnico e dois arquitetos do Instituto.
“A construção de 3º pavimento e nova cobertura […] é uma intervenção descaracterizante do imóvel e do conjunto arquitetônico e urbanístico tombado”, diz o primeiro parecer técnico emitido pelo Iphan.
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Qual a posição da prefeitura do Recife?
Após o indeferimento da proposta pelo Iphan, a prefeitura do Recife, através da Secretaria de Política Urbana e Licenciamento (Sepul), emitiu um ofício favorável à reforma dos edifícios e à construção do restaurante, no dia 23 de janeiro de 2024.
No documento, a prefeitura apontou adequações no projeto de reforma, como a preservação da leitura individual das edificações, incluindo revestimento e pintura em cores diferentes. Sobre o dirigível, a saída foi transformá-lo em um elemento artístico temporário.
A prefeitura recomendou que a estrutura do restaurante em formato de zepelim fosse “desmontável, reversível, provisório, escultural” e de “intervenção artística”.
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Por que o superintendente do Iphan aprovou o projeto?
Com o parecer favorável da prefeitura, um segundo projeto de reforma e intervenção foi encaminhado ao Iphan, no dia 22 de fevereiro de 2024. O corpo técnico voltou a rejeitar a proposta, mas o parecer foi reformado pelo superintendente do Instituto.
Em entrevista ao g1, o superintendente Jacques Ribemboim justificou que, após a reforma, os edifícios serão transformados num centro cultural que abrigará exibições públicas com um grande acervo de renomados artistas pernambucanos.
Ribemboim argumentou que existe um ganho sociocultural para a população que não pode ser ignorado.
“O [corpo] técnico do Iphan, na verdade, são arquitetos. Eles abordam a questão sobre a ótica exclusiva arquitetônica, que é importante, […] mas não é a única. Desde que o imóvel seja preservado e restaurado, a gente pode eventualmente incorporar outras esferas na nossa análise, por exemplo, a ‘desejabilidade’ da população de um projeto dessa magnitude”, disse.
Em sua revisão, o superintendente autorizou tanto a reforma, quanto a construção do restaurante em formato de zepelin – que terá cinco anos para funcionar numa estrutura firmada em metais e lona.
A decisão, no entanto, deixa em aberto se, após esse período, o restaurante será removido, incorporado definitivamente, ou liberado para continuar em funcionamento por prazo determinado.
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Quem é responsável pelo projeto e o que prevê o centro cultural?
Os dois edifícios foram comprados, entre os anos de 2022 e 2023, pela empresa do setor de energia EBrasil, do empresário Dionon Lustosa Cantareli Junior. A companhia afirmou que a aquisição se deu para a criação de um equipamento cultural com recursos privados, o REC Cultural.
Em pronunciamento à imprensa, o REC Cultural disse que as áreas dos dois edifícios, que somam 4 mil metros quadrados, contarão com espaços como auditório, salas de atividades, biblioteca, loja de design e arte regional, café, espaços para exposições permanente e temporárias.
A empresa prometeu disponibilizar para a população um acervo com “uma das maiores e mais relevantes coleções de arte pernambucana”.
Ainda de acordo com o REC Cultural, estarão presentes obras de nomes como Ariano Suassuna, Tereza Costa Rego, Abelardo da Hora, Lula Cardoso Ayres, Reinaldo Fonseca, João Câmara e Montez Magno.
O projeto, segundo a assessoria de imprensa do futuro museu, também prevê “um equipamento totalmente acessível e integrado com a paisagem local”, com restauro da estrutura histórica e instalação de estrutura elétrica, hidráulica, logística, de climatização e prevenção de incêndio.
Sobre o restaurante, a nota da empresa, assinada pelo diretor geral da REC Cultural, Roberto Souza Leão, ressalta que será “totalmente desmontável e independente estruturalmente”.
“É o caso da instalação provisória, confeccionada com perfis metálicos, paredes removíveis e lona tensionada, conectando os dois prédios e criando um ambiente de contemplação para uma das mais belas vistas do Recife, hoje sonegada pela inacessibilidade dos edifícios, além da obstrução visual proporcionada pela própria arquitetura de um dos edifícios, que apresenta um terraço cercado por paredes superiores a dois metros de altura, impossibilitando a utilização do espaço como mirante”, diz o texto assinado por Souza Leão.
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Imóveis a serem reformados ficam na direção do Marco Zero, entre as avenidas Rio Branco e Marquês de Olinda
Google Street View/Reprodução
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