É a segunda maior causa de morte violenta entre a faixa etária. Estudo do UNICEF e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgado nesta terça (13) aponta que a taxa de letalidade policial entre jovens de 15 a 19 anos é 113,9% superior à taxa verificada entre adultos. Protestos contra violência policial e militar foram realizados no Rio de Janeiro após a morte de Evaldo Rosa
Nacho Doce/Reuters
As polícias brasileiras foram responsáveis por 16,5% das mortes violentas intencionais de adolescentes no país nos últimos três anos, segundo um estudo publicado nesta terça-feira (13) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
A taxa de letalidade policial entre crianças e adolescentes é maior do que a taxa dos adultos:
6 mortes por 100 mil habitantes no grupo de 15 a 19 anos (113,9% acima dos adultos)
2,8 mortes por 100 mil habitantes para pessoas acima de 19 anos
A proporção dos óbitos cometidos por policiais no universo de mortes violentas de crianças e adolescentes foi aumentando nos últimos anos.
Em 2021, as mortes de pessoas de 10 a 19 anos no Brasil representavam 14% do total dos óbitos;
O número subiu para 17,1% em 2022;
E chegou a 18,6% em 2023, sendo a segunda causa de mortes violentas intencionais na faixa etária;
O número fica atrás apenas do homicídio doloso, que foi a causa de 77,7% das mortes no ano passado.
Confira no gráfico abaixo.
Embora a legislação brasileira estabeleça que adolescentes são pessoas de 12 a 19 anos, o estudo considera dados de vítimas com até 19 anos — isso porque as faixas etárias analisadas são as mesmas usadas nos registros do Sistema Único de Saúde (DataSus), que segue a determinação da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Mortes violentas de crianças e adolescentes pela polícia no Brasil
Arte/g1
O estudo ‘Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil’ foi feito a partir de dados coletados pelo FBSP por meio da Lei de Acesso à Informação. Os pesquisadores fizeram pedidos específicos para cada Secretaria de Segurança Pública e/ou Defesa Social das 27 Unidades da Federação solicitando a base de dados de mortes violentas intencionais, estupros e estupros de vulneráveis.
Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo, disse que as respostas para a redução da violência passam pelo treinamento tanto das polícias quanto de outros setores da sociedade.
“É preciso capacitar os profissionais que trabalham diretamente com crianças e adolescentes para prevenir e denunciar violências. Não somente em relação aos serviços da força policial, mas também de educação, saúde e assistência social. É uma corresponsabilidade de toda a sociedade”, apontou.
“Outra medida importante é fortalecer protocolos, treinamentos e práticas junto às polícias para a proteção de meninos e meninas, inclusive a partir da implementação e do uso adequado das câmaras corporais”, afirmou.
A pesquisadora destacou o exemplo ocorrido no estado de São Paulo, da implantação das câmeras corporais nos uniformes da Polícia Militar: “A experiência do estado mostra que, com gravação ininterrupta, se registra uma queda de quase 67% das mortes de adolescentes em intervenções de policiais militares entre 2019 e 2022”.
Mortes em geral e mortes decorrentes de intervenção policial
A pesquisa apontou que, entre 2021 e 2023, foram registradas 15.101 mortes violentas intencionais no Brasil contra crianças e adolescentes, sendo que 2.427 foram mortes causadas pela ação das forças estatais de segurança (16,5%).
Estados com maior letalidade policial
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o UNICEF chamam a atenção para os números registrados no estado do Amapá, que apresentou taxa de letalidade policial de 21,8 por 100 mil habitantes de 15 a 19 anos, em 2023 (61,1% a mais em relação a 2022).
Isso significa que o estado apresenta taxa de vitimização maior do que a taxa do total de mortes violentas de 20 estados do país (desconsiderando Goiás, que não apresentou dados de mortes decorrentes de intervenção policial).
A Bahia também se destaca negativamente: a taxa de letalidade policial foi de 13,9 para cada 100 mil habitantes em 2023, número 19,4% maior do que no ano anterior.
Em relação aos números absolutos, o estudo ressaltou os números do Paraná: em 2021, houve cinco vítimas de letalidade policial; em 2022, foram 75 (+1.400%); já em 2023 foram 36 mortes. “A oscilação, porém, é possivelmente explicada pela variação na qualidade do preenchimento da variável idade na base de MDIP do Paraná: o percentual de vítimas sem a informação preenchida na base de dados foi de cerca de 80% em 2021, passando para menos de 1% em 2022, e chegando a 15% em 2023”, apontaram os pesquisadores (números completos na tabela abaixo).
Mortes decorrentes de intervenção policial de crianças e adolescentes (10 a 19 anos)
Letalidade policial e demais mortes violentas
Segundo a pesquisa, um indicador comumente utilizado para medir o uso da força letal pelas polícias é a proporção entre as mortes por intervenções em relação às demais mortes violentas no território.
“Como a análise das taxas isolada pode esconder determinados padrões, este é um mecanismo para dimensionar a força letal policial em relação aos demais assassinatos do território. Sob esta perspectiva, outros estados destacam-se na análise”, diz o relatório.
Sergipe apresenta a maior proporção de mortes provocadas por policiais quando comparado com o total de mortes violentas entre pessoas de até 19 anos, com 36,9% de todos os registros em 2023. Em seguida, aparecem Amapá (32,2%), Bahia (31,4%), Roraima (30%) e São Paulo (29,5%). (veja abaixo)
Roraima e São Paulo aparecem em destaque nesse quesito: embora tenham taxas de letalidade policial de crianças e adolescentes abaixo da média nacional, apresentam uma proporção de mortes de autoria dos agentes estatais elevada.
Proporção de letalidade policial em relação ao total de mortes violentas
Arte/g1
Os pesquisadores dizem que a participação do Estado nas mortes violentas intencionais nessa faixa etária é muito significativa.
“Se, do dia para a noite, as polícias de São Paulo ou de Roraima deixassem de fazer uso da força letal, teríamos automaticamente uma queda de 30% no número de crianças e adolescentes vítimas de mortes violentas intencionais”, apontam.