16 de novembro de 2024

Como o funk passou a fazer parte da eleição à prefeitura de São Paulo

Após críticas, produtoras GR6 e Love Funk negam apoiar candidatos à eleição, mas vídeos virais mostram conexão entre as empresas e, respectivamente, Ricardo Nunes e Pablo Marçal. (Da dir. p/ esq.): Henrique Viana ao lado de Pablo Marçal; Ricardo Nunes na GR6
Reprodução
Um dos gêneros mais ouvidos no Brasil, o funk está no meio da disputa eleitoral à prefeitura de São Paulo. É o que mostraram vídeos envolvendo a GR6 e a Love Funk, produtoras que dominam o estilo. Publicados nas redes sociais na semana passada, eles viralizaram com rapidez. Desde então, causam climão não apenas entre funkeiros, mas também entre rappers.
Tudo começou quando Rodrigo Oliveira, dono da GR6, postou em seu perfil no Instagram um vídeo no qual Ricardo Nunes (MDB) — atual prefeito e candidato à reeleição — faz uma visita à produtora. Na legenda, o empresário disse que “muitos estão achando que política é brincadeira” e afirmou que Nunes faz “um grande trabalho à música urbana” da cidade.
No dia seguinte, a Love Funk passou a fazer parte da disputa eleitoral. O perfil da produtora postou no Instagram um vídeo em que o candidato Pablo Marçal (PRTB) aparece na empresa ao lado do dono, Henrique Viana, também conhecido como Rato da Love. Nas cenas, os dois riem enquanto tentam “agarrar” uma carteira de trabalho — fazendo alusão à recente briga entre Marçal e Guilherme Boulos (PSOL) no acalorado debate eleitoral da semana passada.
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A repercussão
Os vídeos causaram polêmica e viraram assunto entre músicos e fãs de funk ou rap —gêneros com origens que se cruzam em aspectos raciais e econômicos, por terem nascido em comunidades majoritariamente pobres e negras.
A declaração que mais repercutiu foi a de MC Hariel, funkeiro paulistano dos hits “Ilusão (Cracolândia)” e “Maçã Verde”. O músico não citou GR6 — que produz sua carreira — e Love Funk. Também não mencionou candidatos. Mas sua fala soou como uma alfinetada às produtoras.
“Sou funkeiro com orgulho. Amo esse movimento que mudou a minha vida, porém, não compactuo, não fecho, não apoio e fico triste ao ver esse tipo de pessoa tendo abertura tão fácil no nosso movimento”, afirmou Hariel, em um vídeo publicado no story do Instagram.
MC Hariel no Encontro das Tribos 2023 em Ribeirão Preto, SP
Érico Andrade/g1
“Assistir esses caras se aproximando de nós, falando que vai fazer isso ou aquilo é a mesma coisa que ver um lobo falando pros carneiros que vai virar vegetariano depois que se eleger. Só acredita quem é trouxa mesmo. Você, que é o público, toma cuidado aí com essas campanhas.”
Desde então, outros artistas começaram a se posicionar — até mesmo gente de fora de São Paulo e de outras produtoras.
É o caso do rapper mineiro Djonga, dono de faixas como “Leal” e “Corra”. Ele escreveu no Instagram: “Nessa eleição, tem político fingindo que gosta de funk, tem político fingindo que gosta de rap, tem até político fingindo que é da política”.
“Lamentável ver o rap e o funk, música incontestavelmente marginalizada, apoiando posições políticas decadentes”, escreveu no X (o antigo Twitter) o trapper carioca Filipe Ret, de “Neurótico de guerra” e “Good vibe”.
A relação entre Marçal e o funk
Na mesma semana, o fã de funk e sociólogo Thiago Torres, conhecido como Chavoso da USP, fez um post viral como resposta às produtoras. Em um vídeo, ele uniu registros de diferentes momentos de Marçal. Em um deles, o candidato aparece na Love Funk, celebrando a cultura funkeira. No outro, faz uma palestra debochando do movimento.
“Se eu sou uma cantora que mostra metade da bunda e canto funk, que destrói toda a base cognitiva dessa geração, eu sou… Eu tenho milhões de fãs. Os grandes do funk, os ‘dançadores’ de TikTok, esses são idolatrados. ‘Pablo, você não gosta de funk?’ Posso te contar? As músicas antigas, todas, eram poesias. Agora, são drives mentais para psicopatas assassinos”, diz Marçal na palestra, cuja data é desconhecida. “Esses caras destruíram a música, destruíram a arte, destruíram a religião, destruíram a família, destruíram a riqueza. E vocês caem como patos! Admiram obras lixo!”
“Esse povo é doente. Acabaram com as músicas. Eu não dou conta de ouvir as músicas desse tempo por um único motivo. Não é porque é secular, mundano, não é isso, não. É porque instala drive mental de corno, instala drive mental de derrotado, instala drive mental de preguiçoso, instala drive mental de estuprador, instala drive mental de vagabundo. E aí você canta a música. Você vai virando um estuprador sem ver, você vai virando um vagabundo sem ver. E quando você olhar para a sua família, você vai destruir ela sem você perceber, porque isso vai virando você: essas músicas de cornos e vagabundos”, continua o ex-coach na palestra que, no vídeo postado pelo Chavoso da USP, é exibida ao lado de outras imagens do candidato. Nessas cenas paralelas, ele aparece rindo ao lado de funkeiros como MC Gui e Ryan SP.
O g1 questionou a assessoria de Marçal sobre suas declarações críticas ao funk, assim como a data da palestra em que elas foram feitas, mas não teve retorno até a última publicação deste texto.
Entre o apoio e o repúdio
O post do Chavoso da USP atraiu comentários de funkeiros famosos como DJ Rennan da Penha e MC Rebecca. Eles repudiaram a fala do candidato. Mais do que isso, a publicação pôs no debate os músicos que, no vídeo, aparecem ao lado do ex-coach.
Em posts no feed do Instagram, MC Gui abraça Marçal e o elogia. Além disso, canta sua faixa “Sonhar” trocando parte da letra para “vote no nosso futuro prefeito Marçal”. O funkeiro paulistano estourou em 2011 com o hit de ostentação “O Bonde Passou”, que sampleia “Baby”, de Justin Bieber.
O funkeiro MC Ryan SP
Divulgação
Já o MC Ryan SP, que aparece no post do Chavoso da USP, negou apoio ao candidato: “Está rolando um vídeo antigo onde apareço abraçado ao lado de uma pessoa que está se candidatando a um cargo político. Muitos dos meus fãs estão achando que estou apoiando bandeira de ciclano ou beltrano”.
Cantor dos sucessos “Tubarão Te Amo” e “Let’s Go 4”, Ryan prefere se mostrar neutro. “Eu não estou apoiando ninguém. Inclusive, é uma falta de respeito essas páginas editarem em um vídeo dando a entender que estou compactuando com isso ou aquilo. Nada contra quem compactua, mas eu prefiro ser neutro.”
Ryan não é o único a surfar na neutralidade. Aliás, quem tenta agora fazer isso são as próprias produtoras pivô da polêmica: a GR6 e a Love Funk.
Produtoras neutras?
Como o vídeo de Nunes na GR6 foi publicado no perfil do Rodrigo Oliveira (o empresário da produtora), a marca alega que nunca apoiou o candidato.
Ao g1, a GR6 diz que “respeita a opinião individual de seus artistas, executivos e colaboradores” e que “não prestou apoio nem vai prestar apoio a nenhuma candidatura em nenhuma cidade nestas eleições”.
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Henrique Viana (o dono da Love Funk) nega que sua produtora esteja promovendo alguma campanha eleitoral. Ao g1, ele diz que o post de Marçal feito no perfil da empresa não significa apoio.
“A gente ia fazer aqui um projeto para ajudar artistas novos e alguém falou que o Pablo Marçal queria vir. Foi isso. Não é que eu vou apoiar ele. A gente tá aberto pra todo mundo que quiser. A gente é uma empresa. Não vamos recusar receber nenhum político. Se eles têm uma ideia, a gente vai querer saber”, argumenta Henrique. “Se algum dia eu precisar defender algum político, eu vou fazer.”
O empresário afirma que conhecia pouco do candidato e nunca tinha visto o vídeo no qual ele insulta o funk. “Só depois que eu vi. Aí pensei: ‘Puts, eu nem sabia'”, diz rindo. Mas enfatiza que, mesmo se tivesse conhecimento disso, não deixaria de receber Marçal na produtora ou de postar um vídeo a seu lado. “Faço questão que as pessoas que falam mal do funk venham nos conhecer.”
Henrique diz ainda que as piadas com a carteira de trabalho — que ele fez ao lado de Marçal — eram apenas “uma brincadeira”, porque “todo mundo nas redes” está reproduzindo a briga dos candidatos em esquetes de humor. “Se o Boulos quiser vir aqui, será recebido.”
O g1 entrou em contato com a assessoria de Boulos, mas o candidato do PSOL não quis comentar o assunto.
A assessoria de Nunes não respondeu até a última publicação deste texto.

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