No dia 7 de setembro de 1822, no caminho de Santos até o Ipiranga, o então príncipe regente Dom Pedro I passou por caminho onde fica a árvore considerada a mais antiga de São Paulo e está no Sacomã, na Zona Sul. Entenda também por qual motivo a figueira ganhou a alcunha ‘das lágrimas’. A espécie da Figueira das Lágrimas é a Ficus Organensis, também conhecida como Figueira-Brava.
Marconi Matos
No Sacomã, entre o Ipiranga e Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo, uma árvore com cerca de 10 metros de altura resiste há mais de dois séculos: a Figueira das Lágrimas. Um mapa do começo do século 19 analisado pelo professor Jorge Pimentel Cintra, especialista em cartografia histórica, traz a comprovação de uma lenda urbana que passa de geração em geração na capital paulista.
De acordo com esse registro que faz parte do acervo da Biblioteca Nacional e do Museu do Ipiranga, a árvore estava ali no dia 7 de setembro de 1822, quando Dom Pedro I estava vindo de Santos a caminho do Ipiranga para a declarar a independência do Brasil. “A figueira estava por aqui na beira do caminho. Ela existia. Então Dom Pedro I passou correndo e talvez nem olhou do lado, mas a árvore testemunhou ele passando”, contextualiza Jorge Cintra, professor do Museu do Ipiranga.
O mapa aponta que a localização exata onde está até os dias de hoje a Figueira das Lágrimas estava no trajeto do imperador. “Dom Pedro veio de Santos, subiu a serra, passou em São Bernardo do Campo, na Capelinha da Boa Viagem e aí cruzou vários ribeirões. Subiu por uma rua que hoje é a Estrada das Lágrimas. Na época era o caminho dos viajantes”, diz o professor.
Este recorte do mapa histórico indica a localização da árvore, onde está o círculo branco, entre dois córregos, na região do Sacomã.
Biblioteca Nacional / Museu do Ipiranga
Por que a figueira é das lágrimas?
A teoria de que Dom Pedro I chorou embaixo da árvore não faz sentido nenhum, segundo os historiadores. “Ele não era muito chorão, era mais de dizer algum palavrão do que chorar”, conta o professor Jorge Cintra.
O termo ” das lágrimas” surgiu porque ali era um local de muita emoção e, de fato, “lágrimas” de familiares que diziam adeus aos seus parentes e amigos viajantes que iam para o litoral rumo a outros estados e países de navio. “Hoje, você vai até o aeroporto e se despede de alguém. Em outros tempos você se despedia indo até o porto, se fosse perto. Mas, de São Paulo a Santos, era uma grande caminhada. Então o convencional era fazer isso em um ponto como essa árvore das despedidas em geral”, explica o pesquisador.
A própria Prefeitura de São Paulo confirma que “durante longos anos foi hábito dos paulistas acompanhar parentes e amigos até a árvore” e, por isso, em 1916, a rua que existia ali ganhou a denominação oficial de Estrada das Lágrimas. Atualmente é um acesso importante até Heliópolis e São João Clímaco, na Zona Sul, e São Caetano do Sul, na região do ABC.
Árvore mais antiga de São Paulo
Especialistas ambientais a consideram não só a árvore mais antiga como o “ser vivo mais antigo” da cidade de São Paulo. “A gente sabe que existem essas plantas gigantescas no habitat natural e na Mata Atlântica. Elas podem, sim, atingir milhares de anos e essa [figueira] tem no mínimo 200 anos de idade. Dentre os exemplares existentes, essa é, sim, a árvore mais antiga que a gente conhece aqui”, afirma o parabotânico Alex Vicintin.
O principal registro histórico que comprova os séculos de existência da árvore é o relato do viajante Emílio Zaluhar em 1862:
Pouco mais adiante de Ipiranga encontra-se uma belíssima figueira brava. (…) É este o sitio das despedidas saudosas. Aqui vem abraçar- se e jurar eterna amizade aqueles que se separam para, em opostas direções de estrada, seguirem depois e, quantas vezes na vida, um caminho e um destino também diverso”
Apesar da figueira estar firme e forte até hoje, ela denota características da idade como se fossem “rugas” de uma bicentenária. “Assim como nós, as plantas também carregam a marca do tempo no seu corpo. Então a gente consegue notar cicatrizes nela”, aponta Alex Vicintin, que é parabotânico, que é uma especialização da botânica que justamente reconhece exemplares raros e antigos da natureza.
O maior risco da permanência da árvore é uma “prima” plantada ao lado dela competindo pela busca de nutrientes. Na década de 1980, durante a gestão Jânio Quadros, após o então prefeito ter considerado erroneamente que a figueira antiga havia morrido, foi plantada uma outra figueira exótica ao lado dela – que inclusive passou por uma poda há mais de um ano que teria agravado ainda mais a situação. A outra figueira é a Ficus Benjamina, asiática, e que nada tem a ver com a histórica Figueira das Lágrimas, que é da espécie Ficus Organensis, também conhecida como figueira-brava.
A dona Yara Rodrigues Caldas, que é proprietária do terreno onde está a figueira e cuida há 54 anos da figueira como se fosse uma irmã, desabafa: “Hoje em dia ninguém dá valor para mais nada. É uma coisa tão bonita. Porque tudo que a gente fala pra figueira, ela fica caladinha e só escuta. Se ela pudesse falar o que Dom Pedro fez aí embaixo, eu vou dizer, viu?”.