10 de outubro de 2024

Seis meses após tragédia da chuva no ES, Mimoso do Sul se recupera dos prejuízos com cooperação de voluntários

Agricultores relatam perdas e escoamento de produtos ainda é principal problema. Ação solidária das cooperativas foi fundamental para ajudar comunidades a saírem do isolamento. Cooperativa vira ponto de apoio para vítimas da chuva e voluntários em Mimoso do Sul
Seis meses após as chuvas intensas que devastaram, em março, a cidade de Mimoso do Sul, no Sul do Espírito Santo, produtores rurais ainda se esforçam para superar os prejuízos deixados pela tragédia. O município, que tem na agricultura sua principal fonte de renda, viu áreas produtivas destruídas, estradas bloqueadas e o escoamento de mercadorias severamente comprometido.
Nesse cenário de perdas, o apoio entre cooperativas e agricultores, aliado ao esforço do poder público, foi fundamental para a recuperação da cidade, que ainda está em curso.
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Um mapeamento das áreas afetadas pela inundação no município, realizado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) com outros órgãos do governo do estado, traduziu em números a extensão da tragédia.
As chuvas que atingiram o Sul do Espírito Santo no final de março afetaram treze cidades, sendo Mimoso do Sul a localidade mais afetada.
Produtores tentam se recuperar após fortes chuvas no ES
Inicialmente, o acúmulo de água divulgado foi de 300 milímetros em dois dias. Entretanto, medições em pluviômetros manuais apontaram 600 milímetros em algumas regiões, de acordo com a Defesa Civil do município.
Dez mil pessoas tiveram que deixar as suas casas em algum momento. Dezoito das vinte mortes provocadas pela enchente aconteceram na cidade, uma pessoa nunca foi encontrada.
Ponte sobre o Rio Muqui do Sul, em Mimoso do Sul, foi levada pela água da chuva, em março de 2024. Espírito Santo.
TV Gazeta
Um mapeamento das áreas afetadas pela inundação no município, IJSN com apoio do Núcleo de Operações e Transporte Aéreo da Secretaria da Casa Militar (Notaer), apontou que, na sede do município, 3.989 imóveis foram atingidos.
Um total de 2.996 casas, 12 escolas, 29 estabelecimentos de saúde, 806 comércios e 29 igrejas.
No interior, algumas das áreas mais afetadas foram os distritos atingidos foram Ponte de Itabapoana, Santo Antônio do Muqui e Conceição do Muqui. E é, justamente, na zona rural que os problemas de acesso parcial ainda existem e para onde a prefeitura volta o seu olhar.
Quatro anos para recuperar prejuízo
Propriedade do produtor rural Luciano Belloti foi tomada pela enchente de março de 2024.
Arquivo pessoal
Nascido e criado em Mimoso do Sul, o produtor rural Luciano Gonçalves Belloti, de 57 anos, é dono de uma propriedade de 45 alqueires, na comunidade de Prosperidade, onde vivem cerca de 30 famílias.
Com uma agricultura diversificada que envolve café, leite, piscicultura e criação de animais, ele estima que suas perdas cheguem a R$ 300 mil.
“Diversificar já era bom por causa do ciclo da agricultura, quando um tá ruim o outro segura. Mas agora é o que tá me ajudando depois da chuva. Eu nunca vi uma coisa como essa, a gente não perdeu familiares e amigos, mas foi uma coisa horrível”, avaliou.
Luciano enumera as perdas e, além dos seis meses que já se passaram, estima pelo menos mais três meses para voltar a produzir como antes.
“A parte pastada acabou toda, foi alagada pela água, morreu o capim e a cerca foi carregada. A água também levou alguns animais, cinco vacas foram embora, não faço ideia para onde, até tentei procurar. Eram 40 vacas, ou seja, perdi mais de 10% do que tinha, cada uma com valor de R$ 10 a 15 mil”, contou.
O tanque da piscicultura ainda está sem peixes. Apenas a granja, por ficar na parte mais alta da propriedade, resistiu.
“A piscicultura foi a parte mais afetada, nunca antes tinha chegado água no tanque, mas dessa vez passou três metros acima dele, destruindo a estrutura, aí os peixes foram embora, 15 mil matrizes. Vou gastar uns oito, nove meses no total para regularizar a situação, voltar a produzir tudo, e acho que de três a quatro anos para recuperar o prejuízo”, desabafou.
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Na comunidade de Prosperidade, no dia 22 de março, a chuva também carregou a ponte de cimento que fazia a ligação com a sede do município. Uma de madeira foi feita pelos produtores com a ajuda da Prefeitura.
Mesmo tendo 26 metros e reforçada, ela não possibilita o escoamento dos produtos como antes, mas foi o que tirou a região do isolamento e ainda é o caminho utilizado.
Cooperativa de Laticínios de Mimoso do Sul (Colamisul) auxiliou cooperados a escoarem produção após a chuva em Mimoso do Sul, Espírito Santo.
TV Gazeta
A cooperativa de leite da cidade entrou com maquinário para ajudar a chegar dentro da propriedade, retroescavadeiras ajudaram a limpar as estradas para chegar até a ponte, e mudaram o horário de pegar o leite para ajudar com a dificuldade do começo, e como não tinha como ir até o curral esperavam na ponte para fazer o transbordo.
Na primeira semana, com a área ainda isolada, Luciano perdeu toda a sua produção leiteira, que é de 400 litros/dia.
“Na rotina normal, a Cooperativa de Laticínios de Mimoso do Sul (Colamisul) busca a produção de dois e dois dias, mas no primeiro momento não tinha nem como a gente ordenhar, quanto mais chegar o caminhão. A partir da segunda semana, o caminhão começou a vir, mas a gente tinha que levar leite de trator até onde ficava a ponte, para fazer o transbordo. No começo foi difícil manter a rotina e a periodicidade, eles precisam atender todo o município, muita gente, os acessos estavam ruins. Hoje, tá tudo normalizado, mas se precisar de alguma coisa com equipamento eles ainda ajudam”, lembrou.
Impacto econômico
Deslizamentos de terra provocados pela chuva, em Mimoso do Sul, dificultaram o escoamento de produtos agrícolas. Espírito Santo.
TV Gazeta
Existem 4,5 mil propriedades rurais em Mimoso do Sul, aproximadamente, entre particulares, crédito fundiário e assentamento da reforma agrária, o que demonstra a força dos negócios rurais no município.
De acordo com o secretário de Agricultura da cidade, Felipe Matieli, o café e a agropecuária de leite são os carros-chefes da economia da cidade, que, por muitos anos, foi apelidado de ‘Economia Café com Leite’. Apenas em relação ao café, são 200 mil sacas produzidas ao ano, uma lucratividade de R$ 1 bilhão.
“No começo do ano a gente já esperava uma queda na produção de café provocada pela seca do final de 2023. O volume de água da chuva não impactou diretamente na produção, o que houve foi que algumas regiões sofreram com deslizamentos de terra em cima da plantação e com a dificuldade de escoamento das mercadorias nas semanas seguintes à tragédia”.
Entretanto, nas outras atividades agrícolas, as perdas foram maiores. Ouvimos relatos de muitas pessoas que perderam gado na enxurrada e houve problema de escoamento de leite e da banana.
“Hoje, a gente ainda tá voltando ao normal. Para se ter uma ideia, no primeiro mês, produtores de banana tiveram perda de 40% na produção, o equivalente a R$ 1 milhão, aproximadamente”, contabilizou o secretário.
Recomeçar sozinho é bem complicado…
Cooperativa de café produz se mobiliza para ajudar vítimas da chuva em Mimoso do Sul, no Espírito Santo.
Ana Elisa Bassi
Diante de todas as perdas o secretário de Agricultura reforçou a importância de toda a ajuda recebida, provenientes das esferas pública e particular, mas, apontou como o perfil rural do município foi importante no recomeço.
“Somos um município rural, as cooperativas da região foram muito prestativas. Falar dos apoios é difícil, foram muito, graças a Deus. A Colamisul, por exemplo, abrigou e abraçou a gente, e nos ofereceu toda a estrutura que tinha. Sem contar que, recomeçar sozinho é bem complicado, muitos perderam a atividade que tinham, a renda da família, e as cooperativas também fizeram um trabalho diretamente com o produtor”, disse Matieli.
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Não teve negociação, teve doação
A instituição citada pelo secretário conta com 250 cooperados. Segundo o presidente, José Antônio Martins Alves, além de concentrar as doações provenientes de várias partes do Espírito Santo e de outros estados, a cooperativa disponibilizou seu maquinário para ajudar no transporte de alimentos e na limpeza das estradas.
“Não teve negociação, teve doação, não cogitamos se o pedido seria atendido ou não, apenas demos o sim. Toda cooperativa tem em sua finalidade também uma ação social e de doação. Até hoje, estamos com um galpão parcialmente ocupado e não sei quando vão devolver, mas tudo bem! Tinha que ser assim”.
Fila de moradores atingidos pela chuva em frente a cooperativa para receber doações.
Ana Elisa Bassi
José Antônio lembrou ainda que um comitê de ação social funcionou por cerca de 15 dias, dentro da sala da diretoria e do auditório da sede da cooperativa, para alinhar como a distribuição de doações seriam feitas em geral e como os cooperados também seriam atendidos.
“Foram muitas perdas, adversidades, nos unimos ao poder público, a cooperativa repassou doações em alimentos, cestas básicas, água, apoio, transporte, maquinário. O maquinário da cooperativa ficou à disposição da prefeitura e dos cooperados por cerca de 30 dias, foram dois caminhões, trator, três retroescavadeiras levando alimento e água para onde não tinha acesso, um mês inteiro, do período da manhã até à noite”, contou.
Café, grão que saiu das mãos do produtor deu força às vítimas
Cooperativa de café produz mais de mil marmitas para vítimas da chuva em Mimoso do Sul
Outro grupo que atuou na cidade foi a Cooperativa dos Cafeicultores do Sul do Espírito Santo (Cafesul), com 180 cooperados. Com sede em Muqui, que também sofreu com as chuvas, embora em menor escala, a instituição atua em sete municípios da região sul, incluindo Mimoso do Sul, e mobilizou esforços para arrecadar doações e auxiliar os produtores locais.
“Tivemos a arrecadação de recursos, como dinheiro, roupas e alimentos, que foram direcionados para as instituições que estavam fazendo refeições e distribuição de roupas. O dinheiro arrecadado foi revertido em mais de 40 colchões, roupa de cama, fraldas descartáveis e alimentos. Doamos material de limpeza e descartáveis para as marmitas. Também ajudamos na distribuição de marmitas e nos primeiros dias de limpeza”, enumerou o vice-presidente, José Cláudio Oliveira Carvalho.
A arrecadação foi online e com os nossos colaboradores. As marmitas foram produzidas por voluntários em Muqui e levadas diariamente para Mimoso.
“Quando chegou perto do primeiro mês, a gente não levava mais a comida pronta, mas encaminhou os alimentos arrecadados para a pastoral da igreja, que cozinha ou dava a melhor destinação. Com o passar do tempo, as necessidades foram diminuindo, mas ficamos permanentemente disponíveis, até hoje, para um eventual pedido pontual”, disse.
Cooperativa de café produz se mobiliza para ajudar vítimas da chuva em Mimoso do Sul, no Espírito Santo.
José Carvalho se emocionou ao falar sobre a distribuição de café, grão que saiu das mãos do produtor para dar força e acolher quem estava precisando.
“Levamos muitas garrafas com o café pronto, no primeiro momento, depois começamos a mandar o pó de café para fazerem de acordo com a necessidade. Só na primeira semana, foram 150 kg de pó de café, mais 600 litros de café pronto por dia, que a gente entregava na igreja matriz. Depois perdemos um pouco a conta. Esse é o nosso produto, saído da nossa terra, do nosso trabalho. Foi gratificante poder ajudar inclusive com o nosso café”, contou.
Assim como José Alves, Carvalho também acredita que o princípio das cooperativas está na ideia de ajuda mútua.
“Isso está realmente no DNA de todas as cooperativas. Outras instituições também foram para Mimoso, ajudaram, quem não veio mandou bens, donativos, faziam comida. O cooperativismo tem essa importância na sociedade, sob toda propriedade privada, pesa uma hipoteca social, isso pra nós cooperativa, é muito forte, temos um compromisso de pagamento social com quem precisa”, avaliou.
Desafios e esperanças para o futuro
Chuva causa estragos em lavouras de café e plantações de bananas na zona rural do ES
Apesar dos esforços e da solidariedade entre os produtores e as cooperativas, a reconstrução total das áreas atingidas em Mimoso do Sul ainda deve levar tempo. O secretário Felipe Matieli admite que algumas áreas produtoras não poderão ser recuperadas.
“Algumas regiões perderam pastagens e áreas produtivas de forma definitiva com os deslizamentos de terra. Algumas estradas estão transitáveis, mas não completamente restauradas. O trabalho ainda continua”, disse.
Ponte improvisada feita por moradores, em abril de 2024, na região de Santo Antônio do Muqui, em Mimoso do Sul. Espírito Santo.
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Segundo o secretário, mais de 90% das estradas do interior do município foram afetadas de alguma forma.
“Temos acesso, mas ainda não é o adequado. Em algumas regiões, três meses depois da chuva, ainda não dava pra chegar. Pontes de alvenaria foram arrancadas, em alguns pontos conseguimos construir de madeira, mas que não aguentam a necessidade de caminhões passando duas, três vezes por dia. Estamos trabalhando nisso, vamos superar os impactos deixados pela tragédia”, apontou.
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