16 de janeiro de 2025

Cursos livres, como o de peeling de fenol, não precisam ser reconhecidos por órgãos de regulação de ensino, afirma MEC

Influencer Natalia Becker, indiciada pela morte do empresário Henrique Silva Chagas em São Paulo, realizou apenas um curso livre na internet para aprender a executar o procedimento e oferecê-lo em sua clínica estética. Cursos livres, inclusive de saúde, não são regulamentados pelo MEC
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A influencer Natalia Becker, indiciada pela morte do empresário Henrique Silva Chagas em São Paulo na semana passada, realizou apenas um curso livre na internet, por cerca de R$ 500, para aprender a executar o peeling de fenol. A mulher não tem formação em medicina, nem em estética.
Afinal, esse tipo de curso é regulamentado por alguma instituição de ensino? Pode conferir diploma? Confira abaixo:
Atualmente, centenas de cursos livres são ofertados em plataformas digitais em categorias diversas, que vão desde finanças até tecnologia. Na área de saúde, no site em que a influenciadora comprou o curso, o g1 encontrou aulas sobre toxina botulínica (o botox), harmonização facial, peelings químicos, entre outros procedimentos, que são exclusivamente teóricas – sem a parte prática.
Segundo o Ministério da Educação (MEC), os cursos livres podem ser oferecidos por pessoas físicas ou jurídicas de qualquer natureza e não precisam ser autorizados ou reconhecidos pelos órgãos de regulação dos sistemas de ensino federal, estadual ou municipal.
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Como esse tipo de curso não é credenciado como instituição de Ensino Superior, é vedada a emissão de diplomas. É permitida apenas a emissão de certificados de participação. As aulas podem aperfeiçoar os conhecimentos do aluno em determinada área, porém não o tornam graduado, tecnólogo, licenciado ou habilitado a exercer uma profissão.
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Reclamações ou denúncias sobre os cursos por propaganda enganosa ou fraude devem ser encaminhadas aos serviços de proteção ao consumidor, às polícias ou ao Poder Judiciário, explica o MEC.
“O MEC não tem competência para atuar no sentido de fiscalizar, aplicar penalidade ou mesmo desativar, ou descredenciar entidade que oferte apenas ‘cursos livres’, haja vista que não compõe o Sistema Federal de Ensino”, informou a pasta em nota.
Isto é, a dona da clínica de estética, Natalia Becker, não estava habilitada a executar o peeling de fenol depois de apenas assistir ao curso livre online, que era ministrado pela farmacêutica Daniele Stuart, já que Natalia não possui formação acadêmica na área.
A farmacêutica é investigada pela Polícia Civil do Paraná por exercício ilegal da medicina, por realizar peeling de fenol – procedimento que pode causar arritmia cardíaca e até mesmo a morte – nos pacientes, e falsificação de documentos particulares, por detalhes no certificado de conclusão do curso online que vende.
A defesa da farmacêutica Daniele Stuart afirma que ela completou o curso dias depois da morte do empresário Henrique Chagas.
Procurado, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) reforçou que não tem a responsabilidade de regulamentar ou fiscalizar cursos livres. A instituição foi criada para fiscalizar o exercício profissional dos farmacêuticos, que devem seguir o Código de Ética da classe.
“A legislação brasileira é falha, na medida em que não proíbe nem define critérios para a realização de cursos livres. Qualquer pessoa pode ministrá-los, sobre qualquer assunto. Com o advento da internet, estes cursos podem ser comercializados a qualquer pessoa, de qualquer lugar, inclusive do exterior, o que é um risco, considerando procedimentos relacionados à saúde. Na medida em que não há uma proibição, qualquer profissional, incluindo os profissionais da área da saúde, não estão impedidos de ofertar cursos livres em suas áreas de conhecimento e habilitação”, afirmou o CFF, em nota.
Quem pode fazer o peeling de fenol?
O peeling de fenol consiste na aplicação de um composto orgânico mais ácido do que o álcool e que provoca uma reação inflamatória na pele. A inflamação causa uma descamação da superfície do tecido para reduzir manchas e cicatrizes.
Dias após a aplicação, a pele parece “se soltar” do rosto. É um tratamento considerado eficaz contra rugas e flacidez, porém pode gerar efeitos adversos graves.
Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Heitor de Sá Gonçalves, o fenol “pode ter complicações na própria pele, com feridas, ucerações, infecções secundárias que podem gerar bactéria, sepse e até óbito. Então é importante que o profissional tenha a capacidade de detectar uma infecção cutânea desde o seu início”.
Como o procedimento é considerado invasivo e com efeitos adversos graves, para o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Sociedade Brasileira de Dermatologia, somente os médicos com especialização em dermatologia estão aptos a realizá-lo e resolver suas possíveis consequências.
Entretanto, a resolução nº 573 de 22 de maio de 2013 do Conselho Federal de Farmácia sobre o exercício da saúde estética autoriza o farmacêutico a realizar uma série de procedimentos, inclusive os peelings químicos – categoria que engloba o fenol.
Os biomédicos também podem realizar o peeling de fenol, de acordo com a resolução n° 197 de 22 de fevereiro de 2011 do Conselho Federal de Biomedicina. Ambas as instituições reforçam que o profissional deve realizar uma especialização para atuar na área de estética desde que os procedimentos não sejam invasivos que atinjam órgãos internos nem envolvam intervenções de cirurgia plástica.
A segunda-vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Rosylane Rocha, alerta que os profissionais de saúde que não são médicos não estão treinados para resolver os efeitos adversos.
“Quando o médico vai realizar um procedimento como peeling de fenol, ele tem que saber se aquele paciente tem alguma comorbidade. Como que está a questão do coração, do fígado, dos rins? Porque é um produto químico extremamente tóxico que, se absorvido, pode levar à morte”, critica Rocha.
“Se você não tem competência legal para realizar o procedimento, não tem competência legal para ensinar um curso, ainda mais a distância. Esses cursos são realizados presencialmente por médicos especialistas. A gente não vai encontrar nenhum médico especialista dando um curso desses a distância. Pelo menos não o médico sério e bem formado”, complementa.
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Relembre o caso
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Reprodução/Divulgação/ Marcelo Camargo
O empresário Henrique Silva Chagas, de 27 anos, morreu após ser submetido a um peeling de fenol em 3 de junho em São Paulo. O procedimento foi realizado pela influenciadora e dona da clínica estética Natalia Fabiana de Freitas Antonio, que se identifica como Natalia Becker nas redes sociais.
Henrique foi submetido ao procedimento estético no Studio Natalia Becker, localizado no Campo Belo, na Zona Sul da capital. Ele chegou à unidade acompanhado do namorado, Marcelo Camargo.
De acordo com o boletim de ocorrência, a vítima passou por uma limpeza de pele e uma aplicação de anestésico seguida de uma raspagem para receber o composto orgânico (fenol).
Após a aplicação da substância, Marcelo saiu da sala e aguardou o fim do procedimento. Algum tempo depois, ele pôde entrar novamente. Foi quando Henrique começou a passar mal, a respirar muito forte pela boca e pediu socorro.
Natalia, responsável pela aplicação do fenol, e funcionárias vieram socorrê-lo. Acionaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que constatou a morte na própria clínica.
O 27º Distrito Policial (DP) do Campo Belo, responsável pela investigação, apura as causas e eventuais responsabilidades pela morte de Henrique.
Uma das hipóteses investigadas pela polícia é a de que o empresário possa ter tido algum tipo de reação alérgica ao tratamento e morrido por “choque anafilático” pelo uso de alguma substância química, entre elas o fenol.
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Reprodução/Facebook

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