11 de outubro de 2024

Serra da Capivara, no Piauí, abriga roedor com coloração diferente

Mocó melânico é morador da região, conhecida por ser um dos habitats da espécie. Animal geralmente tem pelos claros, o que facilita a camuflagem entre as rochas. Mocó melânico registrado na Serra da Capivara, no Piauí
Waltércio Torres Correia
Há cerca de dois anos, o biólogo e guia ambientalista Waltércio Torres Correia conseguiu um feito: o registro inédito para a fauna da Serra da Capivara, no Piauí. Um mocó (Kerodon rupestris) melânico foi fotografado nas proximidades do Mirante das Mangueiras, uma área bastante visitada no parque.
Essa foi a primeira vez que um indivíduo dessa espécie com tal característica foi documentado. Geralmente os mocós têm a coloração mais clara, próximo de um bege. O biólogo não soube distinguir se esse indivíduo se tratava de uma fêmea ou um macho.
O melanismo é uma mutação que acontece no gene do animal e ela resulta em uma maior produção de melanina, pigmento responsável pela coloração escura na pele, afetando a pele, penas ou pelos, deixando a pigmentação de um organismo completa ou quase completamente concentrada.
Waltércio é guia de turismo no Parque Nacional Serra da Capivara há 31 anos e afirma ter vistos muitos mocós diferentes, mas nenhum igual a essa espécie. Até o momento, não existem outros registros ou dados sobre outras espécies de mocós que apresentavam melanismo, o que torna essa observação uma descoberta sem precedentes na biologia da fauna brasileira.
Ele explica que, por não ser um indivíduo totalmente melânico, inicialmente, acharam que poderia não se tratar de um caso de melanismo, já que também avistaram por vezes outros mocós com cores mais claras, que se assemelham ao albinismo.
Mocós com pelagem comum se camuflam facilmente nas rochas
Felipe Kenzo Aoyagui / iNaturalist
“Para mim, foi uma agradável surpresa encontrar esse animal na natureza pela sua peculiaridade, de ser um bicho totalmente diferente dos outros. Eu fiz esse registro porque me chamou atenção a cor do bicho de primeira. É um registro raríssimo. Eu acho que ninguém tem esse registro antes de mim”, diz Waltércio.
O mocó melânico foi avistado pelo guia em um dos pontos mais visitados do parque. Desde o primeiro registro, ele voltou ao local para tentar reencontrá-lo, e com sucesso: “Ele ainda está lá. Pelo que eu saiba, depois disso várias outras pessoas já viram ele lá. Todas as vezes que a gente vai visitar a gente consegue se for procurá-lo”.
A gente tem aqui alguns registros também de outros bichos em outras áreas com algumas outras características de pelagem diferentes, mas esse me chamou a atenção exatamente pela cor, porque ao correr nas rochas ele fica bem visível”, afirma o biólogo.
Waltércio explica que a maioria dos mocós usa mimetismo como uma forma de se proteger contra os inúmeros predadores, e para fugir deles, se camuflam na paisagem por conta de sua coloração, que é muito parecida com a das rochas. A identificação da espécie melânica foi facilitada justamente por sua cor, que tornava o animal mais visível, destacando-se entre os tons terrosos do ambiente.
“Aqui para a Serra da Capivara é um registro muito importante, porque a nível geral, os mocós são considerados vulneráveis ou até mesmo ameaçados de extinção por conta do território deles que está sendo cada vez mais sendo invadido, seja por derrubadas, por plantações, queimadas e a própria caça também”, destaca.
A espécie
Segundo Waltércio, os mocós são animais muito comuns na região, uma vez que essa espécie é endêmica da Caatinga, existindo somente no Nordeste brasileiro e em algumas áreas do Norte de Minas Gerais.
O Kerodon rupestris tem um nome que remete à características físicas: “Kerodon” significa “dente com chifres”, em função dos molares pontiagudos, e “rupestris” refere-se ao seu habitat rochoso.
A origem do nome “mocó” é indígena e significa “aquele que rói”, destacando sua adaptação ao ambiente semiárido. Esses animais raramente bebem água, pois se hidratam através de folhas durante a estação chuvosa e, na seca, consomem cactos como o xique-xique e o mandacaru. Sua urina é bem concentrada, o que os ajuda a excretar apenas as toxinas, marcando território com fezes e urina, sendo essa última a principal forma de demarcação.
Endêmicos da Caatinga, os mocós se alimentam de folhas, brotos, ramos, frutos, cascas de árvores, raízes e tubérculos
Weslley Lima / iNaturalist
Apesar de ser um roedor, tem uma vida longa, podendo viver de 14 a 16 anos, com um filhote de cada gestação.
São herbívoros, ou seja, alimentam-se de folhas, brotos, ramos, frutos, cascas de árvores, raízes e tubérculos de arbustos. Além disso, são excelentes saltadores e escalam rochas e galhos de árvores graças às suas unhas rígidas.
Quando se sente ameaçado, o mocó costuma emitir sons de alarme. Isso o deixa vulnerável aos caçadores, sendo esse um dos principais riscos para a sua sobrevivência.
Waltércio ainda diz que os mocós são extremamente dóceis e que conseguia se aproximar bastante deles. “Só não chega a tocar, porque nenhum mocó deixa você tocar neles, mas os mocós aqui na Serra da Capivara já são de uma geração de bichos que nunca ouviram um tiro, nunca foram perseguidos, então de modo geral eles são bem sociáveis. E eles estão lá, a gente consegue chegar bem próximo deles, finaliza”.
*Texto sob supervisão de Lizzy Martins
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