Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, celebrado nesta sexta-feira (8), o g1 conversou com uma socorrista de Sorocaba (SP) que realiza atendimentos pelo Samu de São Paulo nos mais variados ambientes, como a Cracolândia e ocupações. Socorrista Viviane se emociona ao atender mulher que havia entrado em trabalho de parto de emergência
Arquivo Pessoal
Entre dias corridos, resgates e cenas traumáticas, ainda é possível enxergar beleza e humanidade nos pacientes: dos trabalhadores, idosos, e recém-nascidos à população mais vulnerável e marginalizada.
Quem compartilha esta perspectiva afetuosa é a socorrista Viviane Saez Lamego, moradora de Sorocaba (SP). Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o g1 traz relatos da técnica de enfermagem, de 34 anos, que enfrenta desafios diários em locais muitas vezes ignorados pela sociedade.
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A profissional trabalha na área da saúde desde 2008, sendo que a maior parte da carreira, se dedicou à atendimentos urgência e emergência intra-hospitalar. Viviane está no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) desde junho de 2023.
Ela viaja quase 100 quilômetros a destino da base da corporação, que fica no bairro Santa Cecília, em São Paulo. Na maior cidade do América do Sul, a socorrista tem contato com uma infinidade de realidades sociais e econômicas. Entre elas, a Cracolândia, um ambiente itinerante e caótico onde se aglomeram dependentes de drogas.
“É um choque de realidade, pois ‘esfrega’ na nossa cara onde as drogas podem levar o ser humano. Lá, vemos pessoas que não tiveram condições de estudar devido à iniciação do uso [de drogas] na infância”, conta a socorrista.
Viviane ao lado de seus colegas de equipe durante atendimento na Cracolândia
Reprodução/Arquivo Pessoal
“Nossos atendimentos muitas vezes são por causa de overdose, parada cardiorrespiratória, vítimas de arma branca, ou de fogo, e até mesmo tentativas de suicídio”, comenta sobre o trabalho.
A profissional ainda menciona que, em meio aos atendimentos, tenta orientar e incentivar os usuários a buscarem ajuda para abandonar o vício. Problema que Viviane conviveu em família.
“Eu tive um familiar próximo com problemas de uso abusivo de drogas. Hoje essa pessoa encontra-se limpa há mais de 10 anos, através do Narcóticos Anônimos. (…) Sempre que a vítima me dá abertura, eu comento sobre esse familiar e como procurar ajuda. Espero de coração que essas pessoas encontrem uma nova maneira de viver e um dia voltar, ou se tornar, um membro produtivo da sociedade.
Socorrista incentiva usuários que transitam pela Cracolândia a superarem vício em drogas
Marcos Serra Lima/g1
Beleza e propósito
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas em seu cotidiano, Viviane consegue enxergar beleza e propósito no dia a dia. Ela conta que cada atendimento proporciona uma nova história para contar.
Logo no primeiro dia, a socorrista atendeu um idoso, com parada cardiorrespiratória. A vítima, conta ela, foi submetida a ressuscitação cardiopulmonar e levada à Santa Casa. “A equipe da sala de emergência deu o seu melhor, e nada desse senhor voltar. Quando encerraram o procedimento e a médica olhou no relógio, dizendo ‘hora do óbito: 00:23’, o coração dele voltou a bater, e a equipe agradeceu nosso trabalho.”
“Estávamos acabados, pingando de suor no esforço de trazê-lo de volta. Quando a médica deu a notícia pra filha, que estava do lado de fora da emergência, essa moça correu para nos abraçar e agradecer. Nessa hora eu senti que estava no serviço certo, e só nessa situação eu já tinha ganhado o resto do ano”, conta orgulhosa.
Ambulância do Samu
Corpo de Bombeiros/Divulgação
Neste mesmo dia, a socorrista que costuma dizer que “a vida pode sempre surpreender com novas surpresas”, auxiliou em um parto dentro de uma ocupação, às escuras.
“Nessa hora, confesso que meu olho começou a lacrimejar, mas disse que era suor para não demonstrar emoção. Perdemos algumas vítimas e ficamos chateados, isso é fato. Mas quando ganhamos presentes como esses, é uma sensação de dever cumprido que não tem explicação. Eu me sinto extremamente realizada.”
Socorrista Viviane se emociona ao atender mulher que havia entrado em trabalho de parto de emergência
Arquivo Pessoal
Mulheres no ambiente de trabalho
Viviane não enfrenta as dificuldades do trabalho sozinha. Ao seu lado, mulheres de todas as áreas e idades trabalham em equipe.
“Existem muitas mulheres! Nossa coordenadora geral, no auge dos seus 72 anos, não pensa em aposentar, a não ser que venha a aposentadoria compulsória. Temos condutoras socorristas, auxiliares, técnicas de enfermagem, enfermeiras, médicas. Temos também as policiais militares e guardas municipais, que nos apoiam em muitos atendimentos”, ressalta a socorrista.
“Eu acredito que toda profissão dá medo de começar, principalmente pra gente que é mulher. A gente tem uma obrigação enraizada, uma crença que a gente tem que fazer bem feito, que a gente tem chance de fazer só uma vez. E não é bem assim. O mais difícil é o começo. A jornada é gostosa, dá pra ir”, incentiva Viviane.
Enfermeira Maria Jalva, coordenadora do Samu-192 em São Paulo
SAMU/Divulgação
A profissão
Toda essa história começou quando Viviane tinha 16 anos, ao se matricular no curso de enfermagem. Mas a inspiração veio muito antes: ao ser cuidada por enfermeiros em hospitais.
“Quando eu era criança, tive alguns problemas de saúde que me fizeram passar muito tempo em hospitais e o tratamento da enfermagem foi o que fez eu optar por ela [profissão]. (…) [A enfermagem] abrange o paciente realmente como um todo, e esse tratamento que eu recebia fez eu me apaixonar pela área”, lembra.
Viviane ao lado de seu pai, no dia em que recebeu a farda do Samu
Arquivo Pessoal
Após se formar, em 2007, a primeira paciente apareceu, literalmente, no dia seguinte. “Infelizmente, minha primeira paciente foi a minha avó, que era minha parceira de vida em tudo. Ela faleceu no dia seguinte que eu tinha me formado, e estava com 60 anos. Minha jornada na enfermagem começou dessa forma.”
Claro que outros desafios também foram surgindo no decorrer de sua caminhada profissional, mas, com jogo de cintura, é possível seguir em frente.
“Posso considerar a postura como um dos desafios que temos no serviço. Muitas vezes estamos diante de situações em que precisamos afastar nossos sentimentos, para que o atendimento seja realmente efetivo. O profissional não é frio, bate um coraçãozinho dentro de cada um. Mas esse ato de afastar alguns sentimentos nos ajuda a centralizar o que realmente importa, que é salvar vidas. Agora, empatia e educação, não fazem mal a ninguém, né?”, conta aos risos.
Viviane recebeu certificado e troféu em nome da equipe por seus atendimentos
Arquivo Pessoal
*Colaborou sob supervisão de Matheus Arruda
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