29 de setembro de 2024

Lideranças indígenas do PA dizem que não foram consultadas sobre venda quase bilionária de crédito de carbono

Acordo foi assinado pelo governador do Pará, Helder Barbalho com multinacionais e países estrangeiros durante a Semana do Clima, em Nova York. Governo do Pará formaliza acordo de US$ 180 milhões com coalizão internacional para venda de crédito de carbono
Thalmus Gama/Ag. Pará
Lideranças indígenas do Pará usaram as redes sociais, nesta quarta-feira (25), para se manifestarem contra a venda quase bilionária de créditos de carbono para multinacionais e países estrangeiros.
Segundo as lideranças, não houve consulta livre, prévia e informada, como prevê a Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
O g1 solicitou nota da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e Secretaria de Estado dos Povos Indígenas (Sepi), mas ainda aguardava retorno até a última atualização da reportagem.
O acordo foi assinado pelo governador Helder Barbalho (MDB) na noite de terça-feira (24), durante a Semana do Clima de Nova York, no valor estimado de US$ 180 – quase um bilhão de reais.
O objetivo do acordo, segundo o governo, é garantir financiamento da Coalizão LEAF (parceria público-privada) para apoiar as metas de redução do desmatamento.
Assinado junto à organização Emergent, coordenadora da Coalizão LEAF, a compra é de até 12 milhões de toneladas de créditos de carbono gerados por reduções no desmatamento entre 2023 a 2026. Não foi informado em qual área os créditos seriam gerados.
Cada crédito representa uma tonelada métrica de redução de emissões de carbono resultado nos cortes no desmatamento e será comprado ao preço de US$ 15 por tonelada.
Entre os compradores estão Amazon, Bayer, BCG, Capgemini, H&M Group, Fundação Walmart e os governos da Noruega, Reino Unido e EUA.
Liderança indígena Alessandra Korap se posiciona contra venda de crédito de carbono no PA
Alessandra Korap, liderança indígena do povo Munduruku e presidente da Associação Indígena Pariri, disse a negociação dos créditos de carbono ocorre enquanto o estado enfrenta “seca, com peixes mortos, e pessoas querendo água sem direito à água”.
A liderança participa da 57ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Itália. Ela reivindicou a revogação de portaria que dá licença ao garimpo no Pará, deixando que municípios assinem autorizações, como em Itaituba, e também criticou um projeto de concessão florestal do governo estadual para “tirar milhares de madeira para ser transportada para as grandes empresas”.
“E quem vai mandar em nós, esses países ricos quando o povo está sofrendo sem água e comida? O senhor, Helder Barbalho, que tem uma fala sobre meio ambiente assinou o crédito de carbono sem consultar os povos indígenas. No Estado do Pará, só na região do Tapajós temos 20 protocolos de consulta”.
Liderança indígena Auricélia Arapiuns cobra de Helder a consulta aos povos tradicionais
Liderança do Baixo Tapajós, Auricelia Arapiuns também é integrante do conselho deliberativo da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. Ela criticou a consulta feita apenas à própria Secretaria de Estado dos Povos Indígenas (Sepi). “A Sepi não é um espaço de consulta dos povos indígenas”.
“O governador está usando o nome dos povos indígenas, dos povos tradicionais, mas não respeita os povos indígenas. Ele não respeita as leis internacionais, os tratados internacionais, a Constituição Federal, porque se respeitasse ele respeitava os direitos dos povos indígenas da consulta livre, prévia e informada”.
Aucileia também afirma que não há um plano para combate à estiagem no estado.
“O povo está sofrendo de sede, seca, e não tem um plano para conter o que a gente está vivendo. Ano passado eu era coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA) e várias vezes fomos atrás do governador, mas nunca fomos recebidos para montar um plano para atender a situação que os povos indígenas vivem na região Oeste do Pará”.
Pará vende quase um bilhão de reais de créditos de carbono
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Venda para multinacionais
O contrato assinado durante o evento Casa Amazônia NY, na Semana do Clima de Nova York, é chamado Contrato de Compra e Venda de Reduções Certificadas de Emissão. Um contrato de compra e venda futura de emissões reduzidas (conhecidos popularmente como créditos de carbono jurisdicionais).
Os recursos serão utilizados, a partir de 2025, para financiar programas que visam reduzir ainda o desmatamento, além de apoiar o modo de vida dos povos tradicionais e o desenvolvimento sustentável, segundo o governo.
Os programas compartilharão no mesmo valor os benefícios econômicos com os povos indígenas, quilombolas, comunidades extrativistas e agricultores familiares. Não foi informado ainda como o valor deve ser distribuído.
Parceria público-privada
A Coalizão LEAF é uma iniciativa pública e privada internacional que inclui corporações e os governos da Noruega, Reino Unido, Estados Unidos e República da Coreia para fornecer financiamento para apoiar os governos florestais e as comunidades locais em seus esforços para reduzir o desmatamento e a degradação florestal.
Os compradores da Coalizão LEAF, incluindo Amazon, Bayer, BCG, Capgemini, H&M Group e Fundação Walmart, se comprometeram a comprar 5 milhões de créditos de reduções de emissões.
O acordo também disponibilizará mais 7 milhões de créditos para compradores corporativos adicionais. O acordo é respaldado por garantias de compra dos governos da Noruega, Reino Unido e EUA, cobrindo uma porcentagem dos volumes de créditos.
“O acordo com Pará demonstra a escalabilidade do modelo público-privado LEAF para mobilizar o financiamento urgentemente necessário para as florestas”, disse Eron Bloomgarden, CEO da Emergent.
Ações contra o desmatamento
Ainda em 2020, o governador Helder Barbalho implementou a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas, que estabelece o rumo para a transição do Pará para uma economia de baixo carbono, com a meta de emissões líquidas zero até 2036.
“Ser o primeiro estado brasileiro a assinar um acordo com a Coalizão LEAF é prova do sucesso de nossas políticas para combater o desmatamento e a transição para um modelo econômico mais sustentável e verde”, disse Helder Barbalho, governador do Pará em Nova York.
Sede da COP 30, em 2025, o Pará abriga atualmente cerca de 25% da Amazônia brasileira.
“Alcançar um preço de US$ 15 por tonelada, bem acima dos níveis atuais de mercado, demonstra a confiança dos compradores na eficácia de nossos esforços e na alta integridade dos créditos que estamos gerando”, afirmou.
Participação
O sistema REDD+ do Pará está sendo desenvolvido com a participação de comunidades e beneficiários, incluindo povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, de acordo com o governo.
A proposta é que os recursos do acordo da Coalizão LEAF sejam compartilhados de forma equitativa com esses grupos e outros interessados, a partir de 2025, após a conclusão do Sistema Jurisdicional REDD+ do Pará.
Concita Sompré, indígena do território Mãe Maria, que conta com cerca de 2 mil nativos na região sudeste do Pará, diz que o Pará caminhando para um “acordo que leva em consideração também a nossa percepção e a nossa participação”.
Recursos privados são essenciais
Os créditos vendidos no escopo do acordo com o Pará atenderão ao Padrão de Excelência Ambiental Architecture for REDD+ Transactions (ART TREES), garantindo os altos níveis de integridade ambiental e salvaguardas sociais, como explica Matthias Berninger, EVP de Assuntos Públicos, Sustentabilidade e Segurança da Bayer.
Tore Sandvik, Ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, disse que é essencial mobilizar mais recursos privados para apoiar países e estados florestais em seus esforços para reduzir o desmatamento.
“O acesso ao financiamento internacional de carbono é um grande incentivo para proteger as florestas, e uma das muitas ferramentas no arsenal do Pará. É inspirador ver que o Pará está explorando uma série de opções, e esperamos que outros estados e países sejam inspirados a fazer o mesmo”, afirmou.
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