15 de novembro de 2024

Fumaça e fogo em números: gráficos e mapas mostram tamanho da crise ambiental no país

g1 recolheu dados e ouviu especialistas para explicar o contexto de cada episódio de queimada em diferentes regiões do Brasil. Queimadas perto da Rodovia dos Bandeirantes, na região de Campinas, neste sábado (24), no estado de São Paulo.
VINCENT BOSSON/FOTOARENA
Em uma sequência com oito gráficos e mapas, o g1 mostra abaixo um retrato do atual momento das queimadas no Brasil. As linhas ou cores das ilustrações mostram a gravidade dos incêndios no país, que estão sendo investigados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Polícia Federal.
Na maioria dos casos, a fumaça que encobriu as cidades tem origem em queimadas em locais próximos. Há dias, um fluxo de ventos também tem transportado fuligem de incêndios florestais que acontecem em regiões mais distantes, como na Amazônia e no Pantanal.
O clima seco também tem dificultado a dissipação da fumaça e elevado o risco de incêndios em diversas regiões do país.
Somando tudo isso, estamos vendo:
focos de queimada inéditos em São Paulo para o mês de agosto;
a maior taxa em 13 anos para o mesmo mês em Minas Gerais;
um aumento de 260% em relação ao ano passado para agosto no Mato Grosso;
um aumento de 3.316% para todo o Pantanal no mesmo período;
mais da metade de todos os focos do ano para a Amazônia em agosto;
e o dobro para o Cerrado no mesmo mês quando comparado com 2023.
“A situação é grave, intensa e, infelizmente, generalizada. Já havíamos alertado sobre o elevado número de focos na Amazônia e no Pantanal. Este ano, estamos batendo recordes de incêndios na Amazônia. O Pantanal também teve um ano intenso, e agora o fogo está se espalhando para outras regiões”, alerta Mariana Napolitano, diretora de Estratégia do WWF-Brasil.
Abaixo, além de mostrar os gráficos e mapas, o g1 consultou especialistas e usou dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) para explicar o contexto de cada episódio de queimada em diferentes regiões do Brasil e discutir as perspectivas, que são preocupantes.
1) Taxa inédita em São Paulo

No estado de São Paulo, o número de focos de incêndios registrado em agosto de 2024 já é o maior desde o início da série histórica do Inpe, em 1998.
Em agosto deste ano, que ainda nem chegou ao fim, já foram contabilizados 3.483 focos pelo satélite de referência do instituto.
O resultado de tantos incêndios ficou evidente nas primeiras horas da manhã desde último fim de semana, quando cidades inteiras ficaram encobertas por uma espessa nuvem de fumaça.
Em Itirapina, no Centro-Leste do estado, mais de dois mil hectares foram devastados pelas chamas.Em São Carlos, também na mesma região, cerca de 800 pessoas foram obrigadas a deixar suas casas, enquanto 700 estudantes foram retirados das escolas. Já Araraquara, um incêndio matou dez animais em uma criação de porcos, e plantações foram completamente destruídas em Dourado.
A intensidade e a frequência dos incêndios, inéditas na região, também levaram 48 cidades a declarar estado de alerta máximo.
“É impressionante o que está acontecendo em São Paulo. As estações secas estão mais severas devido às mudanças climáticas, o que intensifica os incêndios, mas essa alta quantidade de focos sugere a possibilidade de ação criminosa coordenada, embora isso ainda precise ser confirmado”, explica Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e coordenadora de políticas públicas no Observatório do Clima.
“O IBAMA e a Polícia Federal estão investigando, e eles tem tecnologia para identificar a origem e o período dos incêndios. Caso haja responsabilidade criminosa, os responsáveis poderão ser identificados e punidos”, acrescenta.
2) A maior taxa em 13 anos Minas Gerais

Em Minas, a situação também é crítica. Desde o início do mês até o último domingo (25), foram registrados 2.136 focos de queimadas no estado.
Esse número representa um aumento de 107% em comparação a todo o mês de agosto do ano passado, quando ocorreram 1.029 focos de incêndio em vegetações.
Além disso, ainda segundo a série histórica do Inpe, agosto de 2024 já atingiu a maior taxa de queimadas dos últimos 13 anos, só ficando atrás dos 2.445 focos registrados em cidades mineiras em 2011.
No sábado (24), o Sul de Minas registrou 68 focos de incêndio em 27 cidades, ainda segundo o Inpe. Os incêndios mobilizaram o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil e voluntários em várias localidades.
Em Extrema, cidade na divisa com São Paulo, um incêndio na Serra do Lopo levou dois dias para ser controlado. Já em São Pedro da União, dois hectares de vegetação queimara, e em São Lourenço, o fogo destruiu uma casa.
Por causa das queimadas no estado, também no sábado, moradores de Belo Horizonte se depararam com um céu completamente nublado.
3) Aumento de 260% no Mato Grosso

No Mato Grosso, agosto de 2024 já está perto de bater a taxa de 2020, quando 10.430 focos foram contabilizados pelo Inpe.
Até o último domingo (25), o estado já registrou 10.424 focos. O número também representa um aumento de 296% se comparado com o mesmo período do ano passado.
Dados do Inpe também mostram que Mato Grosso segue sendo o estado com o maior número de focos de calor no país desde o início de 2024. Os focos registrados no estado representam 20,72% de todos contabilizados no país até agora.
De janeiro até domingo, foram 20,7 mil focos de incêndio, um aumento de 109% se comparado com o mesmo período do ano passado, quando foram 9,8 mil focos.
4) Pantanal em chamas

No Pantanal, uma das maiores áreas úmidas contínuas da Terra, que enfrentou uma temporada de incêndios devastadora entre 2019 e 2021, apenas nos primeiros seis dias de agosto foram registrados 1.899 focos de calor, superando a média histórica mensal de 1.478 focos (1998-2023).
Já comparando todo o mês de agosto do ano passado com os 25 dias de agosto de 2024, observa-se um aumento de 3.316% nos focos de calor no Pantanal: de 110 focos em 2023 para 3.758 até agora em agosto de 2024.
De janeiro até domingo, em todo o bioma foram 8,5 mil focos de incêndio, um aumento de 2.094% se comparado com o mesmo período do ano passado, quando foram 388 focos.
5) Amazônia em alerta

A temporada de incêndios geralmente ocorre na Amazônia entre junho e outubro, mas fazendeiros, garimpeiros e grileiros derrubam a floresta e se preparam para queimá-la durante todo o ano.
Ainda segundo o Inpe, o bioma registrou 50 mil focos de fogo desde janeiro até agora. O número representa uma aumento de 77% quando comparado com o mesmo período do ano passado, quando 28 mil focos foram contados pelo instituto. Toda essa fumaça que cobre a floresta está viajando milhares de quilômetros.
Esse volume ainda se soma ao que vem do Pantanal, de Rondônia com a queimada no Parque Guajará-Mirim há um mês, e da Bolívia, formando uma densa camada cinza na atmosfera que é arrastada para o restante do mapa formando um “corredor de fumaça”.
E somente em agosto de 2024 (gráfico acima), que ainda não acabou, o bioma registrou mais da metade de todos os focos do ano: 25.193.
Comparando à taxa todo o mês do ano passado (17.373), o número também representa um aumento 45%.
Esses altos números de incêndios são resultado da extrema seca que o Brasil enfrenta este ano. O ano passado já foi atípico devido à seca causada pelo El Niño e pelas mudanças climáticas. Os rios na Amazônia e no Pantanal não encheram o suficiente durante a estação chuvosa, criando um déficit hídrico significativo no início da seca. Com altas temperaturas, baixa umidade do ar e o uso de queimadas e incêndios criminosos, os focos perdem o controle e atingem grandes proporções.
6) Cerrado com dobro de focos

Ainda segundo dados do Inpe, 13.865 focos foram registrados no Cerrado desde o dia 1º de agosto até o último domingo. A taxa representa mais que o dobro de focos quando comparada com todo o mês de agosto de 2023, quando 6.850 focos foram contabilizados.
O bioma também vem registrando altas taxas de desmatamento desde o ano passado, e desde o começo do ano já contabiliza 34.557 focos no total, uma diferença de 48% quando comparada com o mesmo período de 2023 (no intervalo de 1º de janeiro até 25 agosto).
7) Distrito Federal

No DF, a comparação de focos ativos detectados pelo satélite de referência do Inpe em agosto de 2024 (até o dia 25) mostra que a taxa está perto de bater o número para o mês em 2022.
O valor atual ainda está bem baixo de outros anos que tiveram taxas maiores, como 2010, por exemplo, que registrou 181 focos.
Mesmo assim, a fumaça continua encobrindo céu do DF nesta semana. Na última segunda, Brasília amanheceu coberta por fumaça pelo segundo dia seguido.
8) Goiás

Já em Goiás, a situação é um pouco diferente. Com 974 focos, agosto de 2024 (até o dia 25) já está perto de igualar a taxa de 2022 por um foco de diferença.
Contudo, assim como o DF, no último ano o estado registrou uma queda de focos ativos (488) para o mesmo mês.
9) Pior seca em 44 anos
Mais da metade do país enfrenta a pior seca em 44 anos
Arte/g1
Segundo um levantamento exclusivo do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden) feito a pedido do g1, mais da metade dos estados no país também enfrenta o pior período de seca em 44 anos.
➡️ Das 27 unidades da federação, 16 estados e o Distrito Federal enfrentam a pior estiagem já vista no período de maio a agosto, desde os anos 1980. Na lista estão:
Amazonas
Acre
Rondônia
Mato Grosso
Pará
Mato Grosso do Sul
Goiás
Minas Gerais
São Paulo
Paraná
Rio de Janeiro
Espírito Santo
Bahia
Piauí
Maranhão
Tocantins
10) Mudança dos padrões de chuva
Maior parte do Brasil teve chuvas abaixo da média.
Arte g1
Ana Paula Cunha, especialista no monitoramento de secas do Cemaden, explica que esta é a primeira vez em anos de monitoramento que se observa uma seca tão longa no país.
E ela vem se estendendo desde o El Niño. Ele acabou levando seca para o Norte e mudou o padrão de chuvas pelo país. Com isso, adiantou o período seco em 2023, e, como a chuva ficou abaixo da média já naquele ano, houve uma seca extensa, que se tornou ainda mais forte atualmente.
Com o fim do El Niño, a situação não mudou porque o Atlântico Tropical Norte está muito aquecido. Isso muda a atuação das zonas de convergência, que poderiam levar chuvas ao Norte, piorando a estiagem.
“Essa junção de fatores, com o El Niño mais intenso, os oceanos mais aquecidos, a gente vê a seca se expandindo pelo país. Em anos de monitoramento de secas, nunca vi isso acontecer com essa gravidade, com tantos pontos de seca excepcional e por tanto tempo”, diz Cunha.
Dados: Hoje, mais de 3,8 mil cidades estão com alguma classificação de seca (de fraca a excepcional). O índice de seca é calculado com base no índice de chuva, variando conforme a proximidade ou distância da média e período.
🚨 Para se ter uma noção, o número de cidades nessa situação aumentou quase 60% entre julho e agosto e, segundo o Cemaden, os números de agosto ainda são uma prévia e até o fim do mês o cenário pode piorar.
“Quanto mais tempo a seca durar, mais difícil vai ser de se recuperar. É preciso uma chuva bem acima da média para reverter o cenário. A gente já tem uma ideia do que vai ser a estação chuvosa e a previsão é que não vai ser o bastante para que o país possa se recuperar”, acrescenta a especialista.

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