16 de novembro de 2024

‘Transformou o nosso luto’: conheça a história de pessoas que tiveram a vida marcada pela doação de órgãos

Atualmente, o Paraná é o estado com maior número de doações de órgãos por milhão de população do Brasil. Veja como se tornar um doador. Musicista cria música sobre pai doador de órgãos: “um último ato de generosidade”
Em maio deste ano ano a musicista Michele Mabelle, de 41 anos, recebeu a notícia de que o pai, Carlos Antônio Costa, sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) aos 66 anos. Ele foi internado no Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba, e morreu 15 dias depois.
“E a gente estava lidando com toda essa questão, né? 15 dias ali dentro do hospital, aquela pressão, aquela coisa difícil e, no momento em que a gente recebeu essa notícia, após receber essa notícia, a equipe de doação de órgão fez contato com a gente ali no hospital mesmo e conversou com a gente sobre a doação de órgãos”, relembra.
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Esta sexta-feira, 27 de setembro, é o Dia Nacional da Doação de Órgãos. O Paraná é o estado com maior número de doações de órgãos por milhão de população (pmp) no Brasil, conforme a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). De janeiro a junho deste ano foram 431 transplantes no estado.
Porém, segundo dados do Sistema Estadual de Transplantes do Paraná, de janeiro a agosto deste ano, 27% das doações possíveis não foram realizadas por recusa familiar. O caso de Mabelle poderia estar nessa estatística, mas ela afirma que a conversa que teve com os funcionários do hospital a ajudou a ver a doação com outros olhos.
“Eles fizeram uma abordagem assim, muito delicada, realmente. Porque é um momento difícil. A gente tinha acabado de receber a notícia e a gente precisava decidir logo, porque tem prazo para poder fazer todo o procedimento. Mas eles foram muito amorosos, muito delicados. Com certeza a forma com que eles falaram com a gente fez toda a diferença. Foi o que fez a gente sentir esse amor mesmo, passar por esse processo com amor”, disse.
Mabelle conta que saber que o pai dela poderia ajudar a salvar outras vidas permitiu que ela fizesse deste momento uma continuação do que ele era: uma pessoa que ajuda o próximo.
“Nós podermos fazer essa escolha por ele transformou o nosso luto. A gente começou a olhar aquele momento com muito amor em saber que ele poderia, antes de partir, fazer um último ato de generosidade, de caridade”, disse.
Michelle Mabelle e o pai, Carlos Antônio Costa.
Arquivo Pessoal
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História inspirou música
Há dois anos, Mabelle é voluntária no mesmo hospital onde o pai morreu. Lá, ela visita os pacientes e toca canções para eles. Mas agora, após a partida do pai, o repertório dela ganhou uma nova canção: a “Legado do amor”, canção escrita por ela em parceria com o compositor Naldo Miranda.
Na letra da canção, a musicista busca mostrar para os ouvintes uma nova forma de ver o ato de doar órgãos:
“Quando a vida se despede, um novo ciclo pode começar. Um gesto de amor pode tudo transformar. Doação é vida que renasce, amor que não desfaz o seu enlace. Em cada coração que bate, teu legado vive mais e assim você partiu em paz.”
“Tudo o que vem acontecendo comigo, que me toca ou que mexe comigo, eu tenho transformado em música. Eu já queria fazer uma música para o meu pai, falando sobre essa questão do luto… Então, me veio essa vontade de falar sobre a doação, por que começou a partir dali esse momento”, explica.
Outro motivo para escrever a música é a vontade de conscientizar as pessoas sobre a importância da doação de órgãos, diz Mabelle.
“Eu mesma não tinha tido contato com esse assunto antes, então para mim foi muito importante. A gente que mexe com arte, tem essa necessidade de transformar as nossas emoções em arte. A vontade de fazer essa música surgiu disso, de poder colocar para fora, de dar mais continuidade nesse assunto de uma forma bonita e me ajudar também a lidar com isso”, conta.
Contando uma história de superação
Mulher escreve livro infantil para ajudar famílias a falarem sobre doação de órgãos
Dados do Sistema Estadual de Transplantes revelam que quase 4 mil paranaenses estão na lista de espera por um órgão – mais da metade aguarda um rim.
Quem já esteve nesta fila é o professor Ramon Lima, de 43 anos, que precisou de um novo rim após ser diagnosticado com glomerulosclerose segmentar focal, uma doença que causa a cicatrização e o endurecimento das estruturas renais responsáveis pela filtragem do sangue.
“Eu fiquei com o tratamento por medicação por um longo tempo, quase dez anos. Em 2018, mais ou menos, eu entrei para a diálise […] e logo em 2020 a gente recebeu a notícia do transplante”, relembra.
Segundo a esposa de Lima, a psicopedagoga Inês Silva, de 40 anos, quando o marido precisou usar catéter o casal conversou pela primeira vez com as filhas, na época com 3 e 6 anos, e tentou explicar o que estava acontecendo.
“Eu me vi e o Ramon também com uma dificuldade grande de achar livros e de achar recursos que a gente pudesse explicar para elas de uma forma mais lúdica, de uma forma menos doída o que estava acontecendo e de explicar também o que iria acontecer”, conta.
“Tem formas leves de a gente falar sobre isso”, diz autora de livro infantil
A partir desta experiência, a psicopedagoga decidiu escrever o livro: “Papai tem três rins!”. Na obra, é possível acompanhar as dúvidas, descobertas, desafios e todo o amor envolvido durante todo o processo pelo qual a família passou.
“Primeiro eu escrevi, mostrei para o Ramon, ele gostou, achou que fazia sentido, deu palpite. Daí as meninas também aprovaram. Aí eu fui mostrando aos poucos, assim, para algumas pessoas. Aí acabou nascendo a coragem, vamos dizer assim, para publicar”, brinca.
Ainda que o motivo para escrever a história tenha sido uma vivência de Lima, ele explica que as personagens principais são as filhas.
“Elas é que são as protagonistas, por que a história se desenrola com a conversa delas com essa família. A curiosidade delas é que instiga o transcorrer do livro. Mas eu fico muito feliz, é bacana ver as pessoas abrirem o livro e reconhecerem a história, reconhecerem a família… é muito bonito”, diz.
Livro escrito por Inês Silva aborda a questão da doação de órgãos de forma lúdica
Reprodução/Skoobooks
Lima se tornou um atleta transplantado de alto rendimento e, no ano passado, ganhou duas medalhas de bronze nos Jogos Mundiais de Transplantados, na Austrália.
O professor também ajudou na fundação da Liga de Atletas Transplantados do Brasil (Liga TX). Fundado em 2022, o grupo conta com atletas brasileiros transplantados de pulmão, rins, fígado, medula, pâncreas e coração.
A obra escrita por Silva foi publicada de forma independente. De acordo com ela, alguns exemplares foram doados para escolas públicas e bibliotecas, para que crianças tenham acesso a esse tema desde cedo e de uma forma leve.
Família de Ramon Lima, que inspirou livro infantil sobre doação de órgãos
Arquivo Pessoal
Uma nova chance para realizar sonhos
Segundo informações do Sistema Estadual de Transplante do Paraná, há duas formas de transplantes: com doadores vivos ou falecidos.
Gabriel Ciochetta contou com a generosidade de pessoas que perderam um familiar e conseguiu a doação. Ele tinha apenas um ano de idade quando recebeu o diagnóstico de fibrose cística, uma doença genética e progressiva onde secreções espessas e viscosas afetam os órgãos. No caso dele, o pulmão era o mais afetado.
“Essa doença tem tratamento, porém, ela não tem cura. Então, conforme a doença vai avançando, ela vai prejudicando muito os pulmões, até o momento em que os tratamentos por remédios e fisioterapias não são mais possíveis de conseguir controlar a doença. Então, nesses casos, os médicos indicam o transplante pulmonar como meio de tratamento para o avanço da doença”, explica.
Após anos fazendo tratamento, em 2015 ele recebeu a notícia de que precisaria de um transplante. De acordo com ele, a descoberta veio em um momento em que ele estava muito debilitado, tratando uma das consequências da fibrose cística: as infecções de repetição.
“O diagnóstico do transplante vem como, de certa forma, um alívio de saber que ainda tem uma alternativa para tratar”, afirma.
“Viver novamente e com intensidade”, diz empresário que recebeu transplante de pulmão
Ciochetta relembra que estava há 20 dias internado quando, em uma visita do médico, recebeu a informação de que um órgão estava sendo avaliado para ser transplantado nele.
“No momento da notícia, claro, é um misto de sentimentos. Ao mesmo tempo que a gente entende que o transplante é a solução para um problema, o tratamento eficaz, tem toda a questão do medo da cirurgia, que é longa, e de todos os desafios pós-transplante”, relembra.
Após 12 horas de cirurgia, o empresário relembra que o resultado do procedimento foi um sucesso e que 13 dias após a operação ele já estava bem.
Segundo o empresário, já durante a recuperação ele sentiu a vontade de viver plenamente. No caso dele, isso incluía realizar um sonho: o de ser pai.
“Depois do transplante, muitas coisas que eu desejava fazer, eu consegui literalmente concretizar. Por exemplo, ter uma filha. Eu tenho uma filha de dois anos, sou casado há 12 anos e muitas das coisas que me impossibilitavam por conta da doença, hoje eu consigo realizar”, celebra.
E, por falar em família, o empresário afirma que estas também são impactadas quando um familiar fica na espera de uma doação. Por isso, faz um apelo:
“A família que acompanha uma pessoa em lista de transplante, infelizmente ela acaba morrendo junto com o paciente, por que é um sofrimento intenso e a gente percebe muito isso. Quando vem o sim, essa família revive junto com o paciente também”, diz.
Gabriel Ciochetta realizou o sonho de ser pai após receber um transplante de pulmão.
Arquivo Pessoal
Uma conversa que faz a diferença
Para ser doador de órgãos, a pessoa deve expressar à vontade para a família. Mesmo que a pessoa tenha registrado o interesse em ser doador, é somente após a autorização dos familiares que a doação é efetivada.
Por isso, a recomendação do Ministério da Saúde é que os interessados conversem com a família ainda em vida e deixe claro essa intenção.
Para Ramon Lima, a conversa é uma garantia não só para o doador, mas para a família, que terá que tomar a decisão em um momento tão delicado.
“Eu quero ser doador de órgãos e eu falo isso para a minha família, eu entendo como um momento de empatia com a minha família no sentido de que, no momento mais difícil que pode acontecer com qualquer um de nós, a minha família já está avisada. Eu assumi a responsabilidade sobre o meu corpo, mesmo em uma situação tão complexa, e a minha família pode se dar ao luxo, vamos dizer assim, de estar mais tranquila, mais serena de uma decisão tão complexa quanto essa”, diz.
Outra possibilidade é formalizar o desejo de doar por meio do site da Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO). A plataforma foi criada em abril deste ano e, deste então, quase mil pessoal já fizeram a solicitação da autorização.
De um doador é possível obter vários órgãos e tecidos para realização do transplante, segundo o Ministério da Saúde. E na plataforma da AEDO, é possível escolher qual órgão deseja doar: medula, intestino, rim, pulmão, fígado, córnea, coração ou todos.
Atualmente o Brasil possui o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo, que é garantido a toda a população por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
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