Rara e sem cura, doença é causada por uma mutação genética que torna os ossos mais frágeis. Com tratamento adequado, médicos garantem que os pacientes levam vida independente. Izabella Nunes e Renato Magnos convivem com a doença osteogênese imperfeita
Arquivo pessoal
Uma fratura inesperada nunca deixa de ser frustrante para quem tem osteogênese imperfeita. Rara e sem cura, a doença é conhecida como “ossos de vidro”, pois segundo especialistas, uma mutação genética torna os ossos mais frágeis. O professor de música Renato Magno e a pequena Izabella Nunes, de 8 anos, que sonha em ser médica, contaram ao g1 os desafios dessa realidade.
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Renato foi diagnosticado no primeiro ano de vida com o grau moderado da doença. Hoje, aos 30 anos, imagina que já tenha tido pelo menos 20 fraturas pelo corpo. Ele explica que mesmo sentindo as pernas e tendo coordenação motora, seus ossos são tão frágeis que o impedem de caminhar e, por isso, ele usa uma cadeira de rodas.
“Se eu ficar em pé, tenho fraturas pelo simples fato das minhas pernas não suportarem o peso do meu corpo”, relata.
As fraturas mais graves do professor aconteceram na região do fêmur, três vezes. Segundo Renato, todas ocorreram durante ações comuns e que, à primeira vista, não ofereciam nenhum tipo de risco, como ao gesticular imitando movimentos de bateria ou fazer força para vomitar. O mais frustrante para ele é que uma dessas fraturas aconteceu quando ele estava a dias de se casar.
“Só a contração muscular para tentativa de vômito fez o colo do fêmur se quebrar, fazendo o osso entrar para a bacia. E foi poucos dias antes do meu casamento, em um momento em que a minha vida estava super atarefada, lecionando de manhã, coordenando escola à tarde e fazendo mestrado. Ter que realinhar todos os planos porque quebrei o fêmur foi de fato frustrante”, lembra o professor.
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Sentimentos assim também afetam Izabella e sua família. A menina foi diagnosticada somente quando tinha 3 anos, após sofrer duas fraturas num curto período de oito meses. “Eu sinto muita dor, muita dor mesmo. Choro! E a gente precisa sair correndo para o hospital”, diz a menina sobre as fraturas.
Em janeiro deste ano, Izabella quebrou a perna e passou por uma cirurgia. Ela ficou 4 meses deitada de repouso e, 20 dias depois de sair da cama, teve outra fratura na perna A mãe da menina, Iara Carneiro dos Santos, conta que ficou “sem chão” quando a filha recebeu o diagnóstico, em 2018. Vivendo de aluguel, sem rede de apoio e sem um trabalho fixo, ela se viu desamparada para lidar com as necessidades da filha.
“Estou em Goiás por causa do tratamento da Izabella, minha família toda é de Tocantins”, explica.
Na época em que Izabella foi diagnosticada, Iara procurou o g1 pedindo ajuda para custear o tratamento da menina, pois não sabia o que fazer. Elas viviam apenas com a pensão do pai de Izabella, que não era suficiente para todos os custos. Especialmente porque em um prazo de 1 ano e meio do diagnóstico, a pequena já tinha tido quatro fraturas, sendo três no fêmur.
“Eu nem durmo direito, com medo de ela se machucar. A Izabella é uma criança que não pode brincar ou correr, porque qualquer coisa ela se machuca. Os ossos dela são muito frágeis, qualquer coisinha ela quebra. A minha preocupação maior é ela não ter mais esse tipo de fratura. Ela já sofreu demais”, desabafou Iara à reportagem na época.
Izabella Nunes Carneiro aos 3 anos
Arquivo Pessoal
Atualmente Iara está em um relacionamento e trabalha de forma autônoma na venda de roupas na casa onde mora de aluguel, em Morrinhos. Ao g1 ela lamenta que, embora esteja mais estabilizada, a situação ainda é delicada, pois não tem condições de pagar um plano de saúde para a filha. Segundo a mãe, Izabella recebeu tratamento gratuito por dois anos em Goiânia, no Hospital das Clínicas, mas atualmente faz a maior parte dos exames na rede privada.
“Tenho muitos gastos com ela, o médico que trata dela e particular atualmente faz exames direto então temos gasto com ela. O que eu mais queria era um plano de saúde. Eu e ela não temos casa própria e a casa alugada não tem adaptação para ela. Cada fratura é uma vitória, mas tenho sofrido muito com o caso da Izabella”, lamenta a mãe.
Mas por que essas pessoas têm ‘ossos de vidro’?
O médico ortopedista Frederico Barra de Moraes, especialista em osteogênese imperfeita, explica que a doença é causada por uma mutação no gene do colágeno. Segundo ele, estudos mostram que metade das pessoas diagnosticadas com a doença podem apresentar dentes mal formados ou surdez, uma vez que a audição se dá pela condução através de pequenos ossos no ouvido.
Em alguns pacientes, a dilatação das veias dos olhos, pela fragilidade do colágeno na parede vascular, leva à coloração azulada do ‘branco do olho’.
“O colágeno é uma proteína extremamente importante no corpo humano e está presente em vários órgãos e tecidos. Os ossos são feitos 80% de uma matriz mineral, fósforo e cálcio, e 20% de proteínas, sendo a principal o colágeno. Por isso, se existe um defeito genético na produção da proteína óssea haverá, por consequência, um maior número de fraturas e deformidades”, explica.
Renato, por exemplo, tem dificuldade em digerir alguns alimentos e perda auditiva leve. Izabella tem o branco do olho azulado e alguns traumas causados pelas fraturas, como o medo de brincar e acabar se machucando. “Passar por cada fratura é um desafio não apenas físico, mas psicológico, emocional e intelectual. Ninguém programa a sua vida pra ter suas atividades interrompidas por algum acidente bobo do dia a dia que causa grandes transtornos”, avalia Renato.
Izabella Nunes tem 8 anos e nove fraturas por conta da osteogênese imperfeita
Arquivo pessoal
O especialista explica também que existem tipos que variam o grau de gravidade da doença. Em casos graves e que são ainda mais raros, bebês podem morrer quando ainda estão no útero de suas mães. Já as formas mais conhecidas da doença, como as de Izabella e Renato, embora também sejam consideradas raras, não impedem que os pacientes tenham uma boa qualidade de vida, desde que recebam tratamento adequado.
“A osteogênese imperfeita não afeta o cérebro ou inteligência dessas crianças ou adultos. Pelo contrário, são consideradas muito inteligentes. Mas as crianças que têm múltiplas fraturas acabam apresentando baixa estatura, podem necessitar de cirurgias para correção dos ossos, ou até mesmo usarem cadeiras de rodas. Geralmente, na fase adulta, as fraturas diminuem muito devido ao ganho de massa muscular e ação dos hormônios, mas mesmo assim os ossos permanecem mais suscetíveis à fragilidade”, explica o médico.
O médico também explica que, apesar de ser uma doença genética, isso não significa que ela seja hereditária. Sendo assim, algumas pessoas podem ser as primeiras de suas famílias a desenvolverem a mutação.
Apoio para alcançar a independência
Renato Magno tem doença conhecida como ‘ossos de vidro’, mas considera que ela não o impede de levar uma vida comum, em Goiânia
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Para evitar as fraturas, Renato faz uso de medicação e diz ser extremamente cauteloso em suas atividades do dia a dia, além de também evitar hábitos sedentários e controlar a alimentação. Músico e professor efetivo da rede municipal de educação, ele pratica natação toda semana e vai trabalhar empurrando a própria cadeira para estimular os braços, já que mora a poucas quadras do serviço.
O empenho em ser cuidadoso e estratégico dá resultados, o professor se alegra ao contar que já ficou 16 anos sem sofrer nenhuma fratura.
“As pessoas se surpreendem com muitas coisas que faço, pois costumam ver a cadeira de rodas como um instrumento de limitação, mas na verdade ela me traz a liberdade de ir e vir. Quando viajei sozinho para a Europa e quando aceitei coordenar uma escola surpreendi muitos. Porém, sempre que me veem tocando bateria, os olhares de surpresa se fazem presentes. O que já não me incomoda porque gosto de quebrar o paradigma do cadeirante coitadinho”, se orgulha.
Entre os tratamentos para a doença, estão medicamentos, fisioterapia e, em alguns casos, cirurgia. “O tratamento passa por todos os cuidados para a pessoa não fraturar, como fisioterapia, medicamentos que dão vitaminas e minerais, como cálcio e vitamina D. E tem medicamentos feitos na veia das crianças, que é o Pamidronato, fornecido pela rede pública de saúde. Nesse caso a criança precisa aplicar de dois em dois meses, por dois anos”, disse Frederico.
Renato reforça que, para ele, as pessoas e instituições ao redor dele o limitam muito mais do que sua condição física.
“Não me sinto incapaz pelo fato de ter a deficiência, só me sinto em desvantagem por viver numa sociedade pensada para andantes. Eu trabalho, estudo, tenho uma esposa linda, saio com os amigos, vivo minhas aventuras e por acaso estou sentado durante tudo isso. Posso não escolher os eventos que acontecem comigo, mas tenho a possibilidade de na maioria das vezes escolher seus significados”, afirma o professor.
Renato Magno é música e professor
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