28 de setembro de 2024

Coaches estrangeiros que davam ‘curso de conquista’ de mulheres em SP viram réus; Justiça manda apreender passaporte de brasileiro

Eles vão responder pelos crimes de atrair à exploração menores de 18 anos e induzir à exploração mediante fraude com lucro. Polícia Federal e Ministério Público Federal tiveram acesso aos depoimentos de vítimas e de testemunhas do evento realizado na capital paulista, em 2023. Site dos coaches que venderam curso para homens
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A Justiça Federal de São Paulo tornou réus dois coaches estrangeiros e um brasileiro que organizam cursos sobre como conquistar mulheres. Eles vão responder pelos crimes de atrair à exploração menores de 18 anos e induzir à exploração mediante fraude com lucro.
O trio era investigado desde uma festa em uma mansão no bairro Morumbi, Zona Sul da capital paulista, em fevereiro do ano passado, que fazia parte de um curso e quando estiveram presentes garotas adolescentes.
O caso corre pela 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo contra o brasileiro Fabrício Marcelo Silva de Castro Junior, o chinês Ziqiang Ke, conhecido como Mike Pickupalpha, e o norte-americano de nome verdadeiro Mark Thomas Firestone, que se identificava como David Bond e Steven Mapel.
Com relação a Fabrício, o juiz aceitou um pedido que foi feito pela Polícia Civil e pelo Ministério Público Federal para que fosse apreendido o passaporte e para que a Polícia Federal fosse comunicada e impedisse a saída dele do país ainda que com um RG para países do Mercosul.
“A medida se mostra necessária para aplicação da lei penal, tendo em vista que a parte acusada possui passaporte e visto americano e está sendo acusada de atuar em unidade de desígnio com o americano.”
A defesa dos três citados não foi localizada até a última atualização desta reportagem.
“Obtiveram significativos ganhos financeiros a partir da exploração sexual de mulheres brasileiras, em prática conhecida como ‘turismo sexual’, uma vez que os encontros são realizados em países em desenvolvimento, nos quais as mulheres são tratadas como objeto sexual e atraídas pelas facilidades econômicas oferecidas pelos estrangeiros”, escreveu na manifestação no processo o procurador da República Michel Fracois Drizul Havrenne.
Relembre o caso
O evento no Morumbi, na Zona Sul de São Paulo, foi promovido por Mike Pickupalpha e David Bond, do site Millionaire Social Circle (“Círculo Social de Milionários”).
O contrato de locação do imóvel foi assinado por Mike e Fabrício Castro, o brasileiro que se diz “mentor de homens” e chegou a receber R$ 5.950 em auxílio emergencial na pandemia de Covid-19 enquanto vendia cursos.
Fabrício também foi indiciado anteriormente pela Polícia Civil do 34º DP de São Paulo suspeito de ajudar a dupla. O rapaz foi ouvido de forma online no dia 27 de julho de 2023.
Entre vítimas de 17 a 24 anos e testemunhas, 17 pessoas foram ouvidas pelo 34º DP. Em nota anterior, a defesa do brasileiro informou que discordava do indiciamento e que “iria demonstrar judicialmente a sua inocência”.
Divulgação da próxima viagem do grupo
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Adolescentes em mansão
Imagens voltaram ao site dos coaches estrangeiros
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Procurado pelo g1 na época, o pai de uma jovem de 17 anos reconheceu como sendo a filha dele em imagens feitas na festa. A garota confirmou à família ter conhecido pela internet Mike Pickupalpha, um dos mentores, saído com ele e viajado.
A presença dela na festa foi mostrada pelo Fantástico e o pai conversou com o g1. Sobre a festa, a jovem contou que “não queria que fosse gravada e não queria tirar fotos”. Os dois apareceram em um vídeo comendo comida japonesa postado no perfil do curso e abraçados na praia.
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Outra menina menor de idade, conforme apurado pela reportagem, esteve na festa a convite de uma amiga maior de idade. A então adolescente consumiu bebida alcoólica e saiu com um dos alunos.
A relação foi consensual, mas ela não sabia que o grupo fazia parte de um curso de conquista.
Conteúdo excluído
No site Millionaire Social Circle (“Círculo Social de Milionários”) todos os textos e fotos relacionados com as viagens por países como Costa Rica, Colômbia e Filipinas, que chegaram a ser tirados, retornaram. O site, no entanto, voltou sem o clipe do programa no Brasil.
A conta do TikTok do “MSC” que chegou a ficar no modo privado, o canal do YouTube que tinha apenas o vídeo de uma partida de videogame, e o perfil do curso no Instagram, que havia sido encerrado, todos voltaram à ativa.
Site voltou com clipes das viagens aos outros países
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Inquérito policial
‘Não fui obrigada, mas fui aliciada, manipulada para estar ali’, diz uma das mulheres usadas como ‘cobaia’ por coaches para curso de pegação
Ao menos duas mulheres registraram na Polícia Civil de São Paulo que conheceram “alunos” dos coaches pela internet, foram a um jantar em grupo e dias depois estiveram na festa.
Nas duas situações foram feitos vídeos usados em peças publicitárias do curso sobre como conquistar mulheres, segundo elas. Os organizadores negaram que os registros foram para publicidade.
As duas jovens e outras duas ouvidas pelo g1 afirmaram que não sabiam que o grupo estrangeiro participava de um curso (veja abaixo os relatos).
Mike já apareceu em canais no Youtube filmando mulheres com câmeras aparentemente escondidas em diversos países. Já David Bond dizia ser um especialista em namoro on-line e produtor de conteúdo digital.
O curso
Anúncio no site dos coaches antes de ser apagado
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O curso, oferecido a estrangeiros de vários países, cobrava a partir de US$ 12 mil (cerca de R$ 63 mil) em troca de consultoria de conquista e viagem de duas semanas para algum país. Além do Brasil, houve edições na Costa Rica (em fevereiro de 2022), Colômbia (julho de 2022) e Filipinas (agosto de 2022).
O pacote com seis países, chamado de World Tour, saía por US$ 50 mil (cerca de R$ 262,7 mil), segundo o site do grupo.
“Venha explorar com David e Mike e conheça as mulheres brasileiras ao redor do mundo que são conhecidas por serem divertidas, curvilíneas e apaixonadas”, disse o anúncio da viagem ao Brasil.
Em um vídeo, a dupla exibia o kit a ser levado na bagagem: pílulas do dia seguinte, usadas para evitar gravidez em relações sexuais sem preservativo, camisinhas e perfumes com feromônios — que supostamente secretariam substâncias para chamar atenção das mulheres.
O que disseram as mulheres
Festa realizada em mansão de São Paulo
Arquivo
A mulher que registrou o boletim de ocorrência disse ter visto vídeos publicados em que ela aparecia com os alunos da “mentoria” de conquista. Foi o que a fez querer denunciar. Ela disse ter conhecido um rapaz no Tinder e sido convidada a jantar com “amigos” dele.
“Saímos algumas vezes até ele me convidar para o jantar, que me disse que seria com amigos deles. Foi normal [o jantar] e conversamos sobre assuntos tranquilos, até porque eu queria praticar o inglês. Ficavam filmando o tempo todo e eu tentava me esquivar porque não gosto que me filmem”, lembrou.
No dia seguinte, a brasileira foi convidada pelo homem para a festa na mansão.
“Na festa tinha muitas mulheres e nem todas sabiam falar inglês. Havia funcionários, DJ, garçons. Uma das mulheres me disse que foi [à festa] por causa de um anúncio e aí achei estranho, porque ela disse que pagaram o transporte também. Eu achei que era algo mais reservado.”
A outra mulher que foi à festa na mansão também conheceu pelo Tinder o homem que a chamou. Ela disse que deu “match” com um americano e foi convidada para jantar. O rapaz contou que fazia parte de um grupo de negócios e a convidou para um primeiro encontro.
Lá, afirmou, havia outras mulheres que estavam com os “amigos” dele. Ela não sabia, mas eram outros alunos do curso.
“Conheci outras meninas brasileiras lá e até gostei, porque eu não sei muito bem inglês. Era um restaurante muito chique, até exagerado. O rapaz que eu saí me tratou muito normal, bem de início, criando um vínculo. Tinha gente de vários países. Não me senti desconfortável naquele momento.”
Coaches dizem estar orgulhosos do grupo que esteve no Brasil
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O encontro foi antes da festa. Dias depois, ela recebeu um convite para colocar dados pessoais e fazer parte da lista do evento.
“Não fiquei até o fim da festa. Interagi mais com a meninas que conheci no jantar, mas conheci uma menor de idade que disse que conhecia pessoas na organização. Disse que logo faria 18 anos, mas estava numa festa de comida e bebidas à vontade. Não vi ela ficando com ninguém, mas disse que se sentiu incomodada ao ter visto um casal fazendo sexo em um dos quartos.”
O que disseram ‘Mike’ e ‘David’
Vídeo feito antes da viagem ao Brasil
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Mike Pickupalpha, do site Millionaire Social Circle, falou com o g1 em março do ano passado. Perguntado por mais de uma vez se informava as mulheres de que a festa era aula prática do curso de conquista, não respondeu.
“Foi uma festa coorganizada com meus amigos brasileiros. Alguns trouxeram suas próprias namoradas. Uma festa com adultos que escolheram estar lá por livre e espontânea vontade. Comida, segurança e transporte adequado foram fornecidos.”
Perguntado sobre menores de idade no evento, o coach não negou, mas disse possivelmente haver câmeras de segurança no local. “No formulário de candidatura dissemos que era preciso ter mais de 18 anos e pedimos à segurança para fiscalizar e fiscalizar todos.”
Convite enviado para cadastro para a festa em São Paulo
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Confira a íntegra da nota de Fabrício na época do indiciamento:
“A participação do Sr. Fabricio resume-se à intermediação do contrato de locação, uma vez que, o locador do imóvel exigiu que o contrato fosse assinado por um brasileiro, não sendo admitido a formalização do aluguel em questão por estrangeiro.
Além da intermediação da locação do imóvel, o Sr. Fabricio, pelo fato de conhecer diversas pessoas na região de São Paulo, tão somente viabilizou a contratação de DJ’s e sistemas de som.
À exceção das duas ocasiões acima retratadas, participou do evento apenas como convidado. Informa, ainda, que conhece o Sr. Mike desde 2017, quando este realizou uma visita ao Brasil a fins de turismo, conduzindo-o a uma visita pelo Conjunto de Favelas da Rocinha, no município do Rio de Janeiro/RJ.
Durante o período em que esteve no evento descrito nesta reportagem, não teve conhecimento, tampouco vislumbrou indícios da existência de mulheres menores de idade no recinto.”

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