Possibilidade ajuda na medicina pré-natal possibilitando diagnóstico de doenças e tratamento ainda durante a gestação. Pesquisadores criaram mini-órgãos que ajudam no diagnósticos de fetos
Giuseppe Calà, Paolo De Coppi, Mattia Gerli via AP
Cientistas criaram miniórgãos a partir de células que flutuam no fluido amniótico, que envolve um feto no útero. O resultado pioneiro é considerado um avanço que poder abrir novas áreas na medicina pré-natal.
👉 Miniórgãos, ou “organoides”, imitam órgãos reais. O objetivo é que eles possam ser usados para testar novos tratamentos médicos ou estudar como os órgãos funcionam, sejam saudáveis ou doentes. Assim, seria possível descobrir alguma falha e tratá-la ainda durante a gravidez.
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Como o estudo foi feito?
O estudo foi feito por pesquisadores da University College London e do Great Ormond Street Hospital, ambos no Reino Unido.
🔍 Para o estudo, foram coletadas células de amostras de fluido amniótico retiradas durante 12 gravidezes como parte dos testes pré-natais de rotina.
🔍 Então, pela primeira vez, eles cultivaram miniórgãos a partir de células retiradas durante essas gestações.
Os cientistas imaginam que essa abordagem pode, eventualmente, ajudar médicos a monitorar e tratar condições congênitas antes do nascimento e desenvolver terapias personalizadas para um bebê ainda no útero.
🔍 As células-tronco específicas de tecido coletadas por Gerli e seus colegas foram eliminadas pelo feto, como normalmente acontece durante a gravidez. Os cientistas identificaram de quais tecidos as células-tronco vieram e encontraram células dos pulmões, rins e intestinos.
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Questões éticas
Anteriormente, miniórgãos foram derivados de células-tronco adultas, que se assemelham mais ao tecido adulto, ou tecido fetal após um aborto.
Coletar células do fluido amniótico contorna regulamentos sobre a retirada de células-tronco diretamente de tecido fetal, permitindo que esses cientistas obtenham células de fetos na última parte da gravidez.
“Estamos realmente empolgados” com essa possibilidade, disse Mattia Gerli do University College London, autor do estudo, que foi publicado na revista Nature Medicine.
➡️ No Reino Unido, o limite legal para a interrupção da gravidez, geralmente, é de 22 semanas após a concepção. Os cientistas não podem obter amostras fetais depois disso. Isso acaba limitando sua capacidade de estudar o desenvolvimento humano normal ou doenças congênitas após esse ponto.
➡️ Nos Estados Unidos, as restrições ao aborto variam de acordo com o estado. É legal na maioria usar tecido fetal para pesquisa, disse Alta Charo, professora emérita de direito e bioética na Universidade de Wisconsin, em Madison.
No país, o tecido fetal é definido pelo Instituto Nacional de Saúde como proveniente de um embrião ou feto humano morto após um aborto espontâneo, aborto ou natimorto – e o uso de tecido de um aborto é controverso.
Charo, que não estava envolvida no estudo, disse que a nova abordagem não levanta as mesmas questões éticas.
“Obter células do fluido amniótico que já está sendo coletado para fins clínicos padrão não parece adicionar riscos físicos ao feto ou à mulher grávida”, disse ela em um e-mail.
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Os efeitos da descoberta
O Dr. Arnold Kriegstein, que dirige o Programa de Biologia do Desenvolvimento e Células-Tronco da Universidade da Califórnia, São Francisco, e também não estava envolvido na pesquisa, disse que obter células dessa maneira tem “o potencial de fornecer algumas informações sobre esse feto individual conforme ele está crescendo”.
➡️ E como cultivar miniórgãos a partir de células do líquido amniótico leva cerca de 4 a 6 semanas, disse Gerli, há tempo suficiente para a terapia pré-natal corrigir problemas que os médicos possam encontrar.
Para examinar um uso prático de sua abordagem, a equipe do Reino Unido trabalhou com colegas na Bélgica para estudar o desenvolvimento de bebês com uma condição chamada hérnia diafragmática congênita.
➡️ Na doença, órgãos como o fígado e os intestinos são deslocados para o peito devido a um buraco no diafragma. Com isso, os pulmões não se desenvolvem como deveriam. Cerca de 30% dos fetos com a condição morrem. Se os médicos detectarem a hérnia, podem operar o feto ainda no útero.
Os pesquisadores cultivaram organoides pulmonares a partir das células de fetos com a condição antes e depois do tratamento e os compararam com organoides de fetos saudáveis.
Paolo de Coppi, autor do estudo do University College London e do Great Ormond Street Hospital, disse que foram capazes de avaliar a condição da criança afetada antes do nascimento usando esse método.
Atualmente, os médicos não conseguem informar às famílias muito sobre o resultado de um diagnóstico pré-natal porque cada caso é diferente, disse ele.
A capacidade de estudar miniórgãos pré-natais funcionais, acrescentou, é o primeiro passo para um prognóstico mais detalhado e tratamentos mais eficazes.
Kriegstein disse que mais pesquisas são necessárias. “Está nos estágios iniciais”, acrescentou, “e teremos que esperar para ver o quão útil será a longo prazo”.