Para membro de conselho de defesa de direitos da comunidade negra, é necessária capacitação de policiais para atuar nestes casos e conscientização nas escolas. Ações movidas por discriminação ou preconceito de raça, cor ou etnia têm queda na região
Reprodução/EPTV
O número de processos judiciais em casos envolvendo discriminação ou preconceito de raça, cor ou etnia na região de Piracicaba (SP) teve uma redução de 71% neste ano.
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Segundo levantamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) a pedido do g1, a região registrou alta de 520% nos casos entre 2022 e 2023, mas a quantidade de ações voltou a cair neste ano, quando foram ajuizados nove processos (até 31 de outubro). Veja no gráfico a seguir:
Em 2024, os processos foram registrados na seguintes comarcas:
Cosmópolis: 1 ação
Limeira: 3 ações
Piracicaba: 4 ações
São Pedro: 1 ação
Segundo o TJ-SP, os crimes de injúria racial só foram inseridos no sistema informatizado em meados de 2022. A inclusão de assuntos processuais nos sistemas informatizados do Poder Judiciário do país obedece a normatização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Dados não representam a ‘realidade’, aponta conselheiro
Para o advogado Agnaldo Oliveira, pós-graduado em Direito Penal e membro do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, ligado à Secretaria de Justiça e Cidadania, o número de ações judiciais não representa a realidade do racismo na região.
“Nós temos muitos mais casos do que você imagina, não só em Piracicaba, como toda a região e principalmente dentro da capital do Estado de São Paulo”, aponta o advogado, que é ex-integrante do Conselho da Igualdade Racial em Piracicaba (Conepir).
A seguir, veja as justificativas do conselheiro para a subnotificação judicial e o que deve ser feito para melhorar o cenário, na avaliação dele:
Fachada do Fórum de Piracicaba
Daniela Smania/ TJSP
Capacitação da polícia para atendimento 🚨
Para Oliveira, é necessária uma capacitação de delegados, escrivães e outros policiais civis para atender casos envolvendo crimes raciais.
“Porque, muitas vezes, a vítima chega na delegacia para formular um boletim de ocorrência e encontra uma dificuldade tremenda para isso”, afirma.
O advogado também afirma que, embora esse tipo de crime tenha se tornado inafiançável (não é possível pagar fiança para ser liberado) e imprescritível (não há um prazo definido para entrar com a ação), isso ainda não é cumprido pelas instituições.
“Nós já tivemos casos aqui dentro da cidade de Piracicaba que a pessoa é conduzida para a delegacia no flagrante e automaticamente ela é ouvida na delegacia e ela é liberada. Muitas vezes por pagar uma fiança e, muitas vezes, até sem pagar uma fiança”, afirma.
Para ele, é necessário que seja oferecido um atendimento mais humanizado para essas vítimas. “Eles [vítimas] ficam até com medo de registrar”, acrescenta.
Tempo de andamento ⏳
Agnaldo também afirma que há lentidão no andamento das investigações.
“É um processo lento, que muitas vezes, ele fica parado um bom tempo na delegacia, sem dar andamento, e, se a vítima não correr atrás, a coisa não anda”.
Em nota ao g1, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) afirmou que, desde a formação e ao longo de toda carreira, os policiais paulistas passam por cursos de formação e atualização que contemplam disciplinas de direitos humanos, igualdade social, diversidade de gênero, ações antirracistas, entre outras, inclusive com discussões sobre abordagem e atendimento de vítimas.
“A pasta aumentou a carga horária dessa matéria nas academias de polícia e todo o efetivo da Polícia Civil está capacitado para atender ocorrências de ordem discriminatória nas delegacias do estado, prestando um serviço acolhedor e humanizado”, acrescentou.
Pilha de processos judiciais
Reprodução/EPTV
Como proceder se for vítima? 📢
O advogado orienta as vítimas a registrar um boletim de ocorrência. Além do andamento criminal, ele cita a possibilidade de ajuizar uma ação na esfera civil para pedir indenização por danos morais. A Justiça pode, ainda, determinar que o autor do crime pague indenização a um fundo voltado à valorização da comunidade negra.
“Então são algumas coisas hoje que têm ajudado muito essas vítimas, mas a gente precisa propagar ainda mais todas essas questões, onde buscar esse entendimento, esse acolhimento à vítima que sofre esse crime de racismo.
Conscientização desde cedo 📖
O conselheiro também também defende que sejam cumpridas leis que obrigam as escolas a ensinar os alunos sobre as culturas africana e afro-brasileira.
“Até hoje nós temos essa dificuldade [em fazer as leis serem cumpridas]. É só dessa forma, mostrando para criança que nós somos iguais, nós temos os mesmos direitos, e mostrar para criança essa cultura, […] que nós vamos conseguir mudar o racismo dentro do nosso país”.
“E nós só vamos começar a ter esse respeito e começar a ter a questão da equidade […] quando nós tivermos mais pessoas negras em cargos de decisões, em cargos políticos dentro de prefeituras, dentro de governos estaduais, federais, vereadores, empresas multinacionais, nacionais, porque nós vamos ver os nossos iguais”, finaliza.
Veja reportagem da série Consciência Negra, da EPTV
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