18 de outubro de 2024

Comandantes das PMs querem mudanças pontuais em decreto que regula uso da força pela polícia

Novas regras preveem, por exemplo, que o policial registre por escrito a identidade de cada pessoa revistada, os motivos para a revista e o nível de força empregada. Mudanças pedidas pelos PMs serão discutidas em um grupo de trabalho. O secretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Mario Sarrubbo, se reuniu com comandantes-gerais das Polícias Militares nesta quarta (16), em São Paulo, para discutir o decreto que o governo federal prepara para regular o uso da força pelas polícias de todo o país.
Os comandantes das PMs pediram mudanças em tópico do texto que trata das buscas pessoais, conhecidas como “enquadro” ou “baculejo”. As novas regras preveem que o policial registre por escrito a identidade de cada pessoa revistada, os motivos para a revista e o nível de força empregada.
Segundo os policiais, porém, esse procedimento é inviável em situações de multidão — por exemplo, durante o controle de membros de torcidas em estádios de futebol.
Também houve críticas pontuais à exigência de que os “enquadros” se baseiem em “fundada suspeita”, e não apenas em percepções subjetivas dos policiais. O texto proposto pelo ministério especifica as situações que configuram “fundada suspeita” (veja detalhes abaixo).
As mudanças pedidas pelos PMs serão discutidas em um grupo de trabalho criado pelo Ministério da Justiça para elaborar o texto, informou Sarrubbo ao g1. A ideia é que o texto final esteja pronto e seja enviado à Casa Civil em novembro.
O decreto tem o objetivo de atualizar uma portaria sobre uso da força editada pelo Ministério da Justiça em 2010. Ele traz diretrizes para as situações em que os policiais devem empregar arma de fogo, para o planejamento de grandes operações, como em favelas, para o uso de algemas e para abordagens e revistas pessoais.
“O uso da força é sempre visto com restrição por muitos profissionais da segurança pública na medida em que eles avaliam um decreto regulamentador como algo que pode inibir a atuação do policial lá na ponta”, diz Sarrubbo.
“Não obstante alguma resistência, nós entendemos que a regulamentação é necessária, na medida em que valoriza o profissional da segurança pública, dando inclusive mais segurança para que ele possa atuar nos momentos em que esteja numa operação, numa ação específica.”
O comandante-geral da PM de São Paulo, coronel Cássio Araújo de Freitas, que participou da reunião com Sarrubbo, afirma que muitas das diretrizes já são cumpridas pelas polícias há anos, incluindo a questão da “fundada suspeita” para a realização de revistas pessoais.
“Nós estamos sendo ouvidos, os pontos de vista estão sendo discutidos. O texto vai evoluir e vai ficar bom para dar segurança jurídica ao policial que trabalha”, afirma o coronel.
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Dinheiro para os estados
As novas diretrizes não serão impostas aos estados, que têm autonomia para administrar a segurança pública. Os estados são responsáveis pelas Polícias Militares, Civis e penais (que atuam em presídios).
Contudo, o decreto vai prever que os governadores que quiserem recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional “para ações que envolvam o uso da força” — ou seja, para comprar armas, munição e instrumentos não-letais — terão que seguir as regras federais.
O decreto servirá também para as guardas civis municipais, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Penal Federal.
Ainda não há data para a publicação do decreto, que deverá ser assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Veja abaixo alguns dos principais trechos que constam da minuta em discussão no Ministério da Justiça:
Emprego de arma de fogo
Neste tema, os principais pontos da portaria de 2010 devem ser mantidos. Veja o detalhamento abaixo:
Quando atirar
🚨Como deve ficar: “O emprego de arma de fogo constitui medida de último recurso.”
🚨Como é hoje: “Os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave.”
Pessoa em fuga
🚨Como deve ficar: Os policiais “não deverão utilizar arma de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos profissionais de segurança pública ou a terceiros”.
🚨Como é hoje: “Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.”
Carro que fura bloqueio
🚨Como deve ficar: Os policiais “não deverão utilizar arma de fogo contra veículo que desrespeite ordem de parada ou bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão a terceiros ou aos próprios profissionais de segurança pública”.
🚨Como é hoje: “Não é legítimo o uso de armas de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, a não ser que o ato represente um risco imediato de morte ou lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.”
Abordagem
🚨Como deve ficar: Os policiais “não deverão apontar arma de fogo em direção a pessoas durante os procedimentos de abordagem como prática rotineira e indiscriminada”.
🚨Como é hoje: “O ato de apontar arma de fogo contra pessoas durante os procedimentos de abordagem não deverá ser uma prática rotineira e indiscriminada”.
Gerenciamento de crise (grandes operações)
Esse tópico foi incluído nas diretrizes de uso da força para cumprir uma sentença de 2017 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil por violência policial no caso das chacinas registradas na favela Nova Brasil, no Rio, em 1994 e 1995.
🚨Como deve ficar: Os órgãos de segurança pública deverão “planejar estrategicamente as operações”, “utilizar equipamentos de gravação audiovisual nas operações, sempre que possível”, e “documentar e justificar as ações e as decisões tomadas durante as operações”.
🚨Como é hoje: Não há diretrizes na portaria de 2010.
Busca pessoal
As diretrizes relativas a esse tema foram elaboradas para adaptar a prática policial a decisões recentes da Justiça, como a de um habeas corpus julgado em 2022 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O tribunal decidiu que é ilegal a busca pessoal ou veicular, sem mandado judicial, motivada somente pela impressão do policial sobre a aparência ou a atitude do alvo.
Para ser legal, a busca — conhecida como “enquadro” ou “baculejo” — precisa partir de uma “fundada suspeita”.
‘Baculejo’
🚨Como deve ficar: O policial deve:
➡️”informar à pessoa submetida à busca as razões para a revista e seus direitos”;
➡️”limitar ao mínimo necessário o escalonamento da força durante a busca, de forma proporcional à resistência apresentada pela pessoa”; e
➡️”registrar a identidade da pessoa, as razões para a realização da busca pessoal e o nível de força empregada”.
🚨Como é hoje: Não há diretrizes na portaria de 2010.
‘Fundada suspeita’
🚨Como deve ficar: “A fundada suspeita é uma situação caracterizada por indícios especificamente relacionados a: posse de armas e posse de outros objetos que possam constituir corpo de delito.”
O texto diz também que “não são considerados como elementos suficientes para caracterizar fundada suspeita parâmetros unicamente subjetivos ou não demonstráveis de maneira clara”.
🚨Como é hoje: Não há diretrizes na portaria de 2010.
Uso de algemas
As diretrizes sobre algemas, que não existiam na portaria de 2010, foram criadas para ajustar a norma a leis e decretos recentes e também a uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF).
🚨Como deve ficar: O uso de algemas deve ser “excepcional” e apenas em casos em que haja “resistência à ordem legal”, “fundado receio de fuga do preso” e “perigo à integridade física própria ou alheia”.
🚨Como é hoje: Não há diretrizes na portaria de 2010.

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