11 de outubro de 2024

Camas de trabalhadores resgatados em fazenda de Leonardo eram improvisadas com galões de agrotóxico ou tocos de madeira, diz MTE

Relatório do Ministério do Trabalho e Emprego menciona que eram usadas portas velhas, tijolos e tocos e outros objetos encontrados no local. Defesa de Leonardo diz que ele pagou indenizações e o caso foi arquivado. Cantor Leonardo é incluído pelo governo na ‘lista suja’ do trabalho escravo após fiscalização do MTE em Goiás
Montagem/g1
Os trabalhadores resgatados em condições análogas às de escravidão em uma fazenda arrendada do cantor Leonardo, em Jussara, descreveram as condições em que viviam no local. Aos fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), um deles detalhou que as camas onde eles dormiam eram improvisadas.
“[O trabalhador] dorme em uma cama improvisada com embalagens de agrotóxico, sobre as quais foi colocada uma porta de madeira”, narrou o MTE sobre um dos depoimentos.
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O MTE destacou que as camas improvisadas foram montadas com objetos abandonados que os trabalhadores encontraram na propriedade. Além dos sacos e galões de agrotóxicos, o relatório do ministério menciona que foram utilizadas portas velhas, tijolos e tocos, colchões velhos, pedaços de espuma e cobertores que eles levaram. Um dos seis trabalhadores revelou que formigas e cupins andavam por cima dele durante as noites que passou em um alojamento.
Camas improvisadas, falta de banheiros e morcegos: saiba mais sobre o alojamento de trabalhadores resgatados em fazenda de Leonardo
Os depoimentos dos funcionários foram prestados em novembro de 2023, durante uma fiscalização na Fazenda Lakanka, no noroeste goiano. Além da Fazenda Lakanka, a Fazenda Talismã, avaliada em R$ 60 milhões, também foi fiscalizada. Ela é citada no relatório do Ministério Público do Trabalho e Emprego, ao qual o g1 teve acesso, porque fica em área contígua à Lakanka e faz parte do mesmo conjunto de operações agrícolas (veja detalhes mais abaixo).
A situação dos trabalhadores resgatados só veio à tona no dia 7 de outubro, após o ministério incluir Leonardo na “lista suja”. O artista pagou R$ 94 mil em multas e R$ 225 mil de indenização aos resgatados e, em abril deste ano, o processo foi arquivado. Leonardo diz que não sabia das condições em que os funcionários viviam, pois a fazenda estava arrendada para outra pessoa. Ele lamentou a situação nas redes sociais, dizendo estar surpreso e triste.
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Camas improvisadas em alojamentos em que trabalhadores foram resgatados, na Fazenda Lakanka, em Jussara, Goiás
Reprodução/MTE
Fazenda Talismã e a área arrendada
Os trabalhadores resgatados catavam raízes na Fazenda Lakanka, que está arrendada para outra pessoa. O arrendamento ocorre quando o proprietário de uma área – no caso Leonardo – cede o local para uso por meio do pagamento de um valor acordado.
Leonardo e arrendatário: entenda a responsabilidade de cada um em fazenda onde trabalhadores foram resgatados
O documento diz que o cantor tinha como obrigação contratual entregar a área arrendada pronta para o plantio, garantindo que o solo estivesse limpo e preparado. Já o arrendatário era responsável por executar o plantio e o manejo das atividades agrícolas, uma vez que a área estivesse adequada para isso. O g1 não encontrou o arrendatário da Fazenda Lakanka para se manifestar sobre o caso até a última atualização da reportagem.
Os alojamentos de trabalhadores resgatados em fazenda de Leonardo
Por isso, embora o arrendatário tivesse responsabilidades sobre o plantio, as etapas de preparação do solo, como a catação de raízes e plantação de grama, ainda eram de responsabilidade de Leonardo, tanto em termos de execução quanto de pagamento aos trabalhadores envolvidos​.
A Fazenda Talismã, avaliada em R$ 60 milhões, é citada porque, apesar de os trabalhadores resgatados estarem na Fazenda Lakanka, as duas fazendas estão fisicamente próximas e fazem parte do mesmo conjunto de operações agrícolas. Além disso, o relatório explica que alguns dos trabalhadores encontrados na Fazenda Talismã estavam alojados em melhores condições do que os que foram resgatados da Fazenda Lakanka. Esse fato justifica a menção à Talismã, pois ela era parte da operação e empregava trabalhadores.
Outra razão de ambas as fazendas terem sido citadas pela fiscalização é que as duas estão sob o controle de Emival Eterno da Costa – nome de batismo do cantor Leonardo. O nome da fazenda Talismã homenageia um dos maiores sucessos da dupla Leandro e Leonardo, de 1990.
Trabalhadores e ‘condições precárias’
Falta de infraestrutura em alojamento dos seis trabalhadores resgatados na Fazenda Lakanka, em Goiás
Ao todo, a fiscalização identificou 18 trabalhadores nas fazenda Talismã e Lakanka. Seis foram resgatados em condições semelhantes às de trabalho escravo, e os outros 12 estavam em atividades diversas, como preparo do solo para o plantio de soja e manutenção de cercas.
Segundo o documento, apesar de também trabalharem de maneira informal, sem registro e direitos trabalhistas garantidos, as condições de vida e trabalho deles não foram consideradas tão degradantes a ponto de configurar uma situação de trabalho análogo ao de escravo.
A equipe de fiscalização verificou que existia uma infestação de morcegos, com fezes dos animais em todos os cômodos. Também havia muitas formigas no local e histórico de presença de outros animais, como cobras e escorpiões. Inclusive, no dia da inspeção, havia uma cobra morta perto do alojamento.
Os trabalhadores usavam árvores próximas para urinar e defecar, pois o banheiro do alojamento estava inoperante. Foi encontrado grande acúmulo de papel higiênico, além de fezes concentradas, em dois locais: abaixo de uma árvore nos fundos da casa e na área de bambuzal, um pouco mais longe da casa abandonada.
Como não havia chuveiros ou qualquer local para tomar banho, os empregados improvisaram uma mangueira preta amarrada à estrutura de madeira e foi ligada a uma bomba de água dentro de um poço. Segundo o relatório, os empregados tomavam choques ao acionarem o disjuntor após o banho para desligar a bomba, quando ainda estavam molhados.
Defesa diz que cantor ‘não era responsável’ por trabalhadores
No mesmo dia em que a lista foi atualizada com seu nome, Leonardo usou as redes sociais para se manifestar sobre o assunto. O cantor lamentou a situação dizendo que não sabia do que estava acontecendo, já que arrendou a terra. Ele também reforçou que ‘jamais faria isso’.
Paulo Vaz, advogado do cantor Leonardo, falou ao g1 que a inclusão do nome do artista na “lista suja” causou “estranheza”. Isso porque, desde 22 de agosto de 2022, a área em questão está arrendada para outra pessoa realizar o cultivo de soja, não sendo, portanto, de responsabilidade de Leonardo a gestão dos funcionários envolvidos.
Segundo a defesa do cantor, quando o Ministério Público do Trabalho se manifestou, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado, e “todos os problemas foram resolvidos”, mesmo sem serem de responsabilidade direta de Leonardo, dado o arrendamento da fazenda. A defesa de Leonardo informou que “estão sendo tomadas as medidas necessárias para remover o nome de Leonardo da lista mencionada”.
O Ministério do Trabalho e Emprego explicou que a “lista suja” é atualizada semestralmente e visa dar transparência aos atos administrativos decorrentes das ações fiscais de combate ao trabalho análogo à escravidão. A inclusão de pessoas físicas ou jurídicas na lista ocorre somente após a conclusão do processo administrativo que julga o auto específico de trabalho análogo à escravidão. O nome de cada empregador permanecerá publicado por um período de dois anos.
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