18 de outubro de 2024

Remoção de ovos, discriminação de filhotes e abandono do ninho: as estratégias de aves hospedeiras para evitar parasitas de ninhada

Consequências para pais adotivos podem ser perder ovos e até filhotes por conta da competição por alimento. Vídeo mostra tordo-americano removendo ovo de chupim do ninho
Ao mesmo tempo em que o parasitismo obrigatório de ninhada evoluiu entre as aves, os hospedeiros também desenvolveram formas de evitar a presença dos filhotes “postiços”. Nessa “guerra evolutiva” entre espécies, ganha aquela que for mais astuta.
No vídeo acima, um tordo-americano, da espécie Turdus migratorius, remove um ovo de uma ave parasita após reconhecê-lo entre seus próprios ovos. A ornitóloga Rafaela Vitti Ferneda, mestranda em Ecologia, Evolução e Biologia pela Unesp, explica o comportamento.
Tordo-americano remove ovo de chupim apos reconhecê-lo em seu ninho
Reprodução/Analía Lopez
“Algumas espécies de aves que têm seus ninhos parasitados desenvolveram mecanismos de defesa, como a remoção dos ovos do parasita, a discriminação dos filhotes durante os cuidados da prole ou até mesmo o abandono do ninho. Esses mecanismos são formas de evitar os custos causados pela espécie parasita”, comenta.
Hospedeiros como o tordo-americano, evoluíram para colocar ovos com padrões de cores difíceis de imitar, o que torna mais fácil a distinção de ovos estranhos.
Outras maneiras de driblar os parasitas envolvem fazer guarda no ninho, se reproduzir antes e até atacar os intrusos. A mariquita-amarela (Setophaga petechia) é exemplo de ave que vive atenta à presença de parasitas, tendo um canto específico para avisar sobre a presença deles nas proximidades.
Mariquita-amarela flagrada na cidade de Boa Vista, em Roraima.
Nereston Camargo
Consequências do parasitismo
No Brasil, o sabiá-poca (Turdus amaurochalinus), espécie do mesmo gênero do tordo-americano, também é capaz de rejeitar os ovos do chupim (Molothrus bonariensis). Mas será que um filhote a mais ou a menos faz muita diferença para os pais adotivos? A resposta é sim.
Sabiá-poca (Turdus amaurochalinus) costuma remover ovos de parasitas de seu ninho
Sebastián / iNaturalist
Segundo Rafaela, uma das consequências pode envolver a redução no sucesso reprodutivo da espécie, quando os filhotes do parasita “se livram” de ovos ou filhotes da espécie hospedeira.
Além disso, cuidar da prole gera custos energéticos para os pais, o que pode causar desvantagens para os filhotes hospedeiros na presença de um parasita.
“As consequências para cada espécie hospedeira podem ser diferentes, de acordo com suas próprias características ecológicas e seus comportamentos ao cuidar dos filhotes”, completa. Estima-se que mais de um sexto de todas as espécies no mundo aviário cuidam de filhotes que não são seus em algum momento.
Até o momento, a ciência conhece aproximadamente 100 espécies de aves parasitas, sendo sete presentes em solo brasileiro. São elas:
Chupim (Molothrus bonariensis)
Chupim-azeviche (Molothrus rufoaxillaris)
Iraúna-grande (Molothrus oryzivorus)
Saci (Tapera naevia)
Peixe-frito-pavonino (Dromococcyx pavoninus)
Peixe-frito-verdadeiro (Dromococcyx phasianellus)
Marreca-de-cabeça-preta (Heteronetta atricapilla)
Peixe-frito-pavonino (Dromococcyx pavoninus) é exemplo de ave parasita brasileira
Luiz Moschini / iNaturalist
Estudo com sábia-barranco
Durante sua formação, Rafaela Ferneda passou dois anos investigando se indivíduos de sábia-barranco (Turdus leucomelas) percebiam que estavam alimentando filhotes de chupim. O estudo, no entanto, mostrou que eles não conseguiam distinguir os parasitas.
Além de passarem despercebidos, os intrusos ainda “fingiam estar com muita fome”, implorando intensamente aos pais por comida. Para a surpresa da pesquisadora, os filhotes de chupim foram alimentados mais rapidamente e com mais frequência do que os sábias, que nem tentavam acompanhar o nível de grasnidos e mendicâncias dos chupins.
De acordo com a literatura, em um ninho onde todos são parentes, há um benefício para todos sobreviverem – genes compartilhados significam que os indivíduos não são incentivados a serem tão gananciosos. Mas em um ninho com parasitas, a situação muda de forma.
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