Capitão e cabo da Polícia Militar revelaram números de mortos durante interrogatório ao Ministério Público de São Paulo. PMs réus por homicídio na Operação Escudo revelam envolvimento em mais de 25 mortes
Marcos Correa de Moraes Verardino e Ivan Pereira da Silva, policiais militares acusados de homicídio durante a Operação Escudo em Guarujá (SP), em 2023, confessaram o envolvimento em mais de 25 mortes ao longo das carreiras na Polícia Militar (PM). As declarações foram feitas durante um interrogatório ao Ministério Público de São Paulo (assista acima).
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O capitão Marcos e o cabo Ivan se tornaram réus pela morte de Fabio Oliveira Ferreira na ação que ocorreu em julho do ano passado e terminou com 28 mortes. O juiz Thomaz Correa Farqui entendeu que, segundo a denúncia do MP-SP, a dupla usou os cargos e armamentos públicos para fugir do “dever funcional” e “agir como perigosos criminosos”.
Os acusados foram interrogados em sessões virtuais realizadas no dia 1º de julho de 2024 com os promotores de Justiça Raissa Nunes de Barros Maximiliano e Márcio Leandro Figueroa.
Marcos Correa (à esquerda) e Ivan Pereira (à direita) são acusados de homicídio durante a Operação Escudo em Guarujá (SP)
Reprodução/MP-SP
Nos interrogatórios, o promotor questionou os agentes sobre o início da carreira deles na PM e, em seguida, sobre as ocorrências que se envolveram com resultado morte. Ambos estiveram acompanhados do defensor público Filipe Dias Rodrigues.
Ao promotor, o capitão Marcos explicou que atua na corporação há 22 anos, sendo 12 somente nas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), onde entrou como tenente e foi promovido a capitão.
Questionado se já se envolveu em ocorrências que resultaram na morte de algum suspeito, Marcos confirmou, mas não soube listar quantas. “Foram algumas hein”, disse o capitão, que depois emendou “Mais de 10”.
Assim como ele, Ivan disse ter se envolvido em casos com mortes. “No decorrer da minha carreira, eu tive algumas ocorrências com resultado morte na Força Tática e aqui na Rota. O número exato não tenho conhecimento”, afirmou.
O promotor Márcio Leandro pediu ao cabo que lembrasse uma média da quantidade de ocorrências. Sendo assim, Ivan respondeu que foram mais de 15 mortes ao longo dos 28 anos na PM, sendo 22 anos somente na Rota.
A dupla ainda informou que todas as investigações sobre atuação deles nos mais de 25 casos foram arquivadas, sendo a acusação da Operação Escudo a única em andamento.
PMs atuaram de 28 de julho a 5 de setembro na Operação Escudo em Guarujá, SP, que resultou em 28 mortes
Divulgação/PM
Afastamento
A Justiça de Guarujá, no litoral de São Paulo, substituiu a suspensão dos policiais militares pelo afastamento deles das atividades operacionais. Sendo assim, a dupla poderá exercer trabalho administrativo fora das ruas. O pedido foi formulado pelo comandante-geral da PM e acolhido pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP).
Anteriormente, o juiz Thomaz Correa Farqui considerou que a suspensão era necessária para garantir o andamento do processo e evitar novos crimes. Isso porque, de acordo com a denúncia, os policiais teriam agido para manipular provas, apagando imagens das câmeras existentes no cenário criminoso e modificando o local do crime.
No entanto, o comandante-geral da PM, Cássio Araújo de Freitas, solicitou ao juiz que a suspensão fosse substituída pelo afastamento das atividades operacionais dos agentes. O MP-SP se manifestou a favor do pedido.
“Considero que o afastamento das atividades operacionais melhor atende ao interesse público, na medida em que, malgrado os agentes públicos permaneçam fora da atividade de rua, poderão prestar serviços administrativos, não causando, pois, prejuízos à instituição que já conta com déficit de pessoal”, escreveu o promotor de Justiça Marcos Henrique Dalledonne, representando o MP-SP.
Sendo assim, o juiz Thomaz Correa Farqui publicou a decisão favorável à solicitação. “Entendo que a medida sugerida (afastamento) revela-se igualmente eficaz à suspensão imposta, desde que, no entanto, esteja acompanhada de outras cautelas”. Sobre as cautelas, ele elencou:
Proibição dos acusados de exercerem qualquer atividade a menos de 50 quilômetros da comarca de Guarujá;
Proibição dos averiguados de manterem, por qualquer forma, contato ou, ainda, de se aproximarem a menos de 200 metros das testemunhas (ou de parentes destas);
dever dos acusados de entregar suas armas (inclusive eventualmente particulares) à corporação, ficando vedado, no curso do processo, que portem ou possuam arma de fogo.
O juiz pontou que, se de fato eles forem colocados longe das atividades de rua, e desde que permaneçam desarmados, os réus não investirão contra outras vítimas o que, segundo ele, se revela suficiente para a garantia da ordem pública.
“Em paralelo, a realização de atividades administrativas, se forem secundárias (sem qualquer cunho decisório) e, ainda, realizadas distante da região onde se deram os fatos, igualmente se mostra suficiente para impedir interferências na produção probatória e em eventuais investigações remanescentes”, escreveu o juiz.
Homicídio
Os policiais foram denunciados pela morte de Fabio Oliveira Ferreira, de 40 anos, morto em 28 de julho na Rua Albino Masques Nabeto, no distrito de Vicente de Carvalho, em Guarujá.
De acordo com a denúncia do MP-SP, os policiais estavam em patrulhamento quando encontraram Fábio caminhando a pé. Sob alegação de que ele estava com uma arma na cintura, eles realizaram a abordagem. O homem teria se rendido, erguendo as mãos.
Com a vítima rendida e sem oferecer resistência, o capitão Marcos teria efetuado três disparos de fuzil, atingindo a região toráxica e a mão direita dele. Em seguida, Ivan teria disparado duas vezes com Fábio caído no solo.
Em seguida, os policiais revistaram o homem. Segundo a denúncia, esse momento foi filmado por uma pessoa que passava no local (assista abaixo).
Vídeo mostra PMs que se tornaram réus por homicídio na Operação Escudo revistando baleado
Depois, os policiais notaram que havia câmeras instaladas na região e pediram acesso aos gravadores para o morador. Eles ficaram com os equipamentos por um tempo – não divulgado – e devolveram ao dono dizendo que a aparelhagem não gravava.
Na versão do boletim de ocorrência, Fábio estava em atitude suspeita e tentou sacar uma arma ao ser abordado. Um dos agentes efetuou disparos enquanto o outro tentou tomar a arma de Fábio, disparando mais vezes.
De acordo com o registro policial, o homem chegou a ser socorrido, mas não resistiu. Ele havia sido preso três vezes por tráfico de drogas, por roubo e por homicídio, e era considerado um dos chefes de uma facção criminosa na Baixada Santista.
Policiais réus
Esta é a terceira denúncia da Operação Escudo. Ao todo, já são seis policiais militares réus. Em dezembro de 2023, os policiais Eduardo de Freitas Araújo e Augusto Vinícius Santos de Oliveira se tornaram réus. Em abril, foi a vez dos policiais militares Rafael Perestrelo Trogillo e Rubem Pinto.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que não comenta decisões judiciais.
Operação Escudo
Patrick Bastos Reis morreu em Guarujá.
Reprodução
A Operação Escudo foi deflagrada na região após a morte do PM da Rota Patrick Bastos Reis, em julho de 2023. Na ocasião, o agente foi baleado durante patrulhamento em Guarujá (SP).
Nos 40 dias de ação, segundo divulgado pela SSP-SP, 958 pessoas foram presas e 28 suspeitos morreram em supostos confrontos com policiais. Desde o início da ação, instituições e autoridades que defendem os direitos humanos pediam o fim da operação.
Operação Verão
Em 2024, com novas mortes de PMs na região, o governo voltou a realizar operações na Baixada – desta vez, batizadas de Verão. Na que vigorou entre 3 de fevereiro e 1º de abril, 56 pessoas foram mortas em ações policiais.
Com as operações na Baixada, as mortes cometidas por policiais subiram 86% no primeiro trimestre de 2024, segundo ano do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo.
À época, entidades de direitos humanos denunciaram na Organização das Nações Unidas (ONU) o governador Tarcísio e o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite. Tarcísio rebateu:
“Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse o governador.
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