Três guardas e um ex-agente são acusados de cobrar ‘taxa de proteção’ ou ‘segurança privada’ de comerciantes da região para manter o chamado ‘fluxo de usuários de drogas’ distante das lojas. Outros dois agentes e dois ex também foram denunciados por comércio ilegal de armas. Guarda Civil Metropolitana (GCM) da cidade de São Paulo
Marcelo Pereira/Secom/PMSP
O Ministério Público de São Paulo denunciou nesta quinta-feira (15) dois guardas-civis metropolitanos da cidade de São Paulo e outros dois ex-agentes por suspeita de participação em milícia que atuava na região da Cracolândia, no Centro de São Paulo.
O ex-agentes e ex- agentes são acusados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO/Núcleo Capital) de formação de “milícia particular para a prática de crimes de concussão contra comerciantes da região central da cidade”.
Outros três agentes e um ex-agente foram denunciados por comércio ilegal de armas.
Foram apresentadas denúncias contra:
Elisson de Assis – ex-GCM – denunciado por atuação em milícia
Tiago Moreira da Silva – GCM – denunciado por atuação em milícia
Antônio Carlos Amorim Oliveira – GCM denunciado por atuação em milícia
Renata Oliva de Freitas Scorsafava – GCM – denunciado por atuação em milícia
Rubens Alexandre Bezerra – ex-GCM, denunciado por comércio ilegal de armas
Edno Souza da Silva – GCM – denunciado por comércio ilegal de arma
Ednaldo de Almeida passos – GCM denunciado por comércio ilegal de arma
Odair José Gonçalves Rodrigues – ex-GCM – denunciado por comércio ilegal de arma
Rubens Bezerra, Elisson de Assis, Antônio Carlos e Renata Scorsafava estão presos.
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Segundo a denúncia, eles “exigiram, para si, direta ou indiretamente, em razão da função de guardas-civis metropolitanos, vantagem indevida consistente em ‘taxa de proteção’ ou ‘segurança privada’ de comerciantes da região central da cidade”.
Através das investigações, os promotores descobriram que os guardas recebiam dinheiro dos comerciantes através de depósito na própria conta ou nas de parentes e terceiros.
“A tese acusatória se respalda nos dados referentes ao Relatório de Inteligência Financeira (RIF) nº 107933.7.212.13047, produzido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), que apontou diversas operações financeiras atípicas, as quais, somadas aos elementos de informação produzidos no presente procedimento, constituem indícios suficientes do crime de lavagem de bens, direitos e valores de origem ilícita, notadamente as atividades ilícitas de constituição de milícia e concussões”, disse o documento do Gaeco.
“Elementos trazidos pela imprensa, os relatórios de inteligência financeiras, documentos apreendidos e demais provas carreadas aos autos confirmam a existência de uma associação criminosa na forma de milícia formada por guardas-civis metropolitanos do Município de São Paulo, responsáveis por exigir vantagem indevida a comerciantes da região central da cidade como ‘taxa de proteção” contra a ação de adictos, com posterior dissimulação desse dinheiro obtido ilicitamente, em evidente atividade de lavagem de capitais”, completou.
O g1 procurou o Comando da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e a Prefeitura de São Paulo, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
Operação Salus et Dignitas
Ação em imóveis usados pelo crime organizado na Cracolândia
Giba Bergamim/TV Globo
Os quatro guardas municipais tinham sido alvo, em 06 de agosto, de uma megaoperação do Gaeco que desmantelou uma rede de crimes na região Central, incluindo ação de guardas e criminosos associação à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
A Operação Salus et Dignitas cumpriu 117 mandados de busca e apreensão na capital paulista em endereços ligados aos investigados.
Na época, a Justiça também havia expedido 46 mandados de sequestro e bloqueio de bens e de suspensão de atividade econômica de 44 prédios comerciais.
Mais de R$ 155 mil em espécie foram apreendidos na ação, 122 celulares, 23 computadores, 78 veículos e 96 HDs, USBs e pendrives.
Coletiva de imprensa da operação.
Reprodução/ TV Globo
No mesmo dia da operação, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, disse que a gestão municipal “desconhece milícia” na capital após a operação que prendeu guardas-civis municipais suspeitos de serem milicianos na Cracolândia.
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Em um ano de investigação, promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP e policiais identificaram que a quadrilha se dividia em cinco grupos de atuação na Cracolândia:
Ferros-velhos: empresários são suspeitos de explorar mão de obra de dependentes químicos. Os usuários furtavam fios de energia da rede pública, deixando semáforos e postes sem luz, e trocavam o cobre presente neles por drogas. Nesses locais foram encontradas crianças e adolescentes participando desse comércio irregular.
Milícia de GCMs: GCMs, policiais militares e policiais civis são suspeitos de se articularem numa milícia para extorquir dinheiro de comerciantes em troca de proteção. De acordo com a investigação, o grupo chegou a conseguir cerca de R$ 6 milhões em propina no período de quase um ano.
Receptação de celulares: comerciantes libaneses são suspeitos de montarem um esquema de receptação de celulares roubados e furtados e depois revender as peças. Os celulares eram levados a eles por grupos criminosos como as ‘gangues da bicicleta’ (que usam as bikes para fugir depois de roubar e furtar telefones de pedestres).
Hotéis e hospedarias: rede de hotéis e hospedarias mantida pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) que servem para armazenar drogas e abrigam até “tribunais do crime” (julgamentos internos da facção criminosa feitos por seus membros). Dentro desses locais, segundo a investigação, ocorre a exploração sexual de mulheres que são obrigadas a se prostituir para comprar drogas. Há denúncias da presença de menores de 18 anos de idade sendo exploradas. Um dos imóveis é conhecido como ‘prédio do sexo’, onde ocorre a exploração da prostituição. Não é crime pessoas maiores de idade se prostituírem, mas explorar a prostituição é. Outros prédios já eram conhecidos da polícia por abrigarem celulares roubados e furtados. Os imóveis chegaram a ser chamados de ‘ninhos de celulares’.
Favela do Moinho: a comunidade erguida ao lado da linha da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) se tornou uma base do PCC. Dali saem as ordens para a tráfico de drogas na Cracolândia. A favela também serve como depósito de armas e drogas. Segundo a investigação, criminosos usavam um detector de radiofrequência para ouvir as conversas operacionais da PM e, desse modo, se anteciparem às operações. Para terem controle da comunidade realizavam “tribunais do crime”, nos quais membros da facção e até moradores que descumprissem regras internas poderiam ser punidos.