20 de setembro de 2024

Há mais de 40 anos estudando os movimentos socioterritoriais, geógrafo é eleito vice-presidente da União Geográfica Internacional

Bernardo Mançano Fernantes é o segundo brasileiro no cargo, antes ocupado pela professora Bertha Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre os anos de 1996 e 2000. Bernardo Mançano Fernandes é eleito vice-presidente da União Geográfica Internacional
Marcos Mitidiero
Ao iniciar os estudos e um processo de construção conceitual sobre os movimentos socioterritoriais na década de 1980, o geógrafo Bernardo Mançano Fernandes concluiu, em 2024, com uma teoria a respeito de como esses movimentos transformam a realidade e garantem a sua existência, além de se tornar uma referência para as “geografias do mundo”. Nesta segunda-feira (27), o acadêmico foi eleito a vice-presidente da União Geográfica Internacional (UGI), que reúne cerca de 92 países. A eleição ocorreu em uma conferência internacional, na Universidade de Dublin, na Irlanda.
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De acordo com o professor titular e livre docente pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Presidente Prudente (SP), a UGI é uma instituição científica que, em 101 anos de existência, reúne países como a Alemanha, Austrália, o Brasil, o Canadá, o Chile, a China, a Colômbia, a Croácia, o Egito, os Estados Unidos, a Espanha, a Finlândia, a França, a Índia, a Itália, o Japão, o México, a Nigéria, o Peru, Portugal, a República Dominicana, a África do Sul, a Turquia e outras nações do globo.
Além disso, a instituição reúne associações e institutos geográficos, como a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (Anpege), que representa o Brasil na UGI.
Fernandes também ressaltou que a união atua através de comissões e grupos de estudos, com uma rede mundial de pesquisa sobre todos os temas da geografia.
“A União Geográfica Internacional tem várias comissões. Então, ela tem comissão de geografia urbana, comissão de geografia rural, comissão de educação e geografia, comissão de cartografia, comissão de climatologia, comissão de geomorfologia, ou seja, todas as subáreas da geografia ou temas geográficos possuem representações, grupos de estudos que trabalham com esses temas em escala mundial”, explicou o acadêmico.
Bernardo Mançano Fernandes é eleito vice-presidente da União Geográfica Internacional
Marcos Mitidiero
Vice-presidente da UGI 🌐
Bernardo Mançano Fernandes foi o segundo brasileiro a ser nomeado vice-presidente da instituição. Antes dele, a primeira pessoa a ser eleita ao cargo foi a professora Bertha Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nos anos de 1996 a 2000.
“E, agora, nós conseguimos novamente ter uma representação na UGI. Representa uma oportunidade enorme porque nós estamos tratando de uma organização mundial onde você tem a oportunidade de conhecer todas as geografias, construção de todos os conhecimentos de todas as geografias do mundo, é uma experiência única e também uma responsabilidade enorme”, detalhou Fernandes.
Ao g1, o geógrafo explicou que, há um ano, a Anpege o procurou para se candidar ao cargo.
“A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia do Brasil me procurou, dizendo o seguinte: ‘Professor Bernardo, nós queremos indicá-lo para ser vice-presidente da UGI. O encontro vai ser ano que vem, lá em Dublin e, pela sua internacionalização, pelo fato do senhor ser uma pessoa conhecida internacionalmente, nós achamos que o senhor tem chance de ser eleito vice-presidente. Nós estamos conversando com outros países e o pessoal acha que o Brasil deveria ter uma representação na UGI’. Então, eu aceitei, estamos trabalhando nisso há um ano, então, entrando em contato com as associações dos outros países para que elas entendam o nosso interesse de querer participar”, pontuou Fernandes como foi o processo.
Ele ainda afirmou que a posição de vice-presidente representa, mundialmente, uma grande responsabilidade.
“Nós trabalhamos no sentido de ser a principal instituição que debate a geografia no mundo, ou seja, nós somos a fonte do debate no mundo. Então, significa uma responsabilidade muito grande porque você tem que prestar contas para a sociedade mundial, tem que ter uma posição diante do que está acontecendo no mundo, tem que apoiar os estudos, apoiar as pessoas que se interessam pela geografia e representá-la”, detalhou ao g1.
Antes presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Fernandes também contou que ser vice-presidente da União Geográfica Internacional faz parte da vida acadêmica, da vida científica, e “é uma oportunidade muito boa para você estar atualizado, para estar convivendo com pessoas que fazem pesquisa no mundo inteiro, que fazem o mesmo trabalho que você faz dentro da sua área do conhecimento dentro da ciência geográfica”.
“Então, é uma oportunidade muito interessante e é um cargo difícil de se conseguir, você concorre com pessoas do mundo todo. Então, é uma honra conseguir chegar nesse nível, mas é sempre resultado de muito trabalho, não só meu, eu tive um apoio enorme de vários colegas da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia que, em especial, quero fazer uma homenagem, um agradecimento enorme ao professor Marcos Mitidiero, que foi uma espécie de embaixador do Brasil, junto às associações dos outros países, e que levou o meu nome para ser eleito”, salientou o pesquisador.
Ainda segundo Fernandes, a instituição também realiza encontros regionais, como o a Argentina, que ocorrerá em setembro e o especialista fará uma palestra de abertura sobre geografia agrária.
Bernardo Mançano Fernandes é eleito vice-presidente da União Geográfica Internacional
TV Fronteira
Movimentos socioterritoriais 🗺
Fernandes iniciou os estudos sobre os movimentos socioterritoriais quando ingressou na universidade e começou a estudar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).
Segundo o pesquisador, o MST pode ser visto como um movimento social, que se trata de um conceito muito conhecido na sociologia, entretanto, prefere o caracterizar como um movimento socioterritorial.
“Eu, estudando o MST, e usando o conceito de movimento social, percebi que esse conceito não era suficiente porque ele era muito mais do que um movimento social. Ele era um movimento socioterritorial porque a razão da existência do MST é a luta pela terra. E a luta pela terra é a luta pelo território”, explicou ao g1.
“Eu comecei um processo de construção conceitual na década de 1980, que conclui agora, quase 40 anos depois, com uma teoria a respeito de como se formam esses movimentos, movimentos que lutam por territórios, movimentos que lutam por espaços, são movimentos que transformam a realidade e garantem a sua existência. O movimento indígena, por exemplo, é um movimento socioterritorial, os indígenas não vivem sem o seu território. Então, essa foi a razão pela qual eu investi bastante nesse estudo, que acabou, agora, sendo reconhecido e se torna uma referência para as geografias do mundo”, detalhou o geógrafo.
Fernandes também ressaltou que, hoje, tem uma rede mundial de pesquisa com 15 países, incluindo todo o continente americano, desde o Canadá, os Estados Unidos, o México, a Argentina, o Uruguai e o Chile, além do Reino Unido, França, da Espanha e da Austrália.
Para ele, a importância de estudar esses movimentos está no fato de que eles “sempre estão lutando para responder a problemas essenciais da humanidade, como a luta pela terra, a luta pela água, a luta pela moradia, a luta pela educação, a luta pela saúde, a luta em defesa da natureza”.
“Ou seja, eles têm uma relação muito grande com os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável da agenda 20-30 da ONU [Organização das Nações Unidas] e mapear esse processo, mapear esses movimentos no mundo todo é uma forma de você mostrar quanta gente continua resistindo e quanta gente continua lutando por um mundo melhor”, completou ao g1.
Bernardo Mançano Fernandes é eleito vice-presidente da União Geográfica Internacional
TV Fronteira
Além disso, o próprio resultado das pesquisas permite a criação de políticas públicas para resolver os problemas.
“Vou dar um exemplo: Nós temos um programa de pós-graduação em geografia na cidade de São Paulo [SP], que começou em Presidente Prudente com um curso de graduação que nos permitiu criar uma carta da Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] de educação no campo e desenvolvimento territorial, que permitiu criar um mestrado e agora criar um doutorado. Esse doutorado, esse mestrado, é em desenvolvimento territorial na América Latina e Caribe, o que permite a nós recebermos pessoas de todos os países da América Latina e Caribe e, às vezes, nós recebemos da África e até da Europa para estudarem conosco e voltarem para os seus territórios e ajudar a desenvolver os seus territórios”, contou.
“Então, essa é a importância da pesquisa, porque ela não é só para construir um conhecimento, ela também serve para mudar as realidades”, completou ao g1.
Ainda este ano, em fevereiro de 2024, o acadêmico conquistou o título de docente titular na Unesp de Presidente Prudente e se sente realizado com essa conquista.
O g1 também perguntou o que mais o cativava em sua atuação como professor.
“Todo ano eu tenho gente nova, todo ano eu estou trabalhando com jovens que estão chegando na universidade. Todo ano a vida se renova, todo ano a gente tem alegrias e tristezas e a pesquisa se desenvolve. Não há repetição na nossa profissão de professor universitário. Então, é um momento assim, muito legal. O que me cativa, é isso, sempre estar com gente nova”, explicou Fernandes.
Bernardo Mançano Fernandes é eleito vice-presidente da União Geográfica Internacional
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Evolução histórica 📈
O geógrafo avalia que os movimentos socioterritoriais mudaram a região de Presidente Prudente, na qual se inclui o Pontal do Paranapanema.
“Se nós pegarmos a década de 1980 para trás, sempre houveram lutas pela terra. Mas foi a partir da década de 1990 para cá que nós tivemos mais de 120 assentamentos, milhares de famílias foram assentadas e estão produzindo, hoje, estão vivendo, garantindo a sua vida, essas pessoas estariam em uma situação muito difícil se elas não estivessem na terra”, pontuou ao g1.
Para ele, essa evolução o alegra muito e é um exemplo.
“Eu tenho estudos comparativos do Pontal do Paranapanema com regiões na Argentina. no Reino Unido, nos Estados Unidos, no Canadá, na Colômbia, na Bolívia, então, a gente tem exemplos em todo o mundo desses movimentos que transformam essas realidades”, completou Fernandes.
O pesquisador também ressalta que “a luta pela terra continua sendo uma luta atual”.
“Foi a luta pela terra que ajudou a acabar com a fome no Brasil, quando em 2010 o Brasil sai do mapa da fome. 2010, 2012, 2014, o Brasil sai do mapa da fome graças a produção, graças a produção de alimentos saudáveis, graças a política de mercados institucionais criados pelo governo, o que levou a gente a ser um exemplo para o mundo. Depois, nós tivemos um governo extremamente conservador que acabou com essas políticas, a fome voltou novamente e agora nós estamos lutando para superá-la novamente”, pontuou Fernandes.
“A luta pela terra e a reforma agrária é uma luta permanente. Enquanto o Brasil tiver uma concentração fundiária ou qualquer outro país do mundo e, a maior parte dos países do mundo têm concentração fundiária. Enquanto isso ocorrer, haverá luta, haverá resistência de maneira que, hoje, eu diria que essa luta pela terra está muito associada à luta pela comida saudável. Nesse século 21, não é possível separar a luta pela terra da luta pela comida”, finalizou ao g1.
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