18 de outubro de 2024

Execução de homem em oficina seria parte de ‘ritual de batismo’ das forças especiais da PM, diz investigação

Morte de Jaimeson Alves da Rocha teria sido forjada e ocorreu pouco menos de um mês depois da formatura de dois dos policiais investigados e afastados do cargo. Polícia Civil cumpriu 14 mandados contra suspeitos em operação. Jaimeson Alves da Rocha foi morto em uma oficina da região sul de Palmas em junho de 2024
Divulgação/TV Anhanguera
A morte de Jaimeson Alves da Rocha, de 35 anos, supostamente forjada com a participação de cinco PMs e de um inspetor da Guarda Metropolitana de Palmas (GMP), teria sido realizada em uma espécie de ‘ritual de batismo’. Crimes dessa natureza ocorriam para receber novos integrantes nas divisões especiais da corporação, segundo investigação da Polícia Civil.
Uma decisão da 1º Vara Criminal de Palmas autorizou o cumprimento de 14 mandados contra os suspeitos na manhã de terça-feira (15). Todos investigados foram afastados, tiveram as armas recolhidas, suspensão do porte de arma e foi determinado o uso de tornozeleiras eletrônicas.
“Objetivo dessa sádica liturgia é submeter os novos membros a situações de conflito com marginais de considerada periculosidade, buscando intencionalmente o confronto armado, que, muitas das vezes, dá-se de maneira forjada, exatamente como o ocorrido no caso que aqui se apura. Nesse contexto, Jaimeson surge como uma figura perfeita para as pretensões dos militares”, pontuou trecho do inquérito que apurou a morte.
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O crime aconteceu no dia 18 de junho deste ano, em uma oficina mecânica localizada no Jardim Aureny III, região sul de Palmas. Os militares, na abordagem, fizeram com que todos saíssem do local e, segundo o inquérito, há indícios de que teria ocorrido um confronto para justificar a morte.
Os investigados são:
Wanderley da Silva Junior – sargento da PM e comandante da viatura que realizou a abordagem;
Lilton Pinto Cardoso Lima – cabo da PM que participou da abordagem;
Willian Tiago Lopes e Danilo Henrique Rocha Filgueiras – membros novatos do grupo de Rondas Ostensivas Táticas Metropolitana (Rotam);
Adeone Antônio Bernardo de Jesus -cabo da PM e membro da inteligência do Batalhão de Choque;
Emanuel Portinari Ferreira Lima – inspetor da Guarda Metropolitana.
O advogado Paulo Roberto, que se identificou como defensor dos cinco policiais militares, afirmou que ainda não teve acesso aos autos “tão logo eu tenha acesso a todos os elementos do processo, informo quais serão as atitudes que tomaremos”.
O advogado João Fernando, que se identificou como advogado do guarda metropolitano, afirmou que ainda não teve acesso integral ao inquérito e que só se manifestará após o acesso integral ao conteúdo.
Em nota, a Polícia Militar afirmou que colaborou com o cumprimento dos mandados e acompanhou o cumprimento da ordem judicial, com um oficial presente em todos os locais que foram alvos da operação. Também lamentou o pedido de busca e apreensão nas dependências do quartel, pois as armas e os depoimentos dos policiais foram colhidos no ato da apresentação da ocorrência na delegacia. (Veja íntegra ao final da reportagem)
Veja quem são os policiais e o guarda metropolitano suspeitos de executar homem em oficina e forjar troca de tiros
Suposto batismo e homenagem
Para a Polícia Civil, a morte seria um ‘batismo’ para Willian Tiago e Danilo Henrique, membros que entraram na Rotam em 23 de maio de 2024. A formatura da turma foi amplamente divulgada pela corporação na época.
Ficou apurado que o ritual teria o objetivo de “celebrar e consumar a integração de um militar a um grupo de elite”, e que geralmente acontece logo após a formatura. A abordagem que resultou na morte de Jaimeson aconteceu pouco menos de um mês antes e com a presença dos militares novatos.
Também foi considerado no inquérito que uma canção relacionada à Operação Canguçu, realizada na região de Pium, no oeste do estado, comemorava a formatura. Na operação, forças de segurança mataram 18 suspeitos de envolvimento com crimes de novo cangaço e domínio de cidades.
Os criminosos mortos assaltaram estabelecimentos na cidade de Confresa, no Mato Grosso, e fugiram para o Tocantins, em abril de 2023 e terminaram quase 40 dias depois.
Veja trechos da canção de comemoração na formatura de grupo policial:
“[…] Vieram para o Tocantins!/ Daqui saíram no caixão!/ E que fiquem de exemplo!/ E que fiquem de lição!/ O solo tocantinense!/ É remoso para ladrão […]”
“[…] O giro trincou também/ O GOC mandou pro espaço/ O BOPE mandou pro além/ A Rural frustrou o plano/ De fuga dos marginais/ Junto com a FT/ Mandou dois pro satanás/ O CODE matou mais um/ O outro foi do GRAER/ Teve um que lá virou/ Comida de jacaré […]”
O inquérito apontou que a demonstração dos militares ‘desvirtua’ o trabalho da Polícia Militar, já que há exaltação de situações que levaram à morte de pessoas.
“Tais cânticos trazem em seu bojo a ideia que a ação policial frutífera é aquela que tem seus alvos mortos”, ressalta trecho da investigação que analisou a conduta dos miliares que participaram da abordagem que resultou na morte de Jaimeson.
Além do caso, a polícia ainda afirmou que há outras investigações em curso que podem ter relação com a suposta prática de iniciação dos novos militares às forças especiais da Polícia Militar.
“Depois do dia 23 de maio, dia do fim do curso, a ação que vitimou Jaimeson é uma de tantas outras que estão sendo investigadas nesta Divisão de Polícia, por conta da presença de indícios claros de execução. Todas, a princípio, fruto dessa insana ‘formalidade’ de inclusão”, destacou trecho do inquérito.
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Promoção
Além desse suposto batismo, instaurado dentro da corporação militar, segundo a Polícia Civil, Wanderley da Silva Junior, sargento da PM e comandante da viatura que realizou a abordagem, foi promovido a sargento dentro do Batalhão de Choque (BPChoque) dois dias depois da morte de Jaimeson.
A publicação da promoção saiu no Diário Oficial do dia 27 de junho, mas foi assinado pelo comandante da PM no dia 20. No documento, o novo sargento e outros militares receberam novas patentes pelo critério de bravura.
Relembre a abordagem
Imagem de câmera de segurança mostra movimentação de PMs em oficina no Aureny III
Reprodução
Conforme as investigações, em novembro de 2023, Jaimeson teria se envolvido em uma briga com militares e na ocasião chegou a ser baleado. Ele chegou a ser preso e pouco tempo depois começou a ser monitorado por um PM da inteligência do Batalhão de Choque e pelo guarda municipal, que acessava o sistema de câmeras da prefeitura para repassar informações aos policiais sobre a rotina da vitima. Conforme a investigação, o monitoramento durou pelo menos nove dias.
Eles usaram câmeras de monitoramento da Prefeitura de Palmas, do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), da Secretaria Municipal de Segurança e Mobilidade Urbana de Palmas (SESMU) para ver por quais vias a motocicleta de Jaimeson passava pela cidade.
No dia do crime, Jaimeson parou na oficina para consertar a moto, quando foi abordado pelos militares. Seis tiros foram disparados no local, três deles atingiram Jaimeson. A suspeita é que a desavença de 2023 tenha motivado o crime.
Homem morreu após troca de tiros com a Rotam na região sul de Palmas
Divulgação/Kaliton Mota/TV Anhanguera
Para a Justiça, os laudos periciais, declarações colhidas pela autoridade policial e imagens das câmeras de segurança do local do crime, confirmam a existência de prova para a execução. Três dos investigados confirmaram ter atirado contra a vítima, alegando que o fizeram porque Jaimeson, ao ser abordado, sacou uma arma, indicando um possível confronto.
Mas segundo a investigação, os suspeitos também teriam plantado um revólver perto da vítima para simular que houve reação agressiva por parte do homem abordado.
Um laudo apontou que Jaimesson foi atingido por dois disparos no tórax que ficaram alojados no corpo e outro disparo no ombro, que transpassou a vítima e ficou fixado na parede.
Uma arma encontrada perto do corpo da vítima foi periciada pelo Laboratório de Genética da Polícia Civil do Tocantins e conforme laudo, o contato de Jaimeson com a arma se deu de maneira forçada e quando já estava sem vida.
Veja o que diz a PM e a Prefeitura de Palmas
Nota da Polícia Militar
Polícia Militar do Tocantins tomou conhecimento de que na manhã desta terça-feira, a Polícia Civil esteve no Quartel do Batalhão de Polícia de Choque (BPCHOQUE) para cumprimento de mandados de busca e apreensões em armários de cinco policiais que estão sendo investigados pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoas (DHPP), por terem, segundo investigações consignadas em Inquérito Policial, praticado homicídio contra um indivíduo, na região Sul da capital Palmas, em junho deste ano de 2024, durante um cumprimento de mandado de prisão por crimes de tráfico, roubo, porte ilegal de armas e associação ao tráfico.
A PMTO colaborou com os trabalhos do cumprimento de mandados de buscas e apreensões, por meio da Corregedoria, e acompanhou o cumprimento da ordem judicial, com um oficial presente em todos os locais que foram alvos da operação.
A Polícia Militar lamenta o pedido do Delegado que preside o Inquérito da busca e apreensão nas dependências do Quartel, haja vista que as armas e os depoimentos dos policiais foram colhidos no ato da apresentação da ocorrência na Delegacia de Polícia (Depol).
Na oportunidade, a Polícia Militar do Tocantins ratifica seu compromisso com a legalidade e reforça o seu compromisso com a lei, a ordem e a ética, destacando ainda que repudia ilações ou suposições que envolvem o caso veiculadas sem a devida comprovação e que irá colaborar no que for necessário durante as investigações.
Nota da Prefeitura de Palmas
A Prefeitura de Palmas, por meio da Secretaria de Segurança e Mobilidade Urbana (SESMU), informa que desde que teve conhecimento da investigação está colaborando com a Polícia Civil no caso do suposto envolvimento de um agente da Guarda Metropolitana de Palmas que culminou na morte de uma pessoa no bairro Jardim Aureny III, em junho deste ano. Contudo, a SESMU não teve acesso à íntegra dos autos, mas, sendo confirmada a participação do agente, a pasta tomará todas as medidas cabíveis para apurar possíveis desvios de conduta e aplicar as sanções dentro do que determina a legislação. Cumpre ressaltar que a gestão permanece à inteira disposição das autoridades policiais para quaisquer esclarecimentos ou envio de informações.
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