19 de janeiro de 2025

‘Califórnia Paulista’, ‘Califórnia Brasileira’: nos anos 80, Ribeirão Preto foi comparada a estado americano

Pujança econômica da região, sobretudo por conta do agronegócio, inspirou paralelo. Apelido divide opiniões, mas ainda está no imaginário popular da localidade, que completa 168 anos. Vista aérea de Ribeirão Preto, SP
Reprodução/EPTV
Uma cidade com forte geração de empregos, volumes de movimentação financeira comparáveis aos de capitais brasileiras, uma atividade comercial diversificada e acima da média para o interior paulista naquela época, além de ser quente e conhecida pela tradição agrícola. Foi nesse contexto que, nos anos 1980, Ribeirão Preto (SP) consolidou um apelido lembrado ainda hoje.
A cidade que completa 168 anos nesta quarta-feira (19) já foi chamada de “Califórnia Paulista” ou “Califórnia Brasileira”, em uma comparação, que divide opiniões, com o rico estado norte-americano, embora movimentado por uma atividade econômica diferente.
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“A Califórnia nessa mesma época vivia também um boom de desenvolvimento em função do Vale do Silício, principalmente São Francisco, onde grandes empresas de tecnologias se instalaram e o dinheiro começou a circular forte naquela região. Por isso, a Califórnia se tornou um destaque em renda em qualidade de vida e tudo mais, por isso essa comparação”, afirma o professor de economia e consultor José Rita Moreira.
Califórnia ‘do Café’, ‘Paulista’ e ‘Brasileira’
O livro “A cidade e seus limites: as contradições do urbano na ‘Califórnia Brasileira'” (Fapesp, 2004), menciona, em uma nota de rodapé, que, nos anos 1920, há indícios de que Ribeirão Preto chegou a ser chamada, entre imigrantes de outros estados, como “Califórnia do Café”, devido à forte cultura agrícola em uma das maiores regiões produtoras do estado na época.
Embora seja difícil comprovar essa origem, para o historiador Sérgio Campos Gonçalves, professor e pesquisador pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UFMG), o cenário econômico ajudaria a explicar esse apelido.
“Lá nos anos 1910, 1920 era o ápice de Ribeirão se projetar no cenário não apenas nacional, mas global, como imensa produtora e exportadora de café no período que o mundo consumia mais de 50% do café que o Brasil exportava. Essa região de Ribeirão Preto era responsável por ser o epicentro desse fenômeno no período. Então não é estranho que ali nos anos 1920 tivessem em algum momento comentado Califórnia do Café”, diz.
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Mas foi nos anos 1980 que essa comparação de fato repercutiu. Naquele período, Ribeirão Preto, como qualquer cidade brasileira, enfrentava problemas típicos de um centro urbano em expansão, como pobreza, desigualdade social, ocupações irregulares e aumento da criminalidade, mas chamava atenção por sua elite, fortemente ligada a tradições agrícolas e um estilo de vida acima da média.
Em março de 1987, essa comparação foi mostrada no Jornal do Brasil, em reportagem especial de Ricardo Kotscho, intitulada “A Califórnia Paulista”. O material mencionava, entre outras coisas, uma renda per capita de US$ 5 mil por ano, índices como um veículo para cada quatro habitantes e dois telefones para cada três residências, além de uma movimentação financeira em 84 agências bancárias que a tornava a quinta maior praça de compensação de cheques do país.
Reportagens em jornal e TV entre os anos 1980 e 1990 mostraram pujança econômica de Ribeirão Preto que inspirava comparação com a Califórnia
Biblioteca Nacional e AcervoEP
A vida noturna agitada e a disponibilidade de bebidas e comidas importadas em lojas especializadas também são mencionadas.
Isso ocorria, segundo Rita Moreira, porque muitas famílias que investiram no plantio de cana-de-açúcar – motivados pelo Pró-Álcool, o programa nacional de incentivo ao uso de álcool como combustível nos automóveis nos anos 1970 – se instalaram em Ribeirão Preto e mobilizaram a circulação de recursos, sobretudo o comércio e a prestação de serviços.
“Para que Ribeirão também se tornasse um centro importante de comércio, para que as pessoas não viajassem tanto para ir comprar as coisas, as grandes lojas foram se instalando aqui, os shoppings e o que virou um grande atrativo para a região, que já usava Ribeirão Preto como centro financeiro para fazer suas operações: passaram também a usar como centro de comércio e serviços. Isso então se desenvolveu muito na questão, principalmente do comércio, da prestação de serviço e evoluiu para gastronomia, e isso se deve, na minha opinião, aos recursos que circulavam das famílias pessoalmente e dos produtores agrícolas que estavam em Ribeirão Preto”, afirma.
Em 1990, o apelido também foi abordado em um “Globo Repórter”. O programa de TV falava do desenvolvimento econômico com a produção sucroalcooleira, como também da região, mencionando atividades de lazer como o polo em Orlândia (SP), praias artificiais com jet skis em fazendas, a industrialização de Sertãozinho (SP), a 20 quilômetros de Ribeirão Preto, e a construção de um shopping center em Bebedouro (SP), conhecida pela vocação para a citricultura.
“Essa comparação com o estado da Califórnia justamente, porque lá nos Estados Unidos, a Califórnia é um dos estados mais ricos, estatisticamente o segundo estado mais rico, o primeiro seria o Texas por conta de petróleo e tudo mais, só que o desenvolvimento da Califórnia é mais igualitário, uma renda mais distribuída tem um impacto que você enxerga ao andar pelas ruas de lá, então é um lugar que tem muita riqueza devido a um histórico de busca pelo ouro, expansão para o este e nos tempos recentes inovação tecnológica, por exemplo”, afirma o historiador Sérgio Campos Gonçalves.
Theatro Pedro II faz parte do Quarteirão Paulista em Ribeirão Preto
Sérgio Oliveira/EPTV
O que ficou da fama
Quarenta anos depois dessa repercussão nacional, Ribeirão Preto ainda se destaca economicamente em todo o país e o apelido – um dos vários que a cidade já recebeu, como “Capital do Chope” – ainda está no imaginário de muita gente, mas, segundo os especialistas, não há tanto a se comemorar.
Muita gente buscou e ainda busca na região uma nova oportunidade de recomeçar a vida, mas nem todos conseguiram concretizar aquilo que imaginavam, nem a cidade teve estrutura para comportar essa demanda.
“A verdade é que Ribeirão Preto, assim como o país em que está inserido, mostra grandes desigualdades. Proporcionalmente a cidade é um tanto diferente de outras, mas é uma cidade que tem os bairros pobres, os bairros ricos e tudo mais”, avalia o historiador.
Segundo Rita Moreira, essa migração criou uma concorrência forte por vagas e a busca por subempregos. Além disso, a fama com relação aos altos salários desmotivou indústrias, que procuravam mão de obra barata.
Para o consultor econômico, o entusiasmo daquele período ajudou a impulsionar outro mote importante da economia, o mercado imobiliário, além da presença de grandes eventos como a Agrishow, mas a indústria não se desenvolveu.
“Efetivamente um parque industrial, como deveríamos ter, que é o setor primário da economia, nós não tínhamos ainda e permanecemos não tendo até hoje. Acho que a gente permanece nessa vocação de serviços e comércio, e principalmente serviços financeiros também”, diz.
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