22 de setembro de 2024

A vida 10 anos depois: como estão os familiares e vítimas de trágico acidente que matou seis jovens em rodovia de Sorocaba

Acidente completa dez anos neste sábado (6) e g1 conversou com duas das vítimas que sobreviveram e com a mãe de Amanda, que morreu no acidente, para saber como foram os anos que se seguiram. Acidente em rodovia de Sorocaba (SP) completa dez anos
Arquivo pessoal/Nathália Oliveira/g1/Arquivo
3.650 dias, 87.600 horas, 5.259.600 minutos, 315.360.000 segundos… Muita coisa pode acontecer em uma década. Para alguns, os anos passam depressa, quase em um piscar de olhos.
Tempo suficiente para iniciar e finalizar um curso em alguma faculdade, conquistar a tão sonhada promoção em um trabalho, formar uma família, atingir e traçar novas metas.
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Para os jovens Iven Matheus Silva e Felipe Trindade, e para a Regina Alquati, no entanto, a concepção de tempo passou a ser compreendida de forma diferente após a madrugada do dia 6 de abril de 2014.
Iven e Felipe estavam no acidente que matou seis jovens e deixou outros seis feridos na Rodovia Raposo Tavares (SP-270), em Sorocaba, no interior de São Paulo. Regina estava em casa. Ela é mãe de Amanda Oliveira Alquati, namorada de Iven na época, e que morreu atropelada no local.
Naquele dia, o grupo de jovens retornava de uma festa em uma chácara e esperava por um ônibus em um ponto às margens da SP-270, no trecho entre Araçoiaba da Serra (SP) e Sorocaba, quando foram atingidos por um veículo em alta velocidade.
Neste sábado (6), 10 anos depois, o g1 conversou com duas das vítimas que sobreviveram e com a mãe de Amanda, que morreu no acidente, para saber como foram os anos que se seguiram após a tragédia.
Para Iven, o tempo travou uma luta entre a rapidez e a lentidão.
Para Felipe, o tempo parou.
Para Regina, todos os dias parecem se repetir, em um ciclo eterno das 24 horas que sucederam a tragédia.
Anos difíceis, vida nova e força
Acidente em rodovia de Sorocaba (SP) completa dez anos
Arquivo pessoal
“Se fosse para resumir todos os desafios e dificuldades que eu enfrentei, eu poderia colocar como força”, resume Iven Matheus Silva, hoje com 26 anos.
O rapaz sofreu uma fratura exposta na perna esquerda, rompeu todos os ligamentos do joelho e da perna, quebrou os dois tornozelos e um osso próximo ao cóccix e a costela, além de ficar com hematomas e cortes pelo corpo. Foi durante a recuperação que ele se deparou com a efemeridade do tempo.
“Minha recuperação é… não sei o que aconteceu, mas foi muito rápida. Enquanto era para eu estar de cadeira de rodas, por exemplo, era para passar 30 dias de cadeira de rodas, eu passava 10, 15 [dias], eu já estava de muleta. Depois eu passei mais 10, 15 [dias] de muleta e já tava andando”, relembra.
Enquanto a recuperação do jovem foi rápida, os 10 anos que se seguiram foram difíceis para ele. “É difícil explicar, porque uma hora tá passando muito rápido e o outro momento tá passando muito devagar. Para mim, foram muito difíceis. Mesmo inconsciente, porque querendo ou não, essa ferida nunca vai se fechar, mas a gente começa a aprender a lidar”, conta.
Além da luta pela recuperação, Iven precisou lidar com a dor do luto ainda na juventude. Sua namorada na época, Amanda Alquati, foi uma das seis vítimas do acidente. Diante de toda a situação, ele batalhou contra a negação e o sofrimento e tirou de si os dois sentimentos que o moveram ao longo dos anos: força e coragem.
“Após muito tempo, eu tive coragem de ir visitar a Amanda no cemitério. Hoje eu já me sinto mais confortável para tratar desse assunto para talvez também ajudar pessoas que passam pela mesma situação. No começo foi mais uma negação […] a gente tem que sentir, a gente não pode negar. Só assim a gente, entre aspas, ‘melhora’ dessa situação”.
Iven (ao centro) trabalha em uma empresa aérea
Arquivo pessoal
Atualmente, Iven é pai de dois filhos, Henrique e Clara. Há um ano, ele voltou a trabalhar em uma empresa aérea, onde já havia trabalhado na adolescência, antes mesmo do acidente.
“Para resumir minha vida hoje, de forma bem simples… eu passei por muita coisa já nessa vida, inclusive o acidente foi um dos maiores fatores até hoje da minha vida. E mesmo apesar disso, mesmo depois de todo o sofrimento que a gente passou, que a gente carregou, hoje eu consigo dizer que eu me sinto feliz por onde eu estou indo. Não estou satisfeito, não estou satisfeito de maneira alguma. Eu tenho sonhos, tenho planos, eu tenho vontade de realmente viver a vida, então eu estou contente onde eu estou, mas não estou satisfeito”.
Vida antes e depois do acidente
Acidente em rodovia de Sorocaba (SP) completa dez anos
Arquivo pessoal/Natália de Oliveira/g1/Arquivo
“Já senti raiva e fiquei devastado pelo o que me ocorreu. Hoje já não espero mais por justiça, só a continuidade de minha vida”, resume Felipe Trindade.
Felipe, hoje com 33 anos, define sua vida em dois momentos: pré e pós-acidente.
Devido ao atropelamento, ele sofreu uma amputação abaixo do joelho direito, uma fratura exposta na perna esquerda e danos cerebrais que causaram diplopia, popularmente conhecida como visão dupla. Ele ficou 18 dias em coma e, após a alta hospitalar, fez fisioterapia para se adaptar à nova vida.
Ele diz que enfrentou problemas para encontrar a prótese ideal por ter perdido a capacidade de controlar o próprio corpo. “Eu tenho essa teoria de que perdi a noção das coisas práticas porque quando me tiraram do coma e do respirador, eu tive dificuldades para respirar, pois acredito que nem me lembrava de como respirava”, relembra.
Foi com o apoio da família que Felipe conseguiu sobreviver aos 10 anos que se seguiram. Atualmente ele não trabalha, mas ajuda a cuidar dos sobrinhos e até descobriu um novo hobby: tocar violão.
Embora tenha passado por sessões de fisioterapia, Felipe afirma que não conseguiu retomar a vida e ter uma vida social. “As únicas pessoas que eu vejo são meus familiares, como irmãos, sobrinhos, cunhadas e minha mãe, que é a real guerreira da minha vida e meu orgulho, além dos meus irmãos que, diga-se de passagem, sou orgulhoso demais”, diz.
Felipe (à esquerda) ao lado da mãe e dos irmãos
Arquivo pessoal
“Tento seguir sem me abalar, mas não é fácil […] [Tento retomar] as coisas mais simples na vida para muitas pessoas, como se movimentar e fazer algumas ações do dia a dia, mas eu tenho dificuldade… Hoje voltaram [alguns movimentos], mas é um tempo longo demais para esperar… 10 anos”, completa.
7 de abril de 2014
Acidente em rodovia de Sorocaba (SP) completa dez anos
Arquivo pessoal
“Eu morri naquele domingo tão triste de 6 de abril. 10 anos se passaram e eu não vi. Para mim, é como se fosse ontem. Está muito vivo ainda o que aconteceu e não nos conformamos até hoje”, diz Regina Alquati, mãe de Amanda Alquati, que morreu aos 17 anos.
A dor de perder uma filha repleta de sonhos e que se preparava para cursar medicina se alinhou ao coração de Regina. A cada batida, uma dose de saudade pulsa em suas veias.
Ela e a família se mudaram de Sorocaba para Araçoiaba da Serra, pois viver na mesma casa onde a filha cresceu tornou-se uma espécie de tortura para eles. Quando viajam para Sorocaba, optam por um caminho alternativo, pois passar pela SP-270, rodovia onde aconteceu o acidente, ainda é doloroso para ela, o marido e o filho.
Na nova cidade, Regina encontrou acolhimento em um grupo de apoio. Nele, mães que perderam filhos de forma trágica, assim como ela, partilham suas dores e se ajudam na fase do luto, além de transformar a dor em bondade pois trabalham com crianças carentes e ajudam outras famílias que perderam entes queridos.
“Levamos amor e carinho para quem precisa, mas nossa vida [família] não é mais a mesma. Seguimos conforme Deus nos dá as mãos. Temos nosso filho e precisamos continuar. Tudo falta ela, penso nela vinte e cinco horas por dia, o que é pouco”.
Acidente em rodovia de Sorocaba completa dez anos
Ana Paula Yabiku/g1/Arquivo
Segundo a mãe, a personalidade marcante da filha foi como uma tatuagem no coração de amigos e família. Ela diz que ainda mantém contato com amigos de Amanda e que as mensagens de carinho aumentaram na última semana.
O irmão de Amanda estava na mesma festa em que ela e os outros 11 jovens. Quando voltava para a casa com os amigos, encontrou as ambulâncias de resgate na rodovia, mas não sabia do que se tratava. Hoje, ele carrega o nome da irmã em uma tatuagem no braço.
Acidente em rodovia de Sorocaba (SP) completa 10 anos
Ana Paula Yabiku/g1/Arquivo
“A ‘Mandinha’ foi muito querida, até hoje recebo mensagens dos amigos dela todos os dias. Até hoje não consigo me conformar com a perda. Uma menina que criamos com tanto amor, ensinando a respeitar, a pedir licença quando entrasse em algum lugar […] Como passa a dor de uma mãe que perdeu sua filha cheia de vida, de projetos, de sonhos?”, questiona Regina.
O acidente
O acidente aconteceu na madrugada de 6 de abril de 2014, após os 12 jovens saírem de uma festa em uma chácara. O motorista Fábio Hattori, que também tinha participado de uma festa, saiu de Itapetininga (SP) e seguia pela rodovia quando perdeu o controle do carro e atingiu os jovens que esperavam o ônibus em um ponto, às margens da rodovia.
Cinco jovens morreram na hora: Leo Wagner Ribeiro das Neves, de 19 anos; Giovanni Cartezano Inocêncio, de 17; Guilherme dos Santos Modesto, de 18; Amanda Oliveira Alquati, de 17; e Lucas Alexandre Vieira de 16 anos. Evelyn Caroline Fernandes de Matos, de 15 anos, chegou a ser encaminhada para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos.
Ficaram feridos no acidente: Iven Matheus Silva, na época com 16 anos; Nicolas Wilian de Souza, também com 16; Felipe Gustap Monteiro Trindade, com 23 anos; Jonatas Carvalho dos Santos, com 18; e Alan Resende Oliveira, de 17.
Segundo a polícia informou na época, Hattori tentou fugir após o atropelamento, mas não conseguiu porque o carro não pegou e foi impedido por testemunhas. Ele foi preso em flagrante e um exame registrou índice alcoólico superior ao permitido por lei. No dia de seu depoimento, permaneceu em silêncio na delegacia por mais de 40 minutos.
O inquérito da Polícia Civil apontou que as causas do acidente foram excesso de velocidade, uso de bebida alcoólica e que Fábio Hattori dormiu ao volante.
Condenado pela mortes já cumpriu toda a pena
Adolescentes atingidos estavam em um ponto de ônibus, na Rodovia Raposo Tavares, em Sorocaba (SP)
Sérgio Ratto/Ipanema Online
Menos de um mês antes do caso que chocou o país completar dez anos, Fábio Hiroshi Hattori teve extinta a sua pena por cumprimento. A decisão é de 13 de março de 2024, do juiz Emerson Tadeu Pires de Camargo.
O magistrado declarou extinta a punibilidade de restrição de liberdade e de pagamento de multa. A medida teve aval do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). Fábio Hiroshi chegou a ficar preso após condenação.
A informação do término de cumprimento da pena ocorreu em 16 de fevereiro deste ano, quando o Judiciário comunicou a situação à Secretaria de Administração Penitenciária do Estado (SAP).
Início da ação e a liberdade depois da tragédia
Fábio Hattori não respondeu nenhuma das perguntas na delegacia
Reprodução/TV TEM
No dia seguinte ao acidente, em 7 de abril de 2014, uma ação judicial contra Fábio Hattori foi aberta no fórum de Sorocaba. Em 22 de abril, Fábio conseguiu a liberdade provisória, com uma série de restrições e imposições. Elas foram as seguintes:
Comparecimento quadrimestral em juízo;
Proibição de se ausentar-se da Comarca por prazo superior a sete dias, sem prévia autorização judicial;
Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga;
Pagamento de fiança no valor equivalente a 40 salários mínimos, consignando que o valor da fiança se justifica diante da gravidade dos fatos, do elevado número de vítimas, das consequências trágicas para as vítimas e da condição financeira do acusado;
Suspensão da habilitação para dirigir veículos automotores, sendo absolutamente necessária como garantia da ordem pública e da segurança viária.
Em 13 de maio do mesmo ano, ele teve que entregar sua habilitação ao Circunscrições Regionais de Trânsito (Ciretran) de Araçoiaba da Serra. No mesmo mês, em 29 de maio, o veículo foi devolvido a Fábio Hattori.
Poucos dias depois, a juíza Daniella Camberlingo Querobim aceitou a denúncia do MP e Fábio passou a ser réu no processo.
Condenação
Em 15 de novembro de 2015, mais de um ano e meio após o acidente, veio a condenação contra Fábio Hattori: três anos e cinco meses e a proibição de dirigir por quatro anos. O réu, entretanto, poderia recorrer em liberdade.
“Considerando estarem presentes os requisitos do artigo 44, §2º, segunda parte, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, sendo uma consistente em prestação pecuniária, no valor correspondente a três salários mínimos, para cada vítima, e a outra consistente em prestação de serviços à comunidade, a ser especificada a entidade no juízo das execuções”, justificou a juíza Daniella Camberlingo Querobim
Ela disse ainda que o fato de o réu dirigir de forma imprudente não impede de converter a pena privativa de liberdade em restritivas de direitos.
Condenado por atropelar 12 jovens na Raposo cumprirá pena em liberdade
Em 2016, houve recurso ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP). Com a nova decisão do TJ, de 20 de julho de 2018, o comerciante foi condenado a quatro anos, dez meses e 15 dias de detenção em regime inicial semiaberto.
Em 12 de abril de 2019, foi emitido o recolhimento de Fábio, que iniciava o cumprimento da pena determinada pelo TJ.
Condenado por atropelar e matar seis na Raposo Tavares em 2014, Fábio Hattori é preso
Em 13 de março de 2020, Fábio conquistou a progressão da pena para o regime aberto. Para isso, além de considerar a opinião favorável do MP, a juíza Sueli Zeraik de Oliveira Armani, da Comarca de São José dos Campos, responsável pelo município de Tremembé, onde Fábio cumpria pena, disse que ele preenchia os requisitos objetivos e subjetivos para a concessão medida.
Ainda conforme ela, ele tinha boa conduta carcerária e possuía parecer favorável no exame criminológico realizado.
Processos de indenização
Além da questão judicial envolvendo o acidente, propriamente dito, Fábio também foi processado por várias pessoas com pedido de indenização por danos morais. São 16 processos no total. Em um dos casos, que tramitou pela comarca de Votorantim, um casal, cuja filha morreu na tragédia, foi indenizado em R$ 400 mil.
Nesse processo, a concessionária que administra a via e a empresa pública que gerencia o transporte coletivo de Sorocaba também são citadas e arcaram com parte da indenização. A empresa que Fábio é sócio e dona do veículo envolvido no caso, também.
Em outra ação, um menor que ficou ferido no acidente pediu uma indenização de R$ 219 mil. A Justiça reconheceu parcialmente o pedido, dando como valor a receber de R$ 30 mil. Entretanto, na maior parte das situações ainda há tramitação, inclusive com recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A reportagem não conseguiu contato com Fábio Hiroshi Hattori. As tentativas, inclusive, foram feitas por telefone, rede social e e-mail do escritório cadastrado no processo de execução da pena, que fica no Centro de Sorocaba.
Quando ouvido pela primeira vez, em junho de 2015, a defesa de Fábio afirmou que “ele estava na velocidade compatível com o local, 80 km/h e, ao se deparar com duas pessoas atravessando a pista, se assustou e jogou o carro para o acostamento e atropelando, infelizmente, as 12 vítimas.”
E completou: “Ele não está prestando auxílio [aos sobreviventes e as famílias das vítimas]. Ele lamenta o ocorrido, mas ele não se vê na responsabilidade de pagar ou arcar com qualquer custo. Ele não se julga culpado pelo ocorrido.”
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