No mês em que é celebrado o Dia Internacional das Altas Habilidades/Superdotação, g1 detalha quatro possíveis manifestações da condição mostra papel da educação socioemocional. Conheça os tipos de superdotação e entenda por que ela pode criar pessoas tóxicas
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Albert Einstein, Leonardo da Vinci e Marie Curie. Quando falamos em superdotação, logo vêm à mente nomes que revolucionaram a humanidade. Personalidades que fizeram grandes descobertas e melhoraram a forma como vemos o mundo, especialmente na ciência, parecem ser um bom – e, muitas vezes, único – exemplo de genialidade, mesmo sem esse ‘diagnóstico’.
No entanto, pesquisadores vêm tentando mostrar que não é bem assim: o potencial elevado existe, mas nem sempre será usado para o bem e, em alguns casos, pode até ser considerado tóxico ou nem ser percebido. Esse debate é tema de um artigo publicado pela doutora em psicologia Tatiana de Cassia Nakano, que é professora da PUC-Campinas (SP).
No mês em que é celebrado o Dia Internacional das Altas Habilidades/Superdotação, o g1 conversou com uma pesquisadora sobre as quatro possíveis manifestações da condição e mostra qual o papel da educação socioemocional no desenvolvimento de quem tem capacidades acima da média (confira mais detalhes abaixo).
🧠 Nesta reportagem você vai ver:
O que é a superdotação
Quais são os tipos de superdotação
O que define qual será o tipo
Quais os desafios e por que a educação socioemocional pode ajudar
O que é a superdotação?
De acordo com Tatiana, as altas habilidades/superdotação (expressão combinada usada para definir a condição) são explicadas como um fenômeno que leva à presença de um potencial elevado em diferentes áreas do conhecimento.
“Não é só relacionada à superinteligência acadêmica. Durante muito tempo foi, mas hoje a gente sabe que é mais que isso”, explica Nakano.
“O cara que tem uma criatividade elevada, que tem uma habilidade psicomotora elevada no esporte, uma capacidade diferenciada na liderança, no discurso, na comunicação. Todos eles são superdotados. Tem também a pessoa com QI alto [quociente de inteligência], que é um tipo específico, normalmente ligado à inteligência acadêmica”, completa.
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Em geral, esse potencial está ligado à capacidade de encontrar soluções e resolver problemas, independentemente da área. Isso significa que, além dos grandes cientistas, pessoas com alta habilidade de discurso e argumentação, uma dona de casa extremamente habilidosa em resolver a rotina da família ou um atleta excepcional também podem ser superdotados.
💡 Apesar de requerer a avaliação de um profissional, que pode ser da psicologia, para ser identificada, a superdotação não é um transtorno como o autismo ou o TDAH. Por isso, tecnicamente falando, não depende de um diagnóstico, mas, sim, de uma identificação.
Entenda o que são altas habilidades e superdotação
Quais são os tipos de superdotação?
Pesquisadores defendem que, da mesma maneira que a superdotação pode se manifestar em diferentes áreas do conhecimento, a forma como ela ocorre também pode variar: pode servir para o bem, para o mal ou, simplesmente, para nada.
Em seu artigo, Tatiana reforça a ideia proposta nos trabalhos do psicólogo estadunidense Robert Sternberg. Ao todo, a superdotação poderia se manifestar em quatro tipos, segundo ele:
✊ Transformacional: é aquela em que a pessoa usa seu potencial para fazer mudanças positivas e significativas para o mundo. Não tem a ver com o ativismo, mas é comum que o indivíduo use sua capacidade de forma altruísta. Ela pode ser auto transformacional, usada para realização pessoal; do outro, quando faz o bem a outras pessoas; e total, quando exerce ambos os papéis.
🏆 Transacional: se refere às pessoas que usam a superdotação para reforçar a ideia de que seus resultados sempre serão elevados e, com isso, ter benefícios. São capazes de aprender o que a sociedade espera deles e tentam cumprir essas expectativas. Tendem a ser bem-sucedidos e a encontrar satisfação em suas realizações pessoais – e não no que fizeram para os outros.
😑 Inerte: ocorre quando a superdotação é confirmada por testes, mas, na prática, não é utilizada para proporcionar nenhum tipo de mudança. São indivíduos que fazem muito pouco com seus potenciais elevados e acabam desperdiçando seus talentos. “Pode passar o resto da vida sem saber que tem esse potencial. É uma superdotação que não serve para nada”, diz a psicóloga.
😈 Tóxica: se refere às pessoas que usam o alto potencial para fins malévolos. Para Sternberg, esse tipo pode ser autodestrutivo, quando usado para fazer mal a si mesmo (aplicar o talento em apostas e jogos, por exemplo), destrutivo para os outros ou pseudo transformacional, quando é aplicada para promover os próprios interesses, causando mal a si ou para os outros no processo.
“A gente sempre pensa na superdotação como um fenômeno que vai levar as pessoas a resolverem problemas mundiais, mas nem sempre é assim. A gente pode ter gente trabalhando em uma organização de tráfico drogas. A pessoa pode estar usando a inteligência para pensar como disfarçar aquela droga de um jeito que o cachorro do lado da polícia não vai achar”.
“Na política, uma pessoa pode ser superdotada verbalmente, que sabe argumentar, fala bem, faz a cabeça das pessoas, faz os maiores discursos do mundo, mas ela é tão convincente que pode influenciar radicalmente a sociedade, inclusive, em algo ruim”, completa a especialista.
O que define qual será o tipo de superdotação?
Tatiana diz que existem muitos debates sobre o que faz alguém desenvolver superdotação, não sendo possível determinar ainda se ela é genética ou se depende de fatores externos. Porém, estudiosos como Stenberg acreditam que a forma como ela se manifestará ao longo da vida vai variar de acordo com o suporte e as influências oferecidas ao indivíduo.
“A pessoa pode até nascer com um potencial elevado, mas, se não tiver oportunidade, se não tiver um ambiente propício, não vai fazer diferença na vida dela”, comenta. Pensando por essa lógica, é possível afirmar que é muito difícil que um superdotado seja capaz de grandes feitos sem que haja algum estímulo para isso.
✏️ Mesmo que seja autodidata e tenha a habilidade de aprender sozinho, ele precisará de uma fonte para receber conhecimento. Além disso, dependendo do estímulo recebido, o indivíduo pode aprender a usar a dotação para o bem ou para o mal.
Além do boletim escolar: a importância da educação socioemocional
A educação multidisciplinar, que pensa no social e nas emoções, tem papel fundamental no desenvolvimento de superdotados, explica a pesquisadora. Além de descobrir quem é ou não superdotado, é preciso se preocupar em oferecer um suporte que vai além das notas da escola.
“Infelizmente, principalmente no Brasil, a gente não ouve falar disso. Além de superar as necessidades de identificação, a gente tem que ajudar as pessoas sobre o que fazer a partir disso. Muitas vezes você consegue identificar, mas a pessoa fala assim: ‘agora, o que eu faço?”.
“Cada um tem sua necessidade. No caso do negativo, não é só estimular a inteligência. A gente tem que olhar e trabalhar também os aspectos socioemocionais. Ensinar o que é ética, ensinar a se relacionar, empatia, o que é fazer o bem, a importância de usar esse potencial para o bem das pessoas”.
Ainda em seu artigo, a psicóloga sugere como solução o modelo educacional ACCEL (do inglês, Cidadania Ativa e Preocupada e Liderança Ética), que minimiza a importância do QI e dá maior ênfase em aspectos como o pensamento crítico, a criatividade, a ética e a paixão como formas de mudar o mundo.
“A questão emocional é muito interessante. É mais ou menos aquela história do menino pobre da favela, que você dá uma oportunidade e ele pode superar a vulnerabilidade. Porém, se você não dá a oportunidade, ele pode usar para algo ruim, pode ir para o tráfico e usar essa inteligência nisso“, completa Tatiana.
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