10 de outubro de 2024

‘Não vai ter quem trate desse contingente de jogadores’, diz psiquiatra de programa gratuito para viciados em bets

Dr. Aderbal Vieira Junior é responsável por ambulatório que trata gratuitamente de dependentes em apostas virtuais. O vício em jogos de azar é uma doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde 1980, mas a dependência especificamente em apostas virtuais é algo recente e é vista com preocupação pelo psiquiatra. Sites de aposta esportiva não regurizados são considerados ilegais
Getty Images (via BBC)
O psiquiatra responsável pelo ambulatório do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (PROAD/UNIFESP), Dr. Aderbal Vieira Junior, vê com preocupação o crescimento do número de apostadores de bets no Brasil.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou em 30 de dezembro de 2023 a lei que regulamentou o mercado de apostas esportivas online.
Em setembro de 2024, um levantamento do Banco Central acendeu o alerta para os impactos das bets na vida da população brasileira: 24 milhões de pessoas físicas participaram de jogos de azar e apostas online, pelo menos, com uma transferência via PIX. Dentro desse cenário, somente em agosto, 5 milhões de integrantes de famílias beneficiárias do Bolsa Família apostaram R$ 3 bilhões em bets por meio do PIX.
Um vício que se alimenta a cada deslize de dedo na tela do celular. Sem controle, a aposta virtual pode virar dependência. Atualmente, 20 dependentes (também conhecidos como jogadores patológicos) são tratados pelo PROAD, na Vila Mariana, na Zona Sul de São Paulo.
“As bets vão crescendo exponencialmente. Cada vez mais também uma certa fração desses jogadores vão ficar dependentes e vão buscar tratamento”, diz.
Para o psiquiatra, sem o aumento de quantidade de locais para tratamentos gratuitos, mais pessoas podem entrar no grupo de jogadores patológicos sem nem saberem que são dependentes. Sem um tratamento adequado, o endividamento se intensifica a cada clique.
“Não vai ter quem trate desse contingente de jogadores patológicos que vão aparecer. Foi liberado sem estrutura de tratamento capaz de administrar o que vai acontecer”, completa.
Jogos de azar
O psiquiatra conta que o ambulatório já passou por várias fases, de acordo com o jogo do momento.
“A gente já passou por tudo. Começou tratando [dependentes em] jogo de corrida de cavalo, depois pegou os bingos e depois pegou o vídeo poker. À medida que as modalidades de jogos vão se modificando, a gente vai acompanhando. Agora a grande questão é a bet, ninguém mais aposta em cavalo”.
O vício em jogos de azar é uma doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde 1980, mas a dependência especificamente em apostas virtuais e o crescimento expressivo de viciados é algo recente na sociedade, principalmente, no Brasil.
“As bets apareceram há dois anos, mais ou menos, e vão crescendo exponencialmente. Cada vez mais também uma certa fração desses jogadores vão ficar dependentes e vão buscar tratamento”, relatou o psiquiatra.
Todo apostador virtual é um dependente?
Para o psiquiatra, nem todos os jogadores vão se tornar dependentes de bets.
“Tem uma certa fatia da população que vai buscar o jogo mais por ingenuidade, por pensamento positivo, por ignorância, por suscetibilidade a propaganda. Vão perder dinheiro e vão se complicar, mas não são necessariamente jogadores patológicos. Alguns vão ter uma certa arrogância no sentido de ‘eu perdi e agora vou tentar recuperar’. Perdem mais dinheiro e depois acabam tomando um susto e caem foram. Nada disso é dependência de jogo. Só são pessoas que foram enganadas e foram ingênuas”, detalha o especialista.
“São pessoas que jogam de maneira mais disfuncional, que vão perder muito dinheiro e vão fazer dívida, mas não são necessariamente dependentes”, completa.
O psiquiatra explica que há, pelo menos, três critérios para uma pessoa ser considerada viciada em jogos virtuais:
compulsão
perda do controle de quando e quanto joga
e empobrecimento.
Tratamento
Para ser atendido pela equipe do PROAD, a pessoa deve ligar por telefone para o estabelecimento e agendar uma consulta presencial no prédio localizado na Vila Mariana, bairro da Zona Sul de São Paulo.
É feita uma triagem por especialistas que vão verificar se há algum grau de dependência em aposta virtual. A partir desse diagnóstico que o tratamento pode ser iniciado com sessões de terapias em grupo e até prescrição de medicamentos, mas o modo de interromper o comportamento compulsivo vai variar de caso a caso.
“O que a gente pretende fazer é ajudar essa pessoa a se compreender melhor, se fortalecer e à medida que ela sabe de si mesmo, da sua história e das suas motivações e suas razões, essa pessoa vai tornando dona de si mesma”, explica Dr. Ardebal.
Jogo caça-níquel Fortune Tiger, conhecido como jogo do tigrinho
Matheus Moreira
Fiscalização
Na noite da última terça (8), o Ministério da Fazenda atualizou a lista das bets autorizadas a continuar a operando no Brasil até dezembro: 213.
O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou no início de setembro a fiscalização por parte da área técnica de custos envolvidos na saúde pública.
“Com a inclusão de ações voltadas à população com vício nas bets, haverá possibilidade de um aumento significativo nos atendimentos em saúde mental realizados na Atenção Primária à Saúde e nos Centros de Atenção Psicossocial”, disse Bruno Dantas, presidente do TCU em comunicado.
Mas o governo Federal ainda não anunciou medidas práticas do que será feito para cuidar dos viciados em mercados de apostas esportivas online.
Serviço
Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo no Hospital São (PROAD/UNIFESP)
Endereço: R. Maj. Maragliano, 241 – Vila Mariana – São Paulo
Telefones: (11) 5579-1543 ou (11) 99645-8038
O tratamento é gratuito.

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