16 de janeiro de 2025

Só 3,7% dos municípios de MG têm unidades de referência para serviço de aborto em caso de estupro

Apesar da baixa cobertura, MG é o estado com mais locais aptos a executar o procedimento no Brasil. Projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados equipara aborto a crime de homicídio. Manifestantes fazem ato a favor do aborto legal
RODILEI MORAIS/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Somente 3,7% dos municípios de Minas Gerais possuem unidades de saúde de referência para a realização de abortos legais em caso de estupro. São 37 hospitais, clínicas e centros de saúde espalhados em 32 das 853 cidades mineiras, segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Apesar da baixa cobertura, MG é o estado com mais locais aptos a executar o procedimento no Brasil.
De acordo com a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), além do número restrito de unidades, em muitos casos, a burocracia impede meninas e mulheres de interromper a gravidez nos casos permitidos por lei.
“Existem profissionais de saúde que, quando vão atender essas mulheres, dizem que elas precisam registrar boletim de ocorrência, abrir inquérito, e nada disso é exigido, porque o exercício da vontade da mulher de interromper a gravidez, na hipótese de violência sexual, não pode ser condicionado a uma revitimização”, disse o coordenador estratégico de Tutela Coletiva da DPMG, defensor público Paulo César Azevedo de Almeida.
Das 37 unidades de saúde habilitadas a realizar aborto em caso de estupro em Minas Gerais, oito ficam na Grande BH, sendo cinco em Belo Horizonte (leia mais abaixo).
Depois de MG, os estados com mais hospitais são Rio de Janeiro (19), Bahia (18) e São Paulo (12). Em muitas unidades da federação, há apenas um – é o caso, por exemplo, de Sergipe, Alagoas e Goiás, conforme o CNES. Em todo o país, são 158.
“Essa baixa capilarização exige dispêndio de recursos financeiros para que as vítimas de estupro se desloquem aos equipamentos, e a gente sabe que boa parte não tem acesso nem a pré-natal, quiçá a deslocamento para realizar abortamento. […] Além disso, por mais que existam equipamentos aptos no território onde as vítimas estão, muitas vezes eles não realizam os procedimentos”, afirmou o defensor.
Segundo ele, a situação foi agravada em abril, quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu uma norma proibindo médicos de realizarem a assistolia fetal em “casos de aborto previsto em lei oriundos de estupro”. O procedimento, que induz a parada do batimento do coração do feto, é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em gestações acima de 22 semanas.
Em maio, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes suspendeu liminarmente a resolução. No entanto, profissionais de saúde passaram a conviver com insegurança jurídica.
“Por mais que exista a liminar, o fato de essa resolução ter sido editada gerou uma situação de desconforto e insegurança jurídica para que os médicos realizem o procedimento. Alguns já foram alvos de processos e, inclusive, tiveram licenças profissionais cassadas por isso”, disse Almeida.
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Atualmente, o aborto é crime no Brasil, mas permitido em três situações, em qualquer fase da gestação:
anencefalia fetal, ou seja, má formação do cérebro do feto;
gravidez que coloca em risco a vida da gestante;
gravidez que resulta de estupro.
Agora, um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados pode dificultar ainda mais o acesso ao procedimento. O texto altera o Código Penal e estabelece a aplicação da pena de homicídio simples nos casos de aborto em fetos com mais de 22 semanas, inclusive em situações de estupro.
Na prática, mulheres vítimas de violência sexual que interromperem a gravidez após esse período podem ser condenadas a 20 anos de prisão, pena maior do que a submetida ao estuprador.
“No cenário atual, mulheres que são vítimas de estupro podem procurar o serviço de saúde para a realização do aborto independentemente do estágio da gravidez. A partir do momento que se estabelece um limite temporal, a mulher fica em uma situação de risco de responder a um processo criminal e ser punida com pena que pode ir de seis a 20 anos. […] A liberdade da mulher seria cerceada”, afirmou o defensor.
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Belo Horizonte
Em Belo Horizonte, foram realizados 34 abortos legais em 2023. Em casos de estupro, cinco unidades fazem o procedimento: Hospital das Clínicas da UFMG, Hospital Júlia Kubitscheck, Hospital Metropolitano Odilon Behrens, Hospital Risoleta Tolentino Neves e Maternidade Odete Valadares.
Segundo a prefeitura, as mulheres podem acessar o serviço “através de procura direta ou encaminhamento por qualquer equipamento da rede de saúde, segurança ou assistência social”, e não é necessário apresentar boletim de ocorrência.
Já a interrupção da gestação nos casos de anencefalia fetal ou risco de morte materna é realizada em qualquer uma das sete maternidades públicas de BH.
Em situações de anencefalia, é necessário exame ultrassonográfico detalhado e assinado por dois médicos, confirmando o diagnóstico. O risco de vida à gestante deve ser também confirmado por dois médicos, sendo um especialista.
As mulheres podem ser encaminhadas por outros serviços de saúde ou procurar diretamente a maternidade.
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