13 de março de 2025

A surpreendente vitória da oposição na Groenlândia em eleição marcada por ameaças de Trump e independência


Promessa de Donald Trump de assumir o controle da Groenlândia colocou as eleições da ilha sob os holofotes internacionais Oposição vence eleição na Groenlândia
A oposição de centro-direita da Groenlândia surpreendeu e venceu as eleições gerais — uma votação dominada pela pauta da independência e pela promessa do presidente dos EUA, Donald Trump, de assumir o controle do território semiautônomo que hoje pertence à Dinamarca.
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O partido Demokraatit (Democratas), que defende uma abordagem gradual para a independência, obteve cerca de 30% dos votos, segundo resultados quase finais.
“A Groenlândia precisa que a gente se una em um momento de grande interesse externo”, disse o líder do partido, Jens-Frederik Nielsen, à mídia local. “Há necessidade de união, então entraremos em negociações com todos.”
Seu partido agora terá que negociar com outras legendas para formar uma coalizão.
A Groenlândia — maior ilha do mundo, situada entre os oceanos Ártico e Atlântico — está sob controle da Dinamarca, a quase 3 mil km de distância, há cerca de 300 anos.
Jens-Frederik Nielsen (mais alto, no centro) celebrou durante a noite quando ficou claro que seu partido, os Democratas, havia vencido a eleição
Ritzau Scanpix/Mads Claus Rasmussen via REUTERS
A Groenlândia administra seus próprios assuntos internos, mas as decisões sobre política externa e defesa são tomadas em Copenhague, capital dinamarquesa.
Cinco dos seis principais partidos na eleição eram a favor da independência em relação a Copenhague, mas divergem quanto à velocidade com que esse objetivo deve ser alcançado.
O vencedor partido Democrata, cujo número de votos aumentou mais de 20% em relação a 2021, é considerado moderado em relação à independência.
Outro partido de oposição, o Naleraq, que busca iniciar imediatamente o processo de independência e estreitar laços com os EUA, caminha para o segundo lugar, com quase um quarto dos votos.
O apoio ao Naleraq foi impulsionado antes da eleição pela decisão de uma das políticas jovens mais populares da Groenlândia, Aki-Matilda Hoegh-Dam, de mudar de um dos partidos governistas. Ela ficou em segundo lugar no voto popular, atrás apenas do líder dos Democratas, Jens-Frederik Nielsen.
“É o segundo maior partido, então não dá para ignorá-los”, disse Nielsen a repórteres locais. “Mas não queremos descartar os outros partidos antecipadamente.”
Os dois partidos atualmente no governo, Inuit Ataqatigiit (IA) e Siumut, estão caminhando para o terceiro e quarto lugar, representando uma derrota para o primeiro-ministro Mute B. Egede.
Mais de 40 mil groenlandeses, de uma população de 57 mil, estavam aptos a votar para eleger 31 parlamentares, além do governo local. Seis partidos estavam na cédula.
A votação ocorreu em 72 seções eleitorais espalhadas pela vasta ilha.
“Os Democratas precisam de um parceiro de apoio para conseguir uma maioria”, disse Maria Ackren, da Universidade da Groenlândia. “Pode ser tanto o Naleraq quanto o Inuit Ataqatigiit. Cabe aos Democratas decidirem o que querem.”
Desde 2009, a Groenlândia tem o direito de convocar um referendo sobre a independência.
Embora o Naleraq esteja pressionando por uma votação nos próximos anos, o partido de Jens-Frederik Nielsen, o vencedor do pleito, defende uma abordagem gradual para a independência, priorizando primeiro o sucesso do autogoverno.
A professora Ackren acredita que os Democratas venceram, em parte, porque os groenlandeses queriam uma mudança de governo, mas também porque estavam insatisfeitos com novas leis sobre pesca e outras questões internas.
A independência é vista como o objetivo final para a maioria dos groenlandeses, mas não antes que reformas sejam feitas na economia, na saúde e em outros setores, segundo ela.
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Eleição sob o holofote mundial
Criança é fotografada em meio a banners de campanha no dia das eleições da Groenlândia, em 11 de março de 2025
REUTERS/Marko Djurica
Nos anos anteriores, as eleições da Groenlândia atraíram pouca atenção internacional.
Mas o interesse repetido do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em comprar a Groenlândia colocou a ilha sob os holofotes e reacendeu o antigo debate sobre seus laços com Copenhague.
“Nunca houve um holofote como este sobre a Groenlândia antes”, afirma Nauja Bianco, especialista em políticas árticas dinamarquesa-groenlandesa.
O debate sobre a independência foi reacendido com força por Trump, diz Masaana Egede, editor do jornal groenlandês Sermitsiaq.
A localização estratégica da ilha e seus recursos minerais inexplorados atraíram a atenção do presidente norte-americano. Ele sugeriu pela primeira vez a compra da Groenlândia em seu primeiro mandato, em 2019.
Desde que reassumiu o cargo em janeiro, Trump reiterou sua intenção de adquirir o território. Líderes da Groenlândia e da Dinamarca rejeitaram repetidamente suas propostas.
Ao discursar no Congresso dos EUA na semana passada, no entanto, Trump voltou a insistir: “Precisamos da Groenlândia por razões de segurança nacional. De um jeito ou de outro, vamos conseguir”, declarou, recebendo aplausos e risos de vários políticos, incluindo o vice-presidente J.D. Vance.
O presidente Donald Trump discursa em uma sessão conjunta do Congresso no Capitólio dos EUA em 4 de março de 2025, em Washington, DC. O vice-presidente JD Vance e o presidente da Câmara, Mike Johnson (R-LA), aplaudem atrás dele.
Win McNamee/Pool via REUTERS
Em Nuuk, capital do território, as declarações provocaram reações imediatas de políticos locais. “Merecemos ser tratados com respeito, e não acho que o presidente americano tenha feito isso ultimamente, desde que assumiu o cargo”, afirmou o primeiro-ministro Mute Egede.
Ainda assim, o interesse dos EUA alimentou os apelos para que a Groenlândia se separe da Dinamarca, com grande parte do debate centrado em quando — e não se — o processo de independência deve começar.
A meta de independência da Groenlândia não é nova, lembra Nauja Bianco, e vem sendo construída há décadas.
Uma série de revelações sobre abusos cometidos contra os inuítes por parte dos dinamarqueses impactou negativamente a opinião pública groenlandesa sobre a Dinamarca.
No início deste ano, o premiê Egede afirmou que o território deveria se libertar das “amarras do colonialismo”.
Mas é a primeira vez que o tema assume o centro do debate em uma eleição.
O primeiro-ministro da Groenlândia, Mute B. Egede, durante a eleição de 11 de março de 2025
REUTERS/Marko Djurica
O partido de oposição Naleraq, que terminou em segundo nas eleições, quer iniciar imediatamente o processo de separação de Copenhague e defende relações mais estreitas com Washington na área de defesa.
Apontando para a saída da Groenlândia da União Europeia e o Brexit, o líder do Naleraq, Pele Broberg, afirmou que a ilha pode estar “fora do reino dinamarquês em três anos”.
A economia da Groenlândia é baseada na pesca, e os gastos do governo dependem de subsídios anuais da Dinamarca.
Segundo o editor Masaana Egede, o debate sobre Trump e a independência acabou ofuscando outros temas importantes para os eleitores.
“É uma eleição na qual deveríamos estar falando sobre saúde, cuidado com os idosos e problemas sociais. Mas quase tudo gira em torno da independência.”
Pesquisas recentes indicam que quase 80% dos groenlandeses apoiam medidas rumo à soberania plena.
Cerca de 44 mil pessoas estão aptas a votar. Com um eleitorado pequeno e poucas pesquisas, os resultados são difíceis de prever.
Embora a maioria dos groenlandeses apoie a independência, um levantamento mostrou que metade perderia o entusiasmo caso isso significasse uma queda no padrão de vida.
Uma pesquisa indicou que 85% dos cidadãos não desejam que a Groenlândia se torne parte dos Estados Unidos, e quase metade vê o interesse de Trump como uma ameaça.
As tensões entre a Groenlândia e a Dinamarca se intensificaram devido aos maus-tratos sofridos pelos inuítes por parte dos dinamarqueses no passado
EPA via BBC
Uma das preocupações entre os groenlandeses, segundo Masaana Egede, é por quanto tempo a ilha conseguiria se manter independente — e se não acabaria trocando a Dinamarca por outro país “de pé nas nossas costas, pronto para assumir o controle”.
Especialistas apontam que esse temor pode levar parte do eleitorado a preferir a manutenção do status quo.
Embora o direito da Groenlândia à autodeterminação esteja garantido pela Lei de Autonomia de 2009, vários passos ainda precisam ser dados antes de uma separação formal da Dinamarca, incluindo a realização de um referendo.
Isso significa que a independência total pode levar “cerca de 10 a 15 anos”, afirma Kaj Kleist, veterano político e servidor público groenlandês que ajudou a redigir a Lei de Autonomia.
“Há muita preparação e negociação com o governo dinamarquês antes de isso se tornar realidade”, completa.
Especialistas não acreditam que a Groenlândia possa se tornar independente antes do fim do segundo mandato de Trump, em 2028.
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