26 de dezembro de 2024

Dominância no bando, poliandria e ‘creches’ de filhotes: veja curiosidades sobre fêmeas do mundo animal

No Dia Internacional das Mulheres, biólogas explicam como algumas espécies de aves, mamíferos e répteis se diferenciam na forma de organização social e na morfologia. Sagui-de-tufo-branco (Callithrix jacchus) vive em bandos dominado pelas fêmeas
Erika Hingst-Zaher
Na organização social das espécies, muitas trazem o macho como figura dominante nos bandos. Mas será que isso é uma regra na natureza?
No Dia Internacional das Mulheres, comemorado nesta sexta-feira (8), o Terra da Gente conversou com algumas biólogas para saber sobre comportamentos curiosos de fêmeas de diferentes grupos vertebrados.
Dominância das fêmeas em alguns bandos, aves fêmeas com plumagem mais colorida que a dos machos, poliandria, cooperação entre fêmeas para cuidado dos filhotes e até armazenamento de espermatozoides foram alguns fatos que chamaram a atenção. Saiba mais abaixo:
Aves
Clarissa Santos, doutoranda do Museu Biológico do Instituto Butantan, explica que há uma família de aves em que o macho é mais discreto que a fêmea, ao contrário da maior parte dos passeriformes. Ela se refere à família dos Thamnofilídeos (Thamnophilidae), que inclui as chocas, formigueiros e outras aves florestais que se alimentam de insetos.
“Apesar de em algumas espécies o macho apresentar plumagens rajadas mais destacadas, em sua maior parte os machos têm plumagem preta, branca e acinzentada. Enquanto as fêmeas apresentam tons castanhos e alaranjados, que chamam mais atenção em meio aos tons de verde florestais”, diz.
Outra curiosidade sobre o grupo das aves (e dos mamíferos) é que espécies como jaçanã, jacamim-de-costas-brancas, maçarico-branco e maçarico-pintado estão “liberadas” da monogamia e, às vezes, até do cuidado dos filhotes. Falando de forma cientificamente correta, elas são aves poliandricas.
Jaçanã (Jacana jacana) é uma ave poliandrica
Paul Donahue / iNaturalist
“A poliandria é um dos sistemas de acasalamento observado em algumas espécies de aves e mamíferos. Neste sistema, as fêmeas copulam com vários machos, e normalmente esses são responsáveis por parte ou por todo cuidado parental”, explica Clarissa.
Segundo ela, uma das vantagens desse comportamento é a maior variabilidade genética, e principalmente maior proteção para os filhotes. “Não à toa esse comportamento é observado em aves que fazem seus ninhos no chão, onde os ovos podem estar mais expostos”, finaliza.
Mamíferos
Uma espécie presente na natureza e nos centros urbanos é o sagui-de-tufo-branco (Callithrix jacchus). Isso provavelmente você já sabia, o que talvez você não saiba é que são as fêmea que dominam os bandos da espécie. Quem explica isso é a mestranda também do Museu Biológico, Louise Schneider.
Sagui-de-tufo-branco pode ser visto em ambientes urbanos e rurais
Erika Hingst-Zaher
“O grupo pode ter uma ou duas fêmeas dominantes, que assumem esse papel principalmente em relação a reprodução. Só a dominante pode ter filhotes, e ela inibe as outras fêmeas de se reproduzirem pelo comportamento (ataques ao ver uma fêmea subordinada copulando com um macho) e hormonalmente (adiando a maturidade sexual das outras fêmeas)”, comenta Louise.
Depois que os filhotes nascem, segundo ela, o cuidado fica principalmente por conta dos machos, e é esse sistema de cuidado coletivo dos filhotes que faz com que seja tão importante uma fêmea conseguir estabelecer dominância no grupo: se o grupo tiver menos filhotes pra cuidar, as chances desse filhote crescer e atingir a maturidade é maior.
Outra espécie com com organização social diferente é o mico-de-cheiro (Saimiri boliviensis). Eles formam grupos bem grandes, geralmente com cerca de 50 indivíduos, e existe uma dominância tanto das fêmeas quanto dos filhotes em relação aos machos adultos.
Mico-de-cheiro (Saimiri boliviensis) vive em bandos com dominância de fêmeas e filhotes
Erika Hingst-Zaher
Nessa espécie, os machos adultos ficam mais afastados do grupo, podendo passar a maior parte do tempo sozinhos ou com poucos companheiros. Já femeas e filhotes formam um grande coletivo (com atritos também), que se une pra dar prioridade a si mesmos. Quando tem algum recurso disponível, por exemplo comida, as fêmeas e filhotes acabam “colocando os machos pra correr”.
“É curioso porque, enquanto nos saguis as fêmeas são maiores do que os machos (podendo fazer essa relação de dominância por conta do tamanho), nos mico-de-cheiro os machos são maiores que fêmeas e filhotes, mas mesmo assim não têm um papel de protagonismo no grupo”.
Além disso, durante o período de reprodução, diversas fêmeas podem ter filhotes, não existe formação de casal monogâmico e a gestações são sincronizadas, com todas elas dividindo o cuidado dos filhotes depois de algumas semanas do parto.
Quem também divide o cuidado dos filhotes entre as várias fêmeas do bando são as capivaras, como explica a diretora do Museu Biológico Erika Hingst-Zaher. “As fêmeas se organizam para cuidar dos filhotes umas das outras, em um sistema de ‘creche’, chegando mesmo a amamentar os filhotes de suas companheiras do mesmo grupo”, relata.
Fêmeas de capivara mantêm modelo de “creche” para cuidado dos filhotes
Erika Hingst-Zaher
Répteis
Na maioria das espécies de serpentes peçonhentas que ocorrem no Brasil, as fêmeas são maiores do que os machos em comprimento e tamanho da cabeça. Consequentemente, as fêmeas produzem maiores quantidades de veneno do que machos da mesma idade.
Silvia Regina Travaglia Cardoso, pesquisadora científica do Museu Biológico do Instituto Butantan, cita como exemplo exemplo um estudo realizado com 23 jararacas-da-mata, de 3 anos de idade. Ele mostrou que as fêmeas produziram em média 220 mg de veneno seco por extração, enquanto os machos produziram 40 mg. Ou seja, elas produzem em média cinco vezes mais veneno.
Jararaca-da-Mata (Bothrops jararaca)
harisson / iNaturalist
Outra curiosidade está no fato de que fêmeas de lagartos e cobras podem “escolher quando serão fecundadas”, por possuírem estruturas especializadas para armazenar espermatozoides. “Em várias espécies de serpentes, por exemplo jararacas, cascavéis, surucucus, existe uma região do útero das fêmeas que se contrai após os acasalamentos, e se dilata durante a gestação”.
“Essa contração (ou enrolamento) após os acasalamentos formam “dobras” que permitem a estocagem dos espermatozóides, que permanecem viáveis por longos períodos, e que podem vir a ser usados para a fertilização muito depois da serpente ter acasalado”. finaliza a pesquisadora.
Ausência de certo ou errado
De acordo com Louise, para cada grupo existem teorias diferentes e experimentos tentando explicar por que a organização é de um jeito ou de outro, mas podem haver divergências dentro de uma única espécie, como grupos de saguis com duas fêmeas se reproduzindo ao invés de uma só.
“Para além de ir atrás de respostas dos motivos pra um grupo seguir um modo de dominância (masculina, feminina ou não dominância), acho que o interessante é a gente perceber que não existe certo ou errado na natureza, ela é muito mais criativa do que qualquer concepção de mundo que a gente possa imaginar e serve pra nos ajudar a questionar nossas certezas”, pontua a bióloga.
Para exemplificar sua fala, Louise contextualiza as primeiras observações de comportamento de bonobos, um grupo muito próximo evolutivamente dos chimpanzés e de nós.
“Até a década de 80, existia uma corrente de pensamento que acreditava que a natureza humana tinha algo de violento, devido às observações de comportamentos agressivos em chimpanzés. No entanto, os bonobos, tão parecidos física e geneticamente com os chimpanzés, apresentaram formas de organização social completamente diferentes”, explica ela.
Espécie é endêmica do República Democrática do Congo, na África
Getty Images
Enquanto os chimpazés vivem em comunidades lideradas por um macho alfa e sua coalizão de machos aliados, com disputas marcadas por comportamentos agressivos, por outro lado, os bonobos têm dominância pelas fêmeas e são considerados mais pacíficos na resolução de conflitos do bando.
Macaco-da-noite-do-norte ocorre no Brasil
daniesser / iNaturalist
Outras espécies que fogem do padrão macho dominante são o macaco-da-noite (Aotus trivirgatus), mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) e o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus).
“Então, o quanto a gente se apoia em uma visão de mundo quando a gente olha para a natureza? Muitas vezes a gente está tentando enxergar neles alguma explicação, alguma coisa que justifique também os nossos comportamentos”, finaliza.
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