29 de setembro de 2024

Lei do Ventre Livre: norma de 28 de setembro de 1871 determinou que filhos de mulheres escravizadas seriam livres; entenda importância

Segundo professora da Universidade de Brasília (UnB), texto foi passo importante no caminho para abolição da escravidão. Até então, crianças eram tidas por lei como propriedade e mercadoria, assim como seus pais. Foto da fazenda de Quititi, no Rio de Janeiro, 1865. É possível ver um menino branco bem vestido e com um brinquedo, junto a várias crianças negras descalças e vestindo roupas esfarrapadas.
Georges Leuzinger/Colección Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles

Há 153 anos, em 28 de setembro de 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre. A medida determinou que os filhos de mulheres escravizadas, nascidos a partir daquela data, seriam livres.
Mas as crianças não receberam liberdade imediata e plena, ou seja, na prática, não houve muita diferença na vida cotidiana. “A mudança significativa aconteceu no âmbito judicial”, diz a professora da Universidade de Breasília (UnB), Neuma Brilhante.
Segundo ela, a norma é considerada um passo importante no caminho para a abolição da escravidão.
“Foi a primeira vez que o Brasil regulamentou as relações entre as pessoas escravizadas e os senhores, e oficializou a ideia de que as pessoas escravizadas tinham direitos”, diz a pesquisadora.
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Neuma Brilhante explica que com a lei, judicialmente, as crianças passaram a ser vistas como cidadãs. Além de reconhecer o direito de pessoas escravizadas, a lei também reconheceu suas famílias.
“O dono da mãe não poderia tratar a criança como escravizada, porque poderia ser legalmente punido”, explica a professora.
Veja os principais pontos da lei
As crianças passaram a ficar sob a tutela dos senhores de suas mães até os 8 anos de idade
Quando as crianças chegavam nesta idade, os senhores tinham duas opções: entregá-las ao estado e receber uma indenização; ou “utilizar-se dos serviços” das crianças até que elas completassem 21 anos
Se o senhor optasse por entregar a criança e receber indenização, o estado pagaria para ele 600 mil réis
Sobre a opção de manter a criança até os 21 anos ou entregá-la ao Estado, Neuma Brilhante afirma que poucos senhores de pessoas escravizadas optavam pela segunda opção.
“O modelo padrão foi exatamente a manutenção dessas crianças com os donos de suas mães”, diz a professora.
📌Na prática, nos interiores do Brasil, a linha entre o estilo de vida de uma criança nascida do ventre livre de uma criança escravizada era tênue.
A vida das crianças antes da lei
Mulher escravizada e seu bebê, na época do Segundo Reinado.
Biblioteca Nacional Digital
Antes da Lei do Ventre Livre, as crianças eram vistas como propriedade e mercadoria, assim como seus pais. Elas eram vendidas, submetidas a tráfico nos “navios negreiros”, a trabalhos forçados e não tinham direitos garantidos.
📌A venda de pessoas escravizadas também incluía as crianças, que poderiam ser separadas de suas famílias.
Em edição do jornal Correio Paulistano, de 1854, crianças de 6 a 9 anos estavam no anúncio de pessoas que seriam leiloadas (veja foto abaixo). Os anúncios ainda traziam detalhes da aparência ou “habilidades” de trabalho das crianças.
Anúncio de leilão de negros escravizados inclui crianças de 6 e 9 anos.
Jornal “Correio Paulistano” de 1854
📌Apenas em setembro de 1869, um decreto proibiu a separação de crianças menores de 15 anos de seus pais durante a venda.
Pesquisadores ainda apontam que os filhos de pessoas escravizadas serviam para fazer companhia ou cuidar dos filhos dos senhores. Um dos relatos conhecidos é de John Mawe que, no livro “Viagens ao Interior do Brasil”, conta que a prática era para criar “familiaridade” e manter as crianças negras “fiéis aos seus donos”.
“Os filhos dos escravos são criados com os dos senhores, tornam-se companheiros de brincadeiras e amigos e, assim, estabelece-se entre eles uma familiaridade que, forçosamente, terá de ser abolida na idade em que um deve dar ordens e viver a vontade, enquanto o outro terá de trabalhar e obedecer. Diz-se que unindo assim, na infância, o escravo ao dono, asseguram sua fidelidade”, relatou o escritor John Mawe.
O escritor ainda relatou que os filhos de pessoas escravizadas, em idade mais avançada, ajudavam as mulheres a descaroçar algodão e os homens a ralar e preparar mandioca. As crianças também não tinham qualquer proteção contra abusos ou violência.
A criação da Lei do Ventre Livre
Norma foi apresentada por José Maria da Silva Paranhos, visconde do Rio Branco.
reprodução
A professora Neuma Brilhante explica que, desde o inicio do século 19, o Brasil já tinha debates sobre o fim do tráfico de pessoas escravizadas e sobre os modelos de produção e questões humanitárias da época.
Em 1867, durante a Fala do Trono – momento em que o imperador discursava ao parlamento – Dom Pedro II pediu a eliminação gradual da escravidão.
“O elemento servil [pessoa escravizada] no Império não pode deixar de merecer oportunamente a vossa consideração, provendo-se de modo que, respeitada a propriedade atual e sem abalo profundo em nossa primeira indústria, a agricultura, sejam atendidos os altos interesses que se ligam à emancipação”, consta na Fala do Trono de 1867, registrada nos arquivos do Senado Federal.
A Lei do Ventre Livre foi proposta por José Maria da Silva Paranhos, visconde do Rio Branco, do Partido Conservador. Segundo a Agência Senado, a votação da proposta foi tumultuada e conflituosa. Ela foi aprovada pelos deputados em três meses e meio. Depois, a matéria passou pelos senadores, que aprovaram em três semanas.
A sanção da lei foi realizada pela Princesa Isabel, que atuava como regente na época. Dom Pedro II estava em viagem ao exterior.
Foto com parte da versão original da Lei do Ventre Livre, assinada pela princesa Isabel.
Arquivo do Senado Federal
👉 Veja AQUI a cópia da lei original completa no site do Arquivo do Senado Federal.
Segundo a professora Neuma Brilhante, a Lei do Ventre livre tinha a proposta de acabar gradualmente com a escravidão. Diferente dos abolicionistas da época, que lutavam pelo fim imediato.
Pessoas escravizadas e animais fazendo parte de um mesmo lote de venda.
Angelo Agostini/Revista Illustrada, 1885
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