Desgaste entre Congresso e Supremo envolve decisão individual do ministro Flávio Dino que suspendeu a execução de emendas. Agora, proposta poderá ser discutida pela Câmara, oito meses após o texto chegar à Casa. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), participa do ciclo de debates organizado pela Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), em Brasília (DF), nesta quarta-feira, 24 de abril de 2024.
Wilton Junior/Estadão Conteúdo
O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), encaminhou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita decisões individuais de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
A decisão de Lira — assinada nesta sexta-feira (16) — destrava o andamento da proposta, que poderá finalmente ser discutida pela Câmara, oito meses após o texto chegar à Casa.
O despacho do presidente da Câmara acontece em meio a um embate entre o STF e o Congresso que envolve uma decisão individual do ministro Flávio Dino que suspendeu a execução de emendas parlamentares impositivas (de execução obrigatória no Orçamento).
Congresso pede suspensão de decisão de Dino que barrou emendas impositivas; Julia Duailib comenta
A PEC foi aprovada pelo Senado em 2023 — também em cenário de descontentamento de parlamentares com julgamentos da Corte.
O texto, que será analisado pela CCJ, proíbe decisões individuais (monocráticas) de ministros, desembargadores e juízes que suspendam a validade de leis e de atos dos presidentes da República, da Câmara e do Senado. Atualmente, não há limitação para esse tipo de medida.
A medida cautelar (liminar), no caso a de Dino, pode suspender de forma provisória uma norma, objeto de um processo, se a demora na conclusão do julgamento causar prejuízos à população afetada — o que é conhecido como risco de decisão tardia.
Assim, o ministro antecipa os efeitos da decisão, antes mesmo do resultado do julgamento com os votos de todos os magistrados do tribunal.
A mudança, se for aprovada pela Câmara e promulgada pelo Congresso, valerá para decisões cautelares ou “de qualquer natureza” em ações que questionem a constitucionalidade de leis e vai impactar os trabalhos do STF e dos tribunais de Justiça dos estados e até dos juízes de 1ª instância.
O texto libera decisões individuais de magistrados para suspender atos normativos do Poder Executivo. Esse tipo de ato pode ser uma portaria de ministério que conflite com uma lei em vigor, como uma recente que restringiu o trabalho aos domingos e feriados. O governo acabou revogando a norma.
A proposta veta, no entanto, que atos assinados nominalmente pelos presidentes da República, da Câmara e do Senado sejam atingidos por liminares individuais.
Mas a PEC autoriza que, quando o tribunal estiver de recesso, o presidente do tribunal poderá suspender leis em caso de “grave urgência ou perigo de dano irreparável”.
A medida, porém, estará condicionada à confirmação da maioria dos magistrados dentro de 30 dias. Se não for confirmada, perderá a validade, ou seja, a aplicação da lei é retomada.
Críticas no STF
Em 2023, após a aprovação no Senado, ministros do STF criticaram a proposta analisada pelo Congresso.
Na abertura de uma sessão, o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que o Supremo era alvo de propostas que “não contribuem para a institucionalidade do país”. Ele também avaliou que o Supremo não enxergava motivos para “mudanças constitucionais que visem alterar as regras de seu funcionamento”.
“Nesse momento em que o Supremo Tribunal Federal é alvo de propostas de mudanças legislativas que, na visão da Corte, não são necessárias e não contribuem para a institucionalidade do país”, disse Barroso à época.
Os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes também criticaram a proposta. Gilmar classificou a PEC como uma “ameaça” ao Judiciário. E Moraes declarou que o direito do Senado a legislar não pode se converter em “intimidações” ao STF.
Caminho da PEC
A discussão na CCJ será a primeira etapa do caminho até a aprovação da PEC na Câmara.
A Comissão de Constituição e Justiça analisará a admissibilidade da proposta — sem avaliar e fazer mudanças no mérito (texto) da proposta. Se aprovada, passará para uma comissão especial.
Caberá à comissão especial analisar o mérito e propor alterações à proposta. Regimentalmente, o colegiado tem até 40 sessões do plenário para concluir a votação do texto. Se isso não ocorrer, o presidente da Câmara poderá avocar a PEC diretamente para o plenário — isto é, colocar em votação direta pelo conjunto dos deputados.
No plenário, a proposta precisará reunir ao menos 308 votos favoráveis, em dois turnos de votação.