12 de outubro de 2024

‘Não podemos nos acomodar’; TCE-PE continua trabalho para que lixões do estado não sejam reativados

Em Pernambuco, no mês de março de 2023 o Tribunal de Contas de Pernambuco anunciou o fechamento de todos os lixões do Estado. Esse foi o desfecho de 10 anos de trabalho em parceria com instituições como o Ministério Público de Pernambuco e a Agência Ambiental do Estado (CPRH). Lixão de São Domingos
Reprodução
O marco legal do saneamento básico, lei 14.016 de 2020 , fixou o dia 02 de agosto de 2024 como a data limite para que municípios de todo o país acabassem com os lixões a céu aberto e destinassem o resíduos sólidos conforme a legislação brasileira.
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Mas na realidade, dados do Sistema Nacional de Informações Sobre o Saneamento Básico (SNIS), mostram que ainda há muito a se avançar no país quando o assunto é o tratamento do lixo urbano. As informações mais recentes do SNIS 2023, se referem a base de dados do ano de 2022 e mostram que naquele momento 1.593 cidades ainda estavam depositando o lixo em lixões a céu aberto.
Outros 636 municípios depositavam em aterros controlados, uma estrutura que está entre o lixão e o aterro sanitário em que o lixo é coberto por terra. 256 cidades não informaram ao Governo Federal como lidam com os resíduos sólidos. Mais da metade dos municípios brasileiros informaram que o lixo vai para aterros sanitários, seguindo a lei.
Dados obtidos no SNIS sobre destinação de resíduos sólidos nos municípios
Arte g1
PERNAMBUCO ACABOU COM OS LIXÕES
Em Pernambuco, no mês de março de 2023 o Tribunal de Contas de Pernambuco anunciou o fechamento de todos os lixões do Estado. Foi o desfecho de uma década de trabalho em parceria com instituições como o Ministério público de Pernambuco e a Agência Ambiental do Estado (CPRH), que culminou com o fim desses espaços.
Nesse período foram elaboradas estratégias para provocar os municípios a fim de destinar corretamente os resíduos sólidos. O TCE-PE capacitou gestores e fiscalizou prefeituras, chegando instaurar 112 processos de auditoria especial para apurar responsabilidades, emitindo 38 multas, além de 62 autos de infração.
A atuação do Tribunal de Contas de Pernambuco serviu como referência para outros Estados do país, como Paraíba, Sergipe, ceará, Rio Grande do Sul e Tocantins que tiveram palestras com representantes do Tribunal de Contas Pernambucano sobre a estratégia usada para conseguir eliminar a presença de lixões nos 184 municípios pernambucanos (veja vídeo abaixo).
Represenbtante do TCE-PE fala sobre as etapas para eliminar os lixões
O Ministério Público também atuou para cobrar a ação dos municípios no tratamento correto dos resíduos sólidos. Entre 2020 e 2021 foram firmados 75 acordos de Não Persecução Penal (ANPP) com prefeituras, que se comprometeram a acabar com lixões, cuidar das áreas degradadas, empregar catadores e destinar o lixo para aterros sanitários. Em caso de descumprimento do acordo, o MPPE abriria investigação contra crimes ambientais.
Em Pernambuco, desde 2000 foi criado o ICMS ambiental, que previa o repasse de 4% do imposto para municípios que destinam o lixo para aterros sanitários, prevendo a responsabilização do gestor que deixar de recolher o imposto por improbidade administrativa por renunciar a receita do ICMS.
A Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) também simplificou a parte burocrática para agilizar a liberação de aterros sanitários e vem monitorando o descarte de resíduos em aterros no Estado para identificar se há diminuição na quantidade de resíduos nos aterros, o que pode indicar que o lixo poderia estar sendo jogado em lixões novamente. Esse cuidado se soma ao incentivo aos municípios com orientações sobre a importância da coleta seletiva (veja vídeo abaixo).
Alberto Viana, Analista da CPRH
Em agosto de 2024, o esforço de Pernambuco para acabar com os lixões a céu aberto e destinar corretamente os resíduos sólidos foi premiado. O estado foi o vencedor do prêmio Excelência em Competitividade com o projeto “Pernambuco Verde: Lixão Zero”, durante o XIII Congresso Consad em Gestão Pública. A iniciativa esteve na disputa pela categoria “Destaque Boas Práticas”.
O governo do Estado reconheceu a importância da parceria com instituições como o Tribunal de Contas do Estado e o Ministério Público de Pernambuco. A secretária de Meio Ambiente de Pernambuco, Ana Luiza Ferreira, falou sobre a perspectiva de ações futuras.
“Esse reconhecimento também é fruto da dedicação dos servidores públicos de Pernambuco em benefício do meio ambiente. Outras iniciativas, como o Permeie, Plano Pernambucano de Mudança Econômico-Ecológica, irão desenvolver novas ações socioambientais no Estado”, afirmou.
UM DOS ÚLTIMOS LIXÕES A FECHAR
Em maio de 2022 a equipe de reportagem da TV Asa Branca visitou um dos últimos lixões de Pernambuco que ainda funcionava e encontrou catadores de materiais recicláveis trabalhando em meio a animais e disputando com porcos e urubus, materiais que pudessem ter algum valor para servir à reciclagem.
O local ficava em Brejo da Madre de Deus, no Agreste do estado, distante 200 quilômetros do Recife. Nesse cenário, chamou atenção a presença de Roseane de Freitas, então com 38 anos, mãe de 5 filhos e grávida de 3 meses. Trabalhando sem equipamentos de proteção, ela se preocupava com os riscos do lugar insalubre e com a fonte de sustento da família. “Eu fico preocupada se não tiver serviço para fazer, mas se tiver, tô de dentro”, afirmou Roseane (veja vídeo abaixo).
ARQUIVO: Mãe fala sobre gravidez enquanto trabalha em lixão
Em dezembro, após recomendação do Tribunal de Contas de Pernambuco, a prefeitura fechou definitivamente o lixão e colocou equipes de fiscalização para evitar que o lixo fosse jogado nessa área que passou por recuperação ambiental.
Cerca de 30 toneladas diárias recolhidas em Brejo da Madre de Deus passaram a ser levadas para o Centro de Tratamento de Resíduos no município de Caruaru, um empreendimento privado que recebe os resíduos de municípios do agreste cumprindo a legislação ambiental.
A prefeitura informou que ofereceu capacitação aos catadores de materiais recicláveis e creche para os filhos dos profissionais. Segundo Fillipy Calumby, Secretário de Obras e Planejamento, foram necessários dois anos para executar o planejamento de mitigar os impactos ambientais e sociais dos lixões.
Atualmente, do ponto de vista ambiental, os espaços estão reflorestados. Já no lado social, as famílias que dependiam do local para conseguir sobreviver receberam auxílios do poder público (veja vídeo abaixo).
Secretário de Obras de Brejo da Madre de Deus fala sobre lixões desativados
O EXEMPLO DE SAIRÉ
O município de Sairé, no Agreste de Pernambuco, distante 190 quilômetros do Recife, se tornou uma referência para outros municípios de mesmo porte quando o assunto é cuidado em relação aos resíduos sólidos. Acabar com o lixão foi o primeiro passo a ser adotado pelo município que hoje tem 10.887 habitantes, mas logo em seguida veio a necessidade de incluir as famílias dos catadores de materiais recicláveis em um novo cenário que aliasse o cuidado ao meio ambiente à necessidade econômica dos catadores.
Em 2008 surgiu a Cooperativa Estadual de Catadores Profissionais (COESCAP). A entidade, que hoje tem 22 profissionais cadastrados, consegue reaproveitar, por meio da triagem e separação para a reciclagem, cerca de um terço de todo o lixo que é coletado na cidade de Sairé. A cooperativa opera em uma célula de aterro sanitário licenciada pela CPRH.
Cooperativa Estadual de Catadores Profissionais
Reprodução
A Unidade de Triagem e Compostagem conta com aterro sanitário com drenagem de chorumes e separação de resíduos feita por profissionais treinados com todos os catadores registrados com acesso a programas sociais, refeições, equipamentos de proteção individual e condições de trabalho que atendem as legislações trabalhistas.
“Em nossa operação, de todo o material que recebemos, conseguimos reciclar cerca de 30%. A outra parte não conseguimos aproveitar devido à falta de coleta seletiva e ao descarte inadequado dos resíduos. Muitas vezes, o lixo chega misturado com lixo comum ou de banheiro, o que contamina o material e inviabiliza a reciclagem” disse Dayton Barbosa, presidente da COESCAP.
Todo o lixo que a prefeitura coleta é entregue a COESP e eles são pagos pelo serviço. A partir disso, eles fazem a separação do que tem potencial de reciclabilidade. O que não pode ser reciclado é encaminhado ao aterro sanitário, também dentro da unidade.
Para o representante da Universidade Federal de Pernambuco, José Fernando Thomé Jucá, do departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Pernambuco conseguiu encerrar todos os lixões do estado, e hoje todos os resíduos são destinados para 23 aterros sanitários.
“Isso é um grande avanço, fruto de um trabalho que começou há muitos anos e foi concluído no ano passado. No entanto, agora precisamos iniciar a segunda etapa: a valorização dos resíduos. Embora o aterro sanitário seja uma solução, ele ainda é um dos principais emissores de gases de efeito estufa.”

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