Especialistas apontam que o também piloto Antoine de Saint-Exupéry passou pelo Campeche. Capital de SC, que completa 351 anos neste sábado, era ponto de parada de companhia de correio aéreo francesa. Por que autor de ‘O Pequeno Príncipe’ é homenageado em avenida de Florianópolis
Não é à toa que a avenida Pequeno Príncipe, que liga a SC-405 à turística Praia do Campeche, em Florianópolis, leva o nome do mais conhecido livro do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry.
🛫📖 Especialistas apontam que o também piloto passou pelo trecho entre 1929 e 1931, enquanto trabalhava como chefe da Aeroposta Argentina, em Buenos Aires, uma filial da antiga companhia francesa Aéropostale, que enviava correspondências entre Europa, África e Atlântico Sul.
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Neste sábado (23), aniversário de 351 anos de Florianópolis, o g1 mostra por que o escritor e a companhia de correio aéreo se tornaram símbolos históricos do Campeche, bairro com outros nomes que fazem referência à época, como a servidão Saint-Exupéry e Rua Aviação Francesa, além de uma escultura em homenagem ao escritor francês e outros pioneiros do ar (foto abaixo).
Megálito relembra pousos e decolagens no Campeche
Sofia Mayer/ g1 SC
Outra placa, fixada pela prefeitura na casa onde mecânicos e pilotos ficavam durante paradas na capital, hoje tombada pelo município e chamada de Casarão Aéropostale, destaca que Saint-Exupéry, conhecido pelos nativos com o nome abrasileirado de Zé Perri, foi um “amigo dos pescadores do Campeche”(foto abaixo).
A pesquisadora e tradutora Mônica Cristina Corrêa, que estuda as aparições, diz que não há comprovações dessas interações com os nativos, embora os relatos existam e façam sentido ao “compor o mosaico” de informações sobre as passagens do francês no país (saiba mais ao longo da reportagem).
Placa instalada no Casarão Aéropostale
Renato Soder/ NSC TV
Por que Florianópolis?
No bairro, que até então tinha aspecto rural e era habitado sobretudo por pescadores, funcionava um dos 11 pontos de parada brasileiros da companhia de correio aéreo até a Argentina.
Segundo o historiador Hugo Daniel, o espaço era usado apenas como uma parada técnica para abastecimento e reparo das aeronaves.
“Até 1931, os aviões ainda não cruzavam o Atlântico. Então, os aviões da viação francesa percorriam todo litoral brasileiro distribuindo a correspondência”, afirma. Era o chamado “correio sul”.
Antoine de Saint-Exupéry a bordo do seu Caudron-Simoun
Divulgação
Também doutora em Língua e Literatura Francesa pela Universidade de São Paulo, Mônica complementa que cada ponto de parada era equipado com casarão de pilotos (ou casarão da aviação francesa), antena de transmissão sem fio, hangar e a casa de rádio.
“Nessas escalas, eles voavam da França até a ponta mais avançada [da África], que era em São Luis, no Senegal. Então, de lá, eles vinham de navio até Natal (RN). De Natal, ia em um ‘pinga-pinga’ até o rumo, que era Buenos Aires. O correio vinha dessa forma”, explica a especialista no tema, que preside a Associação Memória da Aéropostale no Brasil (Amab).
“O que chamavam de pista era na verdade um terreno ajeitado”, afirma.
As provas
Segundo Corrêa, não há fotografias de Saint-Exupéry, assim como de outros pilotos da companhia, em Florianópolis. As passagens pela capital, no entanto, foram confirmadas por ela a partir de matérias jornalísticas da época e relatos de locais e descendentes dos aviadores.
Juntos, os registros aleatórios, vindos de diferentes partes do país e do mundo, formam “um mosaico que você vai compondo”, explica a pesquisadora.
“Eles começam a fazer sentido, senão ele é uma pedra solta”, comenta.
Avenida Pequeno Príncipe é a principal do bairro
Renato Soder/ NSC TV
Como exemplo dessa “junção de peças”, ela explica, estão os relatos de mulheres que faziam bailes no hangar do Campeche às quintas-feiras, dia da semana que não passava avião. Elas dançavam com pilotos ao som de gramofones, dispositivo mecânico que reproduz música a partir de discos de vinil e que não era comum no Brasil.
“Um belo dia, estou eu passando por um estudo sobre a situação na África [para onde se deslocavam aviões da empresa], e encontro uma foto em que todos dançam com gramofone lá também. Então está lá: eles [os franceses] levavam os gramofones para as escalas, e os traziam aqui pro Brasil também”, concluiu.
Márcia foi correalizadora do documentário “De Saint-Exupéry a Zeperri”, lançado em 2011 na França e no Brasil, que ouviu familiares, especialistas e descendentes de pessoas que conheceram o autor de “O Pequeno Príncipe” em suas passagens pela capital. A maioria, segundo ela, não está mais viva hoje.
O autor de O Pequeno Príncipe no Rio de Janeiro, em abril de 1930
Divulgação
Outros registros
Um dos grandes apuros que o chefe da Aeroposta Argentina passou no Brasil ocorreu em Florianópolis, em 17 de abril de 1930, depois de uma escala em Porto Alegre (RS), segundo Mônica. Essa história também é usada como registro das passagens do autor francês à Ilha.
A pesquisadora conta que, naquele dia, o piloto pegou um temporal e precisou dormir em Santa Catarina antes de partir para o Rio de Janeiro, seu destino final na ocasião.
Saint-Exupéry, de acordo com Corrêa, transportava passageiros em um voo inaugural entre Buenos Aires e a então capital do Brasil. O Laté-28 trouxe oito jornalistas da capital argentina, e eles foram responsáveis pelo registro da ocorrência (veja imagem abaixo).
“A gente tem que dar graças a Deus que em algum jornal saiu esse relato de 17 de abril. Mas o motivo desse registro é porque ele estava ele estava fazendo voo inaugural de passageiros com avião novo. Era a primeira vez que ele subia com oito passageiros nesse avião novo de turismo”
Recorte de “O Jornal”, de 17 de abril de 1930, relata pouso forçado de Saint Exupéry em Floranópolis
Reprodução/Acervo AMAB
Amizades na capital
Relatos de nativos dão conta que a trajetória do piloto francês Antoine de Saint-Exupéry na Capital envolveu uma amizade com o pescador Manoel Rafael Inácio, o “seu” Deca, no início do século passado. Os dois, segundo a narrativa, chegavam a comer e pescar juntos.
Márcia diz que não há comprovações dessas interações, embora os relatos sigam a mesma linha de outras informações por já validadas em seus estudos.
“Eu ouvi muito esses relatos locais. O relato do Getúlio [filho de deu Deca], da permanência dele aqui, é o mesmo relato que fizeram empresários da época. Por exemplo, a mulher do Heitor Blum (prefeito da capital à época) os recebia no jantar”, comenta.
Tombamento
O Casarão Aéropostale é o único casarão de pilotos do antigo correio postal que restou no país. Nele, segundo o historiador Hugo Daniel, ficavam o administrador do local e sua esposa, além de mecânicos e pilotos quando a estadia fosse curta.
De acordo com o Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o antigo Campo de Aviação do Campeche, que inclui o casarão, passou pelo processo de tombamento junto ao órgão, mas teve o pedido indeferido em 2014.
Embora não seja tombado em esfera federal, o imóvel foi registrado em decreto municipal daquele mesmo ano como patrimônio histórico, artístico paisagístico e cultural.
Conforme Mônica Cristina Corrêa, um movimento para revitalização do casarão ocorre desde 2008. Ao g1, a prefeitura informou que parte do imóvel está ocupada e que busca, a partir da procuradoria do município, a evacuação do prédio para começar as obras.
“Quando revitalizado, o local poderá ser um Centro Cultural de Memória da Aéropostale, com atividades e ocupações que valorizem a cultura local”, destacou em nota.
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