19 de novembro de 2024

Pesquisa detecta microplástico em praias: Paiva, Porto de Galinhas, Boa Viagem e Tamandaré apresentam resíduos na areia e em animais marinhos

Estudo mostrou que poluição da bacia do Rio Jaboatão é responsável por maior concentração no Paiva. Indústria têxtil e falta de tratamento de esgoto estão entre fatores que contribuem para o problema. Cientista coleta areia em Porto de Galinhas para pesquisar resíduos de microplástico
Uma pesquisa sobre a ocorrência de microplástico nas praias de Pernambuco acabou revelando algo mais preocupante em relação à degradação ambiental: a necessidade de investir na despoluição dos rios e seus afluentes.
Ao quantificarem a presença fragmentos de microplástico nas praias do Paiva, de Porto de Galinhas e de Tamandaré – no Litoral Sul de Pernambuco, os biólogos Jéssica Mendes e Múcio Banja, do Instituto Avançado de Tecnologia e Inovação (Iati), verificaram que o maior problema encontra-se no Rio Jaboatão, que deságua no Oceano Atlântico na região da Praia do Paiva.
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O Paiva foi o local com maior ocorrência de resíduos de microplástico, na comparação com as praias de Suape, Tamandaré e Porto de Galinhas. A investigação começou em 2019, quando Jéssica Mendes direcionou o trabalho final da graduação em ciências biológicas para investigar os impactos desse tipo de resíduo nos naufrágios que existem na costa do estado – bastante visitados por quem pratica mergulho recreativo, caso da própria Jéssica.
“A pesquisa constatou que todos os naufrágios no estado, até os mais distantes do litoral, e também os mais profundos, têm presença de fragmentos de microplástico. O resíduo foi encontrado inclusive a 11 milhas de distância, o que significa quase duas horas de navegação de lancha, a 36 metros de profundidade”, explicou a bióloga.
Coordenador da pesquisa, professor da Universidade de Pernambuco (UPE) e integrante do IATI, Múcio Banja acrescentou com a continuidade da investigação durante o mestrado de Jéssica Mendes, o objetivo passou a ser identificar a quantidade de resíduos de microplástico em três praias do estado. São elas:
Praia do Paiva: Litoral Sul, a 30 quilômetros do Recife, com acesso restrito e pouca circulação de pessoas;
Porto de Galinhas: Litoral Sul, a 70 quilômetros do Recife, com grande circulação de pessoas e turistas;
Tamandaré: Litoral Sul, a 108 quilômetros do Recife, com grande circulação de pessoas e turistas.
“A nossa hipótese era de que nas praias com maior circulação de pessoas haveria maior ocorrência de partículas de microplástico, enquanto no Paiva – que seria uma praia de ‘controle’ – com menor acesso de visitantes, o depósito desses poluentes seria menor. Mas o que os resultados das análises mostraram foi exatamente o contrário: a Praia do Paiva tem quase três vezes mais microplástico na areia do que Tamandaré; e o dobro de resíduos na comparação com Porto de Galinhas”, detalhou Múcio Banja.
A surpresa dos pesquisadores foi ainda maior ao constatar que a praia de Suape – próxima ao Complexo Portuário Industrial, tem a mesma ocorrência de microplástico que Tamandaré, localizada a 80 quilômetros de distância.
Fragmentos de microplástico encontrados numa proporção de 200g de areia (sedimentos), nas praias pesquisadas:
Praia de Suape: 195
Praia do Paiva: 695
Porto de Galinhas: 320
Tamandaré: 196
Animais marinhos também contaminados
Bióloga Jéssica Mendes coleta esponjas marinhas na praia de Boa Viagem
Arquivo/IATI
Baseados nas análises da areia das praias, os cientistas decidiram investigar também, até o final de 2024, a presença de microplástico em esponjas marinhas das espécies Haliclona sp e Thetya sp, em três das praias: Boa Viagem (no Recife), Praia do Paiva e Porto de Galinhas.
Neste caso, apesar de a areia da Praia do Paiva ser a mais contaminada pelos resíduos, os animais marinhos do local foram os menos contaminados com fragmentos plásticos.
Enquanto no Paiva foram identificados 349 fragmentos plásticos em 10 gramas dos animais; em Porto de Galinhas essa quantidade foi de 391 a cada 10g; e em Boa Viagem, foram identificados 1.166 fragmentos plásticos a cada 10 gramas de esponjas marinhas.
Os cientistas Iati agora têm se debruçado sobre os resultados para entender por que a Praia do Paiva tem muito mais resíduos plásticos na areia do que o verificado nas esponjas marinhas, e também os resultados encontrados nas demais amostras.
“Poderia dizer que, provavelmente, os sedimentos da areia estão acumulando com o passar dos anos. E aí talvez o resultado do Paiva seja o de dezenas de anos, talvez 40, 50 anos que acumulou. Por isso tem tanto microplástico. Já o que a gente encontrou na esponja, é o que o animal filtrou, e o animal tem um tempo de vida bem menor. Então a gente percebe que aquela região do Paiva há muito tempo vem sofrendo um depósito de microplástico nas areias. Mas os animais, de certa forma, podem mostrar que do ponto de vista da água, talvez o Paiva seja uma área com menos presença de microplástico”, explicou Múcio Banja.
Correntes Marítimas e indústria têxtil
Pesquisadores Jéssica Mendes e Múcio Banja analisaram amostras de areia e de esponjas marinhas de praias de Pernambuco para identificar fragmentos de microplástico
Arquivo/IATI
Ao se debruçarem sobre os resultados das análises, o professor Múcio Banja e a orientanda Jéssica Mendes verificaram que, além das correntes marítimas, o maior poluidor da areia da praia, no caso do Paiva, é o Rio Jaboatão, e o fragmento plástico mais encontrado é proveniente da indústria têxtil.
“A gente partiu da ideia de que nas áreas com recifes naturais a exploração turística seria o principal poluidor, por conta do descarte inadequado de resíduos e da influência da falta de saneamento. No entanto, grande parte dos microplásticos encontrados foram identificados como fibra de tecidos e roupas, de poliéster, da indústria têxtil, que vem desde resíduos de máquina de lavar, quanto de resíduos de grandes indústrias”, explicou Jéssica Mendes.
Para Múcio Banja, entre as principais questões está que o problema vem se acumulando ao longo dos anos e não tem solução no curto prazo, pois é necessário investir em várias frentes.
“É preciso investir em políticas públicas, parar de jogar lixo nos rios, realizar investimento em esgotamento sanitário, diminuir o uso de materiais plásticos pela sociedade e também educar a população, porque também é necessário mudar o comportamento das pessoas. Se a gente pensar no Rio Jaboatão, vai verificar que toda a bacia está comprometida. Hoje em dia, o microplástico já foi encontrado também em animais e no organismo humano. É uma questão que precisa ser enfrentada”, analisou o pesquisador.
Jéssica Mendes, que agora se prepara para continuar a investigação no doutorado, reflete sobre a necessidade de incentivar e ao mesmo tempo cobrar do poder público a criação de legislações para conservar o meio ambiente, incluindo ações que envolvam as populações, o segmento do turismo e as grandes empresas e indústrias.
“Diminuir a quantidade de microplástico no meio ambiente é um problema muito maior, que envolve muitas áreas da sociedade. Depois dos resultados da pesquisa, já tivemos retorno da indústria têxtil em busca de análise de resíduos. O que começou como uma pesquisa acadêmica está ganhando um outro alcance. Também tem muitos outros grupos científicos no Brasil pesquisando várias abordagens sobre microplásticos”, disse a bióloga.
Uma dessas pesquisas está sendo em 300 praias do país, incluindo Porto de Galinhas e outras 14 localidades, pela ONG Sea Shepherd Brasil, com análises de moluscos que fazem parte da cadeia alimentar de animais marinhos, como peixes, baleias e tartarugas.
Bacia do Rio Jaboatão
Municípios alcançados: Recife, Jaboatão dos Guararapes, São Lourenço da Mata, Moreno, Cabo de Santo Agostinho, Vitória de Santo Antão;
População: 446.426 habitantes
A área total ocupada: 442 km², dividida em ocupações urbanas, rurais e industriais;
Atividades econômicas: industrial, áreas cultivadas com cana-de-açúcar; policultura; áreas de Mata Atlântica e manguezal;
Principais indústrias: química, produtos alimentares, metalúrgica, têxtil, bebidas, papel/papelão, matéria plástica, material elétrico/comunicação, sucroalcooleira, vestuário/artefatos/tecidos, calçados, mecânica, produtos farmacêuticos/veterinário e material de transporte;
Uso da água: abastecimento público; recepção de efluentes domésticos; recepção de efluentes industriais e agroindustriais.
* Fonte: Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH)
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