3 de outubro de 2024

‘A Cara do Brasil’: o impacto da polarização na convivência civilizada de brasileiros

A série chega na Região Sudeste, em São Paulo. Na cidade mais populosa do país, conhecemos dois motofretistas que migraram do Nordeste em busca de oportunidades. “A Cara do Brasil”: as histórias de dois brasileiros com opiniões políticas bem diferentes e com a mesma profissão
Nesta semana, o Jornal Nacional apresentou, todas as noites, um resumo de cada reportagem de uma série especial oferecida pela GloboNews aos assinantes. Os colegas Nilson Klava, Diogo André, Henrique Picarelli e Rafael Norton percorreram todas as regiões do Brasil para esclarecer uma questão: será que a intolerância e a polarização política tornaram impossível a convivência civilizada de pessoas com opiniões diferentes?
A série “A Cara do Brasil” chega na Região Sudeste. Em São Paulo, a cidade mais populosa do país, conhecemos as histórias do Lira e do Eliel. Os dois motofretistas saíram do Nordeste em busca de oportunidades.
Luiz Ricardo Lira da Silva Sousa, motofretista: Eu nasci em Vitória da Conquista. Muito novo fui morar em Salvador, que é de onde meu pai é, que eu não o conheço, meu pai de sangue.
Nilson Klava, repórter: Veio para cá para trabalhar?
Lira: É, vim para trabalhar. É porque eu sou placa vermelha. Então, a gente é 100% legalizado.
Eliel da Silva Estevão Bezerra, motofretista: Eu saí de Alagoas, eu tinha 16 anos. O que me fez sair de lá foi puramente a questão de trabalho.

Eliel: Aqui é a nossa casa, sede do Sindimoto, aqui em São Paulo, capital. E tudo que for relacionado a multas, suspensão, problemas de trânsito, sou eu que dou atenção.
Repórter: E como você se preparou para isso?
Eliel: Eu sou motoboy há 17 anos. Por incrível que pareça, tudo começou com a revolta de uma multa e eu comecei a estudar trânsito. Da legislação de trânsito, fui entender: quem dita essas regras, cara? Quem põe isso no papel? Política.
Lira: A política deu uma dividida no Brasil, até dentro da própria casa, dentro da família. Muitas famílias, inclusive a minha, não vou negar.
Lira: Meu filho tem 24 anos, mora aqui em São Paulo. Minha filha mora no Espírito Santo, tem 16. Minha enteada tem 19 e mora em Ilhéus, e minha outra enteada mora em Macarani.
Repórter: Rapaz, está cada um em um lugar.
Lira: Todo mundo esparramado.
Repórter: Quais são as principais dificuldades no mundo que a gente tem hoje para você, como pai, nessa missão de educar seus filhos?
Lira: Creio que a violência nas ruas, né? Você fica preocupado. Porque eu já passei por saidinha, já fui sequestrado relâmpago.
Repórter: Isso marca a vida quando você sofre um trauma desse?
Lira: Nossa, fiquei uma semana sem sair de casa.
Eliel: Ultimamente, está demais, está muito banal. O cara porque deu um esbarrão no carro, o cara quer sacar a arma para você. Já sacaram arma para mim. Ainda tem o risco de assalto, é acidente… Aqui em São Paulo, morre um motoboy por dia.
Repórter: E nessa salinha aqui, você tem que lidar com muita gente diferente?
Eliel: O pessoal vem procuram a gente igual ao SUS. Eu deixo ele abrir o coração dele, desabafar. Depois que ela colocar tudo para fora, que ele abrir o coração dele, eu falo assim: “Irmão, tem 513 deputados. E aí que está o problema. A pessoa que não cobra, a pessoa que não questiona, a pessoa que não sugere, não vai mudar nunca esse país.
Lira: Você tem que discutir política. Começando pelo vereador. Se coloca uma pessoa capacitada dentro de uma Câmara de Vereadores, ela pode arrumar seu bairro, dar segurança, qualidade de vida para as crianças. Agora, se você não liga, você acaba votando em qualquer um.
Eliel: Agora recente, e participei de duas eleições, tanto municipal quanto para governo federal, como mesário voluntário.
Repórter: E o que mudou na sua percepção?
Eliel: O cara votar pela metade. O poder na mão. O povo tem aquele poder na mão, que é o poder da democracia.
Lira: Vai demorar anos. Pode ser que eu não veja, mas um dia ainda vai ficar bom.
‘A Cara do Brasil’: o impacto da polarização na convivência civilizada de brasileiros
Jornal Nacional/ Reprodução
Eliel: A gente está vivendo um momento hoje que a pessoa está tão apaixonada por certas coisas e não está pensando com a razão. Cara, é um servidor público. O cara está lá para servir ao povo. Não a gente servir a eles. Ah, é o lado A, lado B, é eu contra você. Não tem isso, cara, não pode existir isso. Não pode existir isso.
Lira: Votei na esquerda em 2006. Falava muito em pobreza. Hoje eu já não gosto que fale muito isso, porque a gente não tem que ficar nessa… Nós somos pobre, mas eu não quero ficar falando isso. A gente só quer qualidade de vida. E aí em 2007 já veio pela imprensa aquele mar de corrupção, as imagens eram muito claras. Aí eu comecei a mudar meu pensamento… Hoje, eu me considero 100% direita. Eu não gosto de ficar bandeira aqui, bandeira aqui. Aí causa essas “brigaiadas”. Eu só defendo uma bandeira. Nós só temos uma, que é a do Brasil. A única pauta que eu defendo, a única, só tem uma pauta que eu defendo: a do ser humano. Somos todos ser humano. Que crie leis para todos nós. Não crie uma lei para uma classe, uma minoria… Ninguém é minoria.
Eliel: Independente da sua crença, credo, cor, opção sexual, para mim é o ser humano é o principal fator de tudo. Se pensar no ser humano, na pessoa que é menos favorecida, a pessoa mais pobre, a pessoa que é mais excluída, eu sinto isso na pele. Primeiro, por ser um retirante do Nordeste, vim pra cidade grande, por ser motoboy, por sofrer discriminação, eu não tenho essa visão de cor de bandeira, cor de partido, não, cara, é o ser humano. Se pensar no ser humano, pensar que tem que investir na pessoa em si, no ser humano, e isso for considerado de esquerda, então eu sou de esquerda, cara.
Lira: Eu tinha tomado uma multa. Aí estava falando com uns amigos perto do shopping, alguém falou, mano, eu tenho um contato de um rapaz aqui, que ele recorreu uma multa para mim de R$ 900 e ganhou. Aí me deu o contato dele, entrei em contato com ele e ele recorreu de duas multas no sábado. Na terça já me deu o resultado, ganhou.
Repórter: Independentemente da posição política vocês estão aí conversando, ajudando o outro e representando a categoria.
Eliel: Na verdade, na verdade, ele nem sabia dos meus ideais, da visão política que eu tenho.
Lira: Você sabia que eu era da direita?
Eliel: Fiquei sabendo depois.
Repórter: Isso não impacta, sabendo agora da posição política de cada um, a relação de vocês?
Lira: Não. Ele defende os ideais dele e eu defendo os meus.
Repórter: Mas é possível conversar?
Lira: Com certeza.
Eliel: Tranquilamente. Porque a mesma dor que ele sente, eu sinto também. A mesma profissão que ele está, eu estou também, a mesma multa que ele toma, eu também tomo também. É nós, cara. É nós aqui embaixo, é o povo.
Lira: Nós brasileiros, nós gostamos de gastar. Nós queremos tomar café, almoçar e jantar, ou até mais refeição. Mas a gente não quer só isso, nós não precisa só de comer. Para a gente ter essas coisas, tem que tirar o Estado das nossas costas.
Eliel: A questão não é de não ter o poder do Estado. É a forma de como a gente se comporta diante do Estado, diante da política. Então, assim, eu concordo em partes com ele, porque essa é a conversa saudável. Eu não posso concordar 100% com os ideais dele e ele também não pode concordar 100% com as minhas ideias, mas têm coisas em comum que nos ligam. Para ficar nessa picuinha, nesse debate, pessoas perdendo a amizade, deixando de se falar. É filho brigando com pai, pai com o sobrinho que não fala com o tio por causa de questões ideológicas que não vão mudar em nada nossa vida. Independente se ele é de direita, eu sou de esquerda, se ele tem uma visão A e eu uma visão B, no final, eu e ele estamos no mesmo barco.
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