15 de outubro de 2024

Órgãos infectados por HIV: o que se sabe e o que falta saber

Laboratório é investigado por exames que deram falso negativo para HIV em 2 doadores de órgãos, o que levou 6 pacientes transplantados a serem infectados. Preso o sócio do laboratório que atestou para transplantes orgãos infectados com o vírus HIV
A Polícia Civil do Rio de Janeiro iniciou nesta segunda-feira (14) uma operação que investiga o laboratório PCS Lab Saleme. A empresa é apontada como responsável pelo erro que provocou a infecção por HIV em seis pacientes após o transplante de órgãos infectados.
Os alvos dos mandados de prisão são investigados por:
crime contra as relações de consumo;
associação criminosa;
falsidade ideológica;
falsificação de documento particular
infração sanitária.
Os advogados que representam o laboratório PCS Lab Saleme informaram que os sócios da empresa “prestarão todos os esclarecimentos à Justiça” (leia mais abaixo).
Veja abaixo perguntas e respostas sobre o caso.
Quem foi preso?
Até a última atualização desta reportagem, a Operação Verum prendeu dois dos quatro investigados no caso. Os suspeitos são:
Walter Vieira, ginecologista e sócio do laboratório PCS Lab Saleme;
e Ivanilson Fernandes dos Santos, apontado como um dos responsáveis pelo laudo que atestou a segurança dos órgãos transplantados.
Quem são os donos do laboratório?
O laboratório Patologia Clínica Doutor Saleme (PCS-Saleme) tem como sócios parentes do ex-secretário de Saúde Doutor Luizinho, que chegaram a fazer campanha para o deputado federal e líder do PP na Câmara. São eles:
Walter Vieira, casado com a tia do deputado;
e Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, primo de Luizinho.
Luizinho deixou a secretaria três meses antes do laboratório ser contratado. Em nota, o deputado disse que jamais participou da contratação de qualquer laboratório e lamentou o ocorrido.
Quem assinou os testes com resultados errados?
Os exames nos órgãos do primeiro doador foram assinados por Walter Vieira, sócio do laboratório.
O segundo foi assinado por Jacqueline Iris Bacellar de Assis. O RJ2 checou no site do Conselho Regional de Biomedicina, e o número apontado no exame é de outra profissional. Pelo nome, o Conselho informou que Jaqueline e o laboratório não têm registro no conselho.
Como o caso foi descoberto?
O caso foi descoberto em 10 de setembro, quando um paciente que fez um transplante de coração foi ao hospital com sintomas neurológicos e teve o resultado para HIV positivo – ele não tinha o vírus antes.
A partir daí, as autoridades refizeram todo o processo e chegaram aos exames feitos pelo PCS Lab Saleme com resultado falso negativo.
Quantos pacientes testaram positivo para HIV?
Seis pessoas foram infectadas a partir de 2 doadores que tiveram exames com falsos negativos no laboratório.
Quando foram as coletas e doações?
Em 23 de janeiro deste ano, um paciente de 28 anos morreu no Hospital Municipal Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, e teve doados os rins, o fígado, o coração e a córnea. Todos foram testados, segundo o laboratório PCS, e deram não reagentes para HIV.
Sempre que um órgão é doado, uma amostra é guardada. A SES-RJ, então, fez uma contraprova do material e identificou o HIV.
Em paralelo, a pasta rastreou os demais receptores e confirmou que as pessoas que receberam 1 rim cada também deram positivo para o HIV. A que recebeu a córnea, que não é tão vascularizada, deu negativo. A que recebeu o fígado morreu pouco depois do transplante, mas o quadro dela já era grave, e a morte não teria relação com o HIV.
No dia 3 de outubro, mais um transplantado também apresentou sintomas neurológicos e testou positivo para HIV. Essa pessoa também não tinha o vírus antes da cirurgia.
Cruzando os dados, chegaram a outro exame errado, o de uma doadora no dia 25 de maio deste ano.
A mulher de 40 anos, morreu no Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo, e doou os dois rins e o fígado. Os exames na PCS haviam dado negativo, mas a contraprova constatou que os três receptores dos órgãos dela haviam sido infectados.
Há chance de ter mais casos?
A hipótese é investigada. A secretaria informou que todos os exames de sorologia dos doadores desse laboratório foram transferidos para o HemoRio, uma unidade de saúde estadual, que vai retestar o material armazenado de 286 doadores.
A polícia investiga ainda se o PCS Lab Saleme falsificou laudos em outros casos além dos transplantes. A unidade atendia outras 10 unidades de saúde estadual.
Há outros casos no país? Transplantes são seguros?
Segundo especialistas, o transplante de órgão é seguro, e o caso de infecção por HIV é inédito no país. Só no RJ, o sistema de transplantes funciona desde 2006 e já salvou mais de 16 mil vidas, como apontou a secretária estadual de Saúde, Cláudia Mello.
Segundo médicos infectologistas ouvidos pelo g1, o risco de infecção como resultado de um transplante de órgão é baixo:
Isso porque o processo de rastreamento infeccioso é extremamente criterioso no Brasil, abrangendo não só o HIV, mas também hepatites, além de doenças bacterianas e virais.
No SUS, o sistema de transplantes é um dos que funciona com excelência.
Saiba mais sobre a triagem e sobre os transplantes no país.
O que diz o laboratório?
Em nota, o PCS Lab diz que abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades do caso e que “trata-se de um episódio sem precedentes na história da empresa, que atua no mercado desde 1969”.
A nota diz ainda que “o PCS Lab dará suporte médico e psicológico aos pacientes infectados com HIV e seus familiares; e reitera que está à disposição das autoridades policiais, sanitárias e de classe que investigam o caso”.
Como se deu a contratação do laboratório?
O PCS Lab Saleme foi contratado pela Secretaria de Saúde em dezembro do ano passado, em um processo de licitação via pregão eletrônico no valor de R$ 11 milhões, para fazer a sorologia de órgãos doados. A empresa já tinha outros contratos com a Fundação Saúde, órgão da SES-RJ.
O diretor-geral da Central Estadual de Transplantes, Alexandre Cauduro, escreveu em um ofício interno na quarta-feira (9) que a atual gestão da central não foi consultada ou ouvida durante todo o processo licitatório do laboratório PCS Lab Saleme, nem participou da elaboração do contrato.
O diretor ressaltou que na única oportunidade que teve de se manifestar sobre o processo licitatório, para atestar a qualificação técnica do laboratório, questionou a sua habilitação, uma vez que, segundo Alexandre Cauduro, não foram apresentados os documentos necessários para avaliação.
Foi a Fundação Saúde, órgão ligado à Secretaria Estadual de Saúde, quem atestou o laboratório como habilitado para prestar serviço ao governo, de acordo com um documento de outubro do ano passado.
O Ministério Público vai apurar “possíveis irregularidades na licitação, em decorrência dos vínculos mencionados”.
O que se sabe até agora sobre os falsos negativos?
O caso ainda está com investigação preliminar e não há uma conclusão.
A Anvisa afirmou que o PCS não tinha kits para realização dos exames de sangue nem apresentou documentos comprovando a compra dos itens, o que levantou a suspeita de que os testes podem não ter sido feitos e que os resultados tenham sido forjados.
O laboratório nega, e diz que usava os kits de acordo com orientação das autoridades de saúde.

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