9 de janeiro de 2025

Poema de Vaine Darde vai virar filme

Obra é dirigida por Guilherme Suman, o mesmo dos premiados Florêncio Guerra e Bochincho, e conta a história de um campeiro que enfrenta preconceito ‘por conversar com as ovelhas’ e por cultivar girassóis ‘em devoção às abelhas’. Entre os atores, está o cantor Cristiano Quevedo. Poema de Vaine Darde vai virar filme
Edson Filho
O poema “O louco”, do genial Vaine Darde, vai virar um filme dirigido por Guilherme Suman. A obra conta a história de um campeiro que enfrenta preconceito “por conversar com as ovelhas” e por cultivar girassóis “em devoção às abelhas”. Entre os vários intérpretes da poesia, estão os fenomenais Romeu Weber e Liliana Cardoso.
O direção do filme é de Guilherme Suman, que também divide o roteiro com o irmão Thiago Suman. Guilherme diz que o projeto faz parte de uma iniciativa que começou em 2020, para transferir o cancioneiro regional gaúcho para os filmes (Florêncio Guerra e Bochincho).
Para a adaptação de “O louco”, o cantor Cristiano Quevedo vive o personagem principal.
“Ele é alheio a tudo o que acontece na fazenda, uma distância da realidade, mas com comentários pertinentes, uma espécie de loucura sábia não presa às convenções”, explica Suman.
Autor do poema que inspira a obra, Vaine Darde é um dos mais geniais poetas e compositores de nossa música. Entre seus clássicos, estão Herdeiro da Pampa Pobre (Engenheiros do Hawaii) e Vanerão Sambado (Gaúcho da Fronteira).
Leia “O louco”:
Eles me interditaram…
Afastaram-me das domas,
Não me deixam usar adaga,
Nem, sequer, cuidar do fogo…
E conspiram contra mim
Com silêncio e solidão.
Pois alegam, uns aos outros,
Que me tornei perigoso
Desde quando me encontraram
Conversando com as ovelhas,
Desde quando descobriram
Que eu cultivo girassóis
Por devoção às abelhas.
Dizem que ando variando
Com milongas circulares
Na canção dos cata-ventos,
Que fiquei de miolo mole
E me desfiz das esporas
Por ter pena dos cavalos…
Proibiram-me transpor
Os limites da porteira
Numa espécie de desterro
Que me exila na querência.
Mas, eu sei que eles não sabem
Que os olhos de quem sonha
Veem além dos horizontes…
Eles dizem que sou louco
Porque vago pela estância
Conferindo cada ninho
Onde os voos eclodiram,
Fazendo tenda do pala
Sobre o topo das coxilhas
Pra navegar nas estrelas
Nessas noites de verão…
(Imagina se soubessem que eu carrego,
nos pessuêlos, uma colmeia de versos…)
Mas enquanto eles proseiam
Agrupados no galpão,
Para encantar meu silêncio
O vento canta pra mim,
As sangas cantam pra mim,
Os grilos cantam pra mim.
Enquanto eles, que se julgam certos,
Tomam mates sonolentos
Com a água da cacimba.
Eu, numa cambona de açude,
Sorvo a lua num porongo
E povoo a solidão
Com as ausências que me habitam.
Eu embrulho a palavra
Numa folha de papel
Onde guardo traduções de ocasos e auroras,
Onde exponho meu silêncio
Com zumbidos de abelha
E confesso a ternura
Que dedico aos que me odeiam.
Eu trabalho mais que eles.
Sou só um nas sesmarias
Pra saber de cada flor,
Pra saber de cada pássaro
Com que o campo sinaliza
E os outros não percebem…
Eles, sequer, reparam
Quanto sol de cada dia
Se acumula nas laranjas,
Que porção de lua cheia
Se derrama em frenesi
Na gestação da semente.
Eu, sim, eu sou livre entre
o campo e as estrelas,
Eu sei todos os caminhos
que a querência me revela
Porque vivo além de mim
O que a vida me concede.
Mas, se louco é ser dono de si mesmo
E saber que as laranjeiras
Choram lagrimas de pétalas
Num cio vertiginoso
De excessiva floração,
É ter consciência plena
Que a loucura é a poesia
Que, por não caber no peito,
Se extravasa em dialetos
E ilumina seus eleitos:
Então eles estão certos:
Eu sou mesmo perigoso,
Uma ameaça constante
De povoar o galpão
Com guitarra e arco-íris,
E abelha, e girassol.
Não , não é a mim que eles temem
Porque sabem inofensivo
O meu delírio musical…
O que eles não suportam
É aceitar a realidade
De um louco ser feliz.

Mais Notícias