12 de janeiro de 2025

Radar que cobre 100% do céu e maior bacia do estado monitorada ao vivo: a estratégia de SC para reduzir desastres naturais

Após cerca de 150 mortes e R$ 9,2 bilhões perdidos em tragédia de 2008, estado montou centro de gerenciamento de riscos, comprou radares meteorológicos e instalou estações hidrológicas com transmissão de dados em tempo real em toda a Bacia do Itajaí. Santa Catarina: referência em prevenção de desastres
Era um domingo, 26 de maio, quando o metalúrgico Maicon Kretzchmar, de 40 anos, foi orientado pela Defesa Civil de Rio do Sul, em Santa Catarina, a deixar sua casa: no dia seguinte, ela poderia inundar mais uma vez.
A cidade fica na bacia do Itajaí, palco do maior desastre natural de Santa Catarina, em 2008. Naquele ano, cerca de 150 pessoas morreram no estado.
Com a esposa, a mãe, de 70 anos, e o filho, de 11, Kretzchmar seguiu para um dos seis abrigos da cidade – o mesmo onde, em novembro de 2023, havia ficado 38 dias durante a segunda pior enchente da história do município.
“A gente respeita sempre isso e acaba tirando tudo de casa. Com a prevenção, a gente sai com paciência, né? Não sai debaixo de chuva, não molha nada, não quebra nada, sai com tempo”, disse Kretzchmar ao g1.
Felizmente, o pior cenário não se concretizou dessa vez, e, dois dias depois, ele, e as outras 76 famílias que foram para abrigos na cidade, voltaram para suas casas com seus pertences e móveis.
Moradores de Rio do Sul, em Santa Catarina, levaram geladeiras e móveis de maneira preventiva para abrigo no dia 26 de maio
Arquivo pessoal
Estado é ‘corredor de desastres’
O estado de Santa Catarina é assolado por grandes enchentes e inundações há décadas, como em 1974, 1983, 1984, 1997. Em 2004, um furacão atingiu o estado, deixando mais de 500 feridos e 11 mortos.
“Santa Catarina é um estado que é uma espécie de corredor de desastres”, disse Fabiano de Souza, secretário de Estado da Proteção e Defesa Civil.
Uma das áreas mais afetadas, historicamente, é a Bacia Hidrográfica do Itajaí, onde vivem 1,1 milhão de habitantes (14% da população catarinense) em 52 cidades. É lá que está Blumenau, epicentro da tragédia de 2008.
Enchentes de 2008 em Santa Catarina foram marco na atuação do estado em relação a prevenção de desastres
NSC TV
Para se ter ideia, a primeira edição da Oktoberfest Blumenau, em 1984, surgiu para arrecadar fundos por causa das enchentes naquele ano e no anterior. Foram 65 mortes no estado nos dois anos.
Mas, as tragédias não causavam mudanças estruturais na prevenção de desastres, segundo Souza. “A água baixava, da mesma maneira que baixava o interesse”, afirmou o secretário.
No entanto, no desastre de 2008, além das mortes, os impactos econômicos também foram inéditos – segundo o Banco Mundial, o estado perdeu R$ 9,2 bilhões [em valores corrigidos].
“Veio 2008, que na curva de danos e prejuízos teve um pico de prejuízo econômico. Boa parte da atividade econômica de Santa Catarina passava pelo Porto de Itajaí, o porto ficou parado durante 30 dias, o comércio de exportação ficou parado”, contou o secretário de Estado da Proteção e Defesa Civil de Santa Catarina.
Segundo Souza, 2008 “mudou a concepção” de prevenção a desastres naturais e se tornou um marco no estado.
Hoje, Santa Catarina é vista como referência no monitoramento e prevenção de desastres por especialistas como Leandro Casagrande, engenheiro responsável pelo monitoramento hidrológico do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Carlos Tucci, professor emérito do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH/UFRGS), e Rafael Schadeck, pesquisador do Ceped (Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil) da Universidade Federal de Santa Catarina.
Dados do Atlas de Desastres, organizado pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, mostram que, nos últimos 15 anos (2009 a 2023), Santa Catarina representou 6% do total das mortes do país em desastres. Nos 15 anos anteriores (94 a 2008), esse número era de 16%.
Para Schadeck, especialista em perdas em desastres naturais, é difícil estimar em valores o que foi evitado.
“O que o que a gente previne não aparece. É igual o goleiro. Quando faz o trabalho dele, não aparece”, diz o pesquisador. “É visível que as perdas e as perdas e danos são mitigados com mais investimentos, com mais engenharia, com mais monitoramento, como o estado tem feito”.
O que mudou na prevenção de tragédias
As mudanças fundamentais na melhoria na prevenção de desastres em Santa Catarina foram:
Investimento em monitoramento com transmissão de dados em tempo real;
Alinhamento efetivo com os municípios de protocolos de ação em casos de desastres;
Elevação da Defesa Civil ao primeiro escalão do governo (no estado, desde 2023, ela tem status de secretaria, e não um órgão subordinado a alguma).
Após a tragédia de 2008, o estado criou um comitê científico, que reuniu governo, universidades e a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA).
Após três anos de estudo, em 2011, o relatório final apontou, entre outras coisas, a necessidade de criação de um centro de monitoramento e alerta – embrião do que viria a ser, quase uma década depois e ao custo de R$ 21 milhões, o Centro Integrado de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cigerd), que tem sede em Florianópolis e 20 unidades regionais espalhadas pelo estado.
🦺 Lá, minuto a minuto, meteorologistas, hidrólogos, geógrafos e outros especialistas acompanham imagens de satélite, monitoram rios, fazem cálculos e projetam cenários para o estado.
Técnicos do Centro Integrado de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cigerd) acompanham imagens de satélite, monitoram rios, fazem cálculos e projetam cenários para o estado.
Defesa Civil de Santa Catarina/Airton Fernandes
🗾A estrutura do centro foi inspirada no de Tóquio, no Japão, contou o secretário da Proteção e Defesa Civil do estado.
O órgão é abastecido por dados de quatro radares meteorológicos, comprados por R$ 33 milhões, que cobrem todo o território de Santa Catarina e conseguem identificar formações de nuvens antes mesmo de chegarem ao estado – quando ainda estão no Rio Grande do Sul, no Paraná ou na Argentina (segundo o secretário de Estado da Proteção e Defesa Civil, Santa Catarina é o único estado do país com 100% de cobertura territorial por esses radares.)
Radar meteorológico em Santa Catarina. Equipamento faz imagens de baixo para cima e identifica formação de nuvens antes mesmo de chegarem no estado.
Divulgação/Defesa Civil/Airton Fernandes
💧Também chegam ao Cigerd os dados de monitoramento dos rios. O estado tem 1,8 mil estações hidrológicas, 8% das 23 mil existentes no Brasil, e 25% delas enviam dados em tempo real– acima da média do país, considerada baixa pelos especialistas, que é de 15%.
O número de pontos de monitoramento do estado ainda não é o suficiente, admite o secretário. “Para nós, que precisamos ficar monitorando o tempo inteiro para atualizar, para alertas, eu preciso ter o dado em tempo real. O manual, para alerta de desastre, não serviria”, diz Souza. Nas estações manuais, um observador precisa ir ao local anotar os dados registrados pelo equipamento.
Na Bacia do Itajaí, palco dos maiores desastres naturais do estado, o governo investiu em uma rede própria de monitoramento, com 42 estações com transmissão de dados em tempo real. Além disso, todas possuem câmeras, painel solar e baterias.
“Se caso acontecer alguma coisa com o sensor, de ele perder contato ou estragar no meio de um evento [climático], a gente ainda consegue ver pela câmera a régua posicionada [que mede o nível do rio]”, conta Dieyson Pelinson, hidrólogo da Coordenadoria de monitoramento e alertas da Defesa Civil.
Durante as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em abril e maio, estações de monitoramento do Rio Taquari foram arrancadas, impedindo saber, por exemplo, a qual altura ele chegou em algumas áreas do estado.
Maicon Kretzchmar com a família em um abrigo na cidade de Rio do Sul, em novembro de 2023, quando 2ª maior enchente da história atingiu a cidade. Ele ficou 38 dias no abrigo.
Arquivo pessoal
Atuação alinhada com as prefeituras
Foi do Cigerd que saíram os dados que permitiram a Prefeitura de Rio do Sul alertar o metalúrgico Kretzchmar e outros moradores da cidade em 26 de maio. Além de SMS enviado pelo estado, a administração municipal ligou para famílias em risco publicou o aviso em suas redes sociais e fez alertas em grupos de WhatsApp.
Essas informações também robustecem o AlertaBlu, criado em 2014 pela Prefeitura de Blumenau para alertar a população a partir de uma rede própria de monitoramento. A cidade tem hoje 59 pontos de abrigo definidos.
Ainda assim, o secretário ressalta que não é o centro tecnológico que mais diferencia o estado, mas o alinhamento de protocolos de ação com os municípios.
O diferencial de Santa Catarina não é o prédio [centro de gerenciamento de riscos], o diferencial de Santa Catarina é a união dos protocolos que nós temos aqui, um modelo de atuação aliado com toda a estrutura que a gente oferece
Ele destaca, por exemplo, a agilidade de Rio do Sul – após recorrentes episódios de inundações. “O que a gente percebe é que aqueles municípios que são mais afetados, que tem a percepção de risco mais alta, eles são mais preparados”, conta Souza.
Como há eleições municipais neste ano e muitas prefeituras sofrerão mudanças em seus quadros, a Defesa Civil do estado está agendando capacitações para o primeiro trimestre de 2025.
“Tem que ser uma política de estado, uma política permanente e prioritária, porque o desastre mata no Brasil e gera muito prejuízo econômico”, afirma.
Centro Integrado de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cigerd) foi inaugurado em 2018 em Florianópolis.
Defesa Civil/Airton Fernandes

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