26 de dezembro de 2024

Histórias entrelaçadas de mulheres: a arte ancestral do crochê que tece o presente e desenha o futuro

No Dia Internacional da Mulher, g1 conta histórias de cinco mulheres do Distrito Federal que se redescobriram com linha e agulha nas mãos. Unidas por vivências e experiências, elas fazem parte de uma organização social que busca, por meio do artesanato, a construção da autonomia feminina. As artesãs do Instituto Proeza responsáveis pela exposição de crochê no JK Shopping, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.
Tainá Frota
Uma ideia, algumas linhas e pelo menos 12 agulhas: em duas semanas, uma rede de mulheres artesãs do Distrito Federal criou 15 painéis repletos de cor e histórias para homenagear as mulheres por meio de uma exposição de crochê. As artesãs participam do Instituto Proeza, uma organização social fundada há 21 anos que usa o artesanato para construir a autonomia das mulheres.
Para Kátia Ferreira, diretora do instituto, o crochê é a arte de entrelaçar histórias 🧵🧶.
“Um novelo sozinho, ele não é nada. Mas quando você põe habilidade, quando você põe conhecimento, mais o trabalho coletivo, você tem esse resultado que é lindo. […] Esses panos, esses painéis, eles são tecidos sociais cheio de histórias, de vivências, de experiências, de superação, eles são pessoas que estão ali entrelaçadas, tecendo as suas vidas com esse fio que realmente fez elas saírem de um lugar e chegarem em outro”, conta.
Nesta sexta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, o g1 pegou emprestado do crochê a arte de entrelaçar e reuniu as histórias de cinco mulheres que têm no artesanato ancestral um ponto de transformação que tece o presente e desenha o futuro.
Para Lucie Batista Araújo, o amor pelo crochê começou cedo, aos 9 anos de idade. Com uma agulha improvisada — um graveto de xique-xique, uma espécie de cacto do sertão nordestino — a menina que morava no Ceará começou a tecer sua história.
“Eu aprendi o crochê olhando a minha cunhada fazer. Na época que eu aprendi era ainda no tempo da lamparina. Ela na frente e eu executando atrás. Naquele tempo, quem tinha uma agulha de verdade eram as pessoas com mais condição. […] Eu aprendi com a agulha de xique-xique, que é um espinho grande”, conta Lucie.
Depois, Lucie ganhou do avô uma agulha de ferro, feita com o raio da roda de uma bicicleta, e continuou criando figuras com as linhas entrelaçadas. O primeiro trabalho foi uma borboleta.
Aos 10 anos, a mãe de Lucie deu de presente à filha a sua primeira agulha. A menina cresceu, se mudou para Brasília e deixou o crochê de lado para trabalhar.
Em 2020, Lucie conheceu o Instituto Proeza e lembrou da sua paixão pela arte. Logo após ser mãe, ela ajudou a encapar o prédio da organização social com peças de crochê e fez parte de vários projetos.
“Quando eu cheguei aqui [no Instituto], na pandemia, eu tinha acabado de ter neném. Estava com depressão pesada, chegava aqui e ficava bem ali naquele cantinho. Comecei a me abrir, e a gente foi conversando. Quantas vezes eu cheguei aqui abatida e saí daqui outra Lucie”, lembra a artesã.
Saco de estopa que vira arte
Maria do Rosário aprendeu a fazer crochê na infância, no Maranhão
Foi também na infância que a artesã Maria do Rosário Gomes Lima, 60 anos, conheceu o crochê. Ela aprendeu sozinha, no interior do Maranhão, usando linhas de saco de estopa – um tecido rústico usado para armazenagem de grãos.
“Como não tinha linha, a gente desfiava para fazer. Fui pegando a linha e fui aprendendo a fazer a correntinha, depois, fui fazendo uns pontos meio tortos, mas eu consegui. De lá pra cá, eu não parei mais, estou sempre fazendo crochê, porque eu gosto muito”, conta Maria do Rosário.
Ela diz que adora fazer roupas, tapetes, jogo de banheiro, pano de prato, bico de fralda. E sempre dá presentes para as amigas. Quando vê qualquer desenho, Maria confessa que já imagina que dá pra fazer de crochê 🧶.
“Quando eu vim pra cá, eu estava com depressão porque a minha mãe tinha falecido. Eu nem queria mais sair de casa. Ficava sentada no sofá. O sofá já estava afundando de tanto eu sentar lá. Pra mim, quando eu passo o dia aqui é maravilhoso”, diz a artesã.
Um novo olhar para a arte e para a vida
Maria Magnólia Alves Dantas é uma das artesãs da exposição e apaixonada pelo crochê.
Tainá Frota
De olho nos ensinamentos da avó e da mãe, Maria Magnólia Alves Dantas, de 52 anos, já conhecia o crochê e o bordado pois a família tinha tradição de bordar malhas. “Eu já conhecia, mas sabe quando você conhece e não valoriza?”, conta.
Depois de anos trabalhando no Ministério da Saúde, em Brasília, ela se aposentou, mas continuou com o segundo trabalho: o doméstico. Cuidou dos filhos, do marido e diz que “se perdeu de si por entre os cômodos da sua casa”.
“Primeiro o filho, segundo o filho, terceiro o filho, quarto o marido, e eu sempre era a última. Eu sempre pensava na minha pessoa por último. Hoje em dia, eu penso primeiro no meu eu e depois eu penso no outro”, diz Maria Magnólia.
A mudança veio por meio do desafio do crochê, que começou com o desenho de uma borboleta também, assim como sua amiga Lucie. “Já me deram logo o desafio da borboleta. Falei eu não vou desistir, aí fui persistente”, conta.
Hoje, Maria Magnólia prioriza o autocuidado e se dedica para produzir cada vez mais peças de crochê, sempre inventando algo novo como um par de chinelos encapados com o resultado do trabalho teciso com linha e agulha.
De um chapéu para uma exposição
A artesã Tânia Maria Rodrigues de Sousa Costa entrou no Instituto Proeza em 2022.
Tainá Frota
A artesã Tânia Maria Rodrigues de Sousa Costa mirou em um centro de mesa de crochê e acabou fazendo um chapéu como sua primeira peça, aos 10 anos de idade 👒.
“O primeiro desenho que tentaram me ensinar, na época que eu tinha uns 10 anos, era pra ser um centro de mesa, só que ele virou um chapéu”, diz a artesã.
Aos 57 anos, Tânia faz tapete, bico de barras, pano de prato e toalha com muita habilidade. Ela entrou no instituto em 2022, depois da pandemia da Covid-19.
“Achar isso daqui foi um refúgio muito gratificante, pois nos trouxe a vida de volta. Sair de casa, ver gente, poder desenvolver coisas novas. Hoje, sabendo que tem uma exposição na nossa cidade, em um grande shopping, é enriquecedor”, conta.
Insegurança ficou para trás
Iracilda Silva participa do Instituto Proeza desde 2023.
Tainá Frota
Em fevereiro de 2023, depois de perder o emprego, Iracilda Silva, de 36 anos, viu o prédio encapado de crochê e entrou no Instituto Proeza. Lá dentro fez dois cursos e produziu um autorretrato de crochê que foi parar em uma exposição na França.
“Quando eu participei do primeiro projeto eu fiquei tão feliz, tão contente, que eu falei pra todo mundo da minha família e falaram que eu poderia investir nisso. E aí eu fiquei assim: ‘será?’ Depois que eu vim pra cá, aquela palavra ‘será’ sumiu”, diz Iracilda.
Ela conta que tinha inúmeras inseguranças e que não acreditava muito em si. Depois de produzir peças com o crochê, partilhar as histórias com as amigas e de ter um acompanhamento psicológico oferecido pelo projeto, ela começou a se enxergar com outros olhos.
“A Iracilda de antes era uma pessoa bem insegura, tinha os meus medos. […] Hoje, eu sou uma pessoa que tem a certeza que o que eu pegar eu consigo fazer e executar”, afirma.
Universo de possibilidades
Exposição no JK Shopping reúne 15 painéis feito por 12 mulheres artesãs.
Divulgação/JK Shopping
Para Kátia Ferreira, diretora do Instituto Proeza, a exposição no shopping JK, em Brasília, nesse Dia Internacional da Mulher é só o início de tudo que as mulheres podem conquistar.
“É um universo de possibilidades que um novelo de linha te dá. E essas mulheres fizeram desse novelo uma ponte para voar, fizeram desses novelos asas para chegar em tantos lugares onde elas imaginarem estar”, diz Kátia Ferreira.
Para Monaliza Maia, gerente de marketing do shopping, a exposição com os 15 painéis de crochê mostra a força das mulheres em se unirem em uma rede estruturada. 🧶
“É a capacidade de mobilização delas e a força dessas mulheres juntas. […] Agir em rede, de forma colaborativa. Da nossa capacidade de segurar nas mãos umas para as outras e seguir com sonhos, com projetos. A força da rede gera o existir, de sair da sombra, a independência, a autonomia, a autenticidade”, diz Monaliza.
Para Iracilda, Maria Magnólia, Maria do Rosário, Tânia e Lucie o crochê pode ser resumido em quatro palavras: gratidão, desafio, superação e aprendizado. Elas acreditam que arte que aprenderam no passado pode transformar o presente e o futuro.
“Superar o tabu que o crochê é essa arte feita à mão e não tá no passado não. Ela está no nosso presente que está fazendo com que a gente consiga tirar a nossa renda, o nosso sustento e de preferência passar para as próximas gerações”, diz Iracilda.
As cinco artesãs fazendo crochê no Instituto Proeza.
Programe-se
Exposição Entrelaçadas
Quando: de 8 de março a 30 de abril
Horários: segunda-feira a sábado, das 10h às 22h; domingos, das 12h às 22h
Onde: JK Espaço Arte (piso S1) no JK Shopping
Entrada gratuita
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