Ao g1, cineasta Fabiano Liporoni fala sobre sua relação afetiva com o tema, a intenção de preservar a tradição com o registro e as diferentes práticas de benzimento que encontrou. Veja entrevista com diretor de documentário sobre benzedeiras no interior de SP
Fabiano Liporoni ainda era criança quando passou a se interessar pelos benzimentos que via a avó fazendo nas pessoas. O tempo passou, ele descobriu que é apaixonado por contar histórias e, atualmente, há mais de 30 anos atuando no setor audiovisual, revisita seu passado na direção do documentário “Benzadeus”, que conta histórias das benzedeiras e benzedores de São Pedro (SP), no interior de São Paulo (SP).
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Na cidade, são ao menos dez pessoas que ainda mantêm viva essa tradição, atendendo pessoas que os buscam por diferentes motivos, como cura para doenças, proteção contra o mau olhado e sucesso na vida amorosa ou financeira.
Fruto da Lei Paulo Gustavo, “Benzadeus” é idealizado, roteirizado e dirigido por Fabiano. A trilha sonora é do músico inglês Wayne Hussey, conhecido por sua participação nos bandas de rock The Mission, The Sisters of Mercy e Dead or Alive. A direção de fotografia pe de Ricca Santana. A previsão é de finalizar em agosto e estreia no Cine-Teatro de São Pedro.
Em entrevista ao g1, o diretor contou sobre sua relação afetiva com o tema, se essa tradição ainda é passada por gerações, a diversidade religiosa e na forma de benzer de cada um e curiosidades que já vivenciou ao longo da produção. Confira abaixo:
Seu Expedito mantém a tradição como benzedor viva aos 92 anos
Divulgação
g1: Como foi a concepção do documentário e a relação afetiva que você tem com o tema?
Fabiano: Ele surgiu exatamente por essa relação afetiva que eu tenho com benzedeiras, porque a minha avó Maria, mãe da minha mãe, era benzedeira. E quando eu era bem criança, a minha avó morava na frente da minha casa, e um dia, eu não lembro exatamente, eu devo ter falado para ela que eu gostava de vê-la benzendo. E ela sempre que ia benzer alguém, ela me chamava.
Ela benzia quebranto, com água e azeite no prato. Como eu tenho visto na minha pesquisa, isso é uma coisa muito antiga mesmo, bem ancestral. Eu lembro que a história da benzedeira veio da avó dela, e é uma coisa que parou com ela, sabe. Ela não passou para nenhum dos filhos ou nenhum dos netos e ficou lá.
Só que, por causa disso, eu sempre procurei benzedeiras ou benzedores. Sempre fiquei procurando benzedeiras e sempre foi ficando cada vez mais difícil de achar benzedeiras. Eu sou de São Paulo. Quando eu me mudei para São Pedro, uns oito anos atrás, mais ou menos, eu logo comecei a procurar as benzedeiras da cidade também. Encontrava uma e depois sumia, morria, mudava.
Aí, eu fiquei com vontade de fazer um documentário sobre benzedeiras exatamente por isso, para criar um documento sobre essas histórias, sobre como eles começaram, como apareceu o dom para essas pessoas. E faz um ano e meio, mais ou menos, que eu venho pesquisando as benzedeiras aqui de São Pedro.
Imagem de bastidores das filmagens do documentário “Benzadeus”
Divulgação
g1: Essa tradição vem sendo repassada por gerações ou não mais? Essas benzedeiras e benzedores tentam fazer com que essa tradição não morra?
A minha a minha percepção é que, para a tradição não morrer, essas pessoas têm que passar para frente o seu conhecimento. E algumas, pelo que eu tenho visto, não estão passando.
Mas algumas estão passando, que eu acho muito legal. Por exemplo, uma das benzedeiras novas com quem eu vou falar é bem nova, não tem nem 30 anos de idade. E quem passou para ela foi a mãe, que recebeu da avó também.
Então, essa tradição está indo na família dela. Uma das benzedeiras com quem a gente já filmou também já contou que ela já passou para frente também, para uma pessoa da família dela, que não é filho nem filha, mas já passou para frente.
Um benzedor, que é um cara que eu gosto muito, que é o Seu Expedito, a história dele é muito legal porque o dom dele foi descoberto por alguém que não era da família dele, sabe? Foi passado para ele por uma pessoa que não era da família.
[…] Eu espero que com esse filme as pessoas abram os olhos, e não só abram os olhos, mas pensem na história e poder transmitir esse poder da benzedeira, do benzedor para frente também, para que não termine com uma pessoa.
Dona Francisca, uma das benzedeiras retratadas no documentário “Benzadeus”
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g1: Uma coisa que chama atenção é a diversidade da atuação dessas pessoas, a diversidade da liturgia delas, que tipo de benzimentos que elas fazem, quem elas benzem, quais são as crenças delas. Queria que você comentasse um pouco dessa diversidade que você encontrou.
Fabiano: Acho que a coisa mais legal de todas desse projeto “Benzadeus” é que eu descobri que o ser benzedeira ou benzedor não é uma atividade católica, que para mim sempre foi uma atividade católica. Mas eu descobri que outras pessoas de outras religiões também benzem como essa primeira ideia que eu tinha de benzeção mesmo.
Então, tem a Talita, que é uma benzedeira umbandista, que é incrível, a história dela é super bacana também. Ela nasceu católica e, de repente, a família dela foi entrando para a umbanda e ela pequena foi entrando para a umbanda. A benzeção dela é diferente. Na verdade, todas são bem diferentes umas das outras.
A da Talita também tem muito do católico, ela benze com imagens católicas, que são também imagens umbandistas, mas ela tem o terço na mão, ela fica segurando o terço na mão, ela reza as católicas, e aí mistura com coisas da tradição da umbanda também.
Outras pessoas já benzem o que seria o comum para mim, com essa minha ignorância católica anterior a esse projeto todo, que é rezar Ave Maria, reza o Pai Nosso, reza o Credo, salve Rainha. […] Cada um tem a sua forma, cada um tem a sua maneira de se comunicar com quem está sendo benzido.
Tem uma benzedeira que conversa com a gente, ela pergunta coisas para a gente, e ela fala coisas para a gente durante a benzeção dela. Tem outro, o Seu Expedito, por exemplo, é um cara que ele benze e a gente não ouve quase nada do que ele está falando, e a benzeção dele é meio sussurrada assim, sabe. Ele tem um altar onde ele benze, ele se vira muito para o altar. As diferenças, apesar de serem bem gritantes, elas acabam convergindo sempre para o mesmo fim.
Além disso, eu acabei encontrando aqui, um benzedor que é LGBTQIA +, que eu achei super bacana também. E é uma pessoa que é super procurada, está ficando até famoso na cidade, e ele não quis participar do filme exatamente por isso. Ele falou: “eu prefiro o meu anonimato e atender poucas pessoas porque, por enquanto, eu não consigo ser maior do que eu sou”.
Documentário aborda diversidade religiosa envolvida na prática de benzedeiras e benzedores
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g1: Tem também uma benzedeira ou um benzedor de animais também?
Tem um benzedor que ele só benze bicho, ele não benze gente de jeito nenhum. E ele benze bicho de longe.
No dia que eu fui conversar com ele, ele recebeu um WhatsApp assim: “Óh, tô com uma vaca que tá com não sei o quê aqui”, e ele benze de longe. Ele falou: “vou fazer a minha oração pra vaca e daqui três dias ela vai tá boa”.
Outro dia ele benzeu o meu cachorro, o meu cachorro tá com problema no joelho da pata direita, e ele benzeu o meu cachorro de longe também. Deu uma super melhorada.
No primeiro dia que eu fui conversar com o Seu Expedito, quase um ano e meio atrás. Fui na casa dele, ele me levou lá pro fundinho ali do sitiozinho dele, onde ele tem porco, tem galinha, tem vaca, não sei o quê, e aí tinha um barulho. Eu nem ouvi, ele falou: “Óh, tá ouvindo esse barulho? Isso é cobra”.
Eu falei: “Pelo amor de Deus, morro de medo de cobra”. Aí ele deu uma rezadinha, assim, e na hora a gente ouviu a cobra indo embora, sabe.
Fabiano durante as filmagens de “Benzadeus”
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g1: E a busca por eles também é diversificada também, Fabiano? Cada pessoa busca por diferentes motivos?
Exatamente. Quando você vai benzer, a benzedeira, o benzedor, eles perguntam por que que você tá lá, se você está lá por algum motivo qualquer. Quando eu fui no Seu Expedito a primeira vez, ele perguntou, e eu falei: “Ah, não, eu tô aqui porque eu vim conversar com o senhor e eu quero ser benzido, não tenho problema nenhum”. Aí ele: “Ah, então tá bom”. E ele me benzeu. E tudo ok, mas você pode chegar lá com seus problemas.
E tem benzedeira que ela te dá lição de casa também. Ela te benze e fala: “Óh, agora você tem que tomar um banho, comprar um chá de não sei o quê, dormir, sei lá o quê”.Tem várias lições de casa, assim, mas tem outros que acaba de benzer e fala assim: “Óh, tirei teu mau olhado, tá tudo bem com você, pode ir embora”.
g1: Além da estreia no cinema de São Pedro, você pretende buscar meios digitais para levar também o documentário a mais gente?
Sim. O making off do “Benzadeus” tá sendo no Instagram, que é @benzadeusofilme, onde eu tô postando todo dia fotos de bastidores, curiosidades sobre as benzedeiras e os benzedores com quem eu já falei. O filme vai ficar pronto provavelmente em agosto.
[…] E o filme vai ser lançado em agosto, provavelmente, no cinema. Depois, ele vai ficar disponível em YouTube, em outras redes, e eu também vou querer fazer uma carreira com o filme em festivais. Inscrever em todas as mostras e festivais que eu conseguir também, pra que o filme tenha uma vida longa.
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