Caso ocorreu em abril de 2023, e Geraldo Baptista Benette foi condenado por injúria racial com o agravante de ter sido cometida por um funcionário público, conforme previsto na Lei nº 7.716, além de 13 dias-multa. Ele poderá responder em liberdade e deverá prestar serviços à comunidade. Advogada de Sorocaba (SP) relata constrangimento após ouvir comentário preconceituoso em reunião de trabalho
Arquivo Pessoal
A advogada Julietta Elizabette de Jesus Oliveira Teofilo, que teve o cabelo comparado a uma vassoura piaçava durante uma reunião online da Justiça do Trabalho de Sorocaba (SP), celebrou a condenação do servidor público e espera que sirva de exemplo para “inibir ou coibir esse tipo de ação”, que “não é isolada”.
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Geraldo Baptista Benette, de 73 anos, foi condenado a dois anos e oito meses de reclusão por injúria racial com o agravante de ter sido cometida por um funcionário público, conforme previsto na Lei nº 7.716, além de 13 dias-multa. Ele poderá responder em liberdade e deverá prestar serviços à comunidade. A defesa vai recorrer da decisão (veja mais detalhes abaixo).
Ao g1, Julietta diz que apesar do desgaste desde quando fez a denúncia até a exposição de todo o caso, ela se sentiu aliviada e escutada após ler a sentença, mas reforçou que seu caso não é isolado e cobrou por ações que promovam uma mudança efetiva.
“Espero que a denúncia e as demais ações que se desenrolaram sirvam para inibir e coibir que esse tipo de ação continue e, principalmente, seja naturalizada. É sempre bom lembrar que esse tipo de comportamento reflete a nossa sociedade e o ambiente institucional que ele ocupa (ele, um servidor público da Justiça do Trabalho), então, precisamos que além dessa responsabilização individual, sejam adotadas ações práticas e coordenadas para uma mudança efetiva”, pontuou.
Ainda de acordo com a advogada, aguardar todo o trâmite do processo não foi simples e lamentou a interpretação de algumas pessoas a respeito do caso. “Infelizmente, há pessoas que interpretam que foi ‘apenas’ um comentário infeliz ou uma piada de mal gosto, que foi uma brincadeira; mas quero deixar claro que vai muito além disso, ao me desumanizar fazendo essa comparação tão depreciativa e discriminatória em relação à raça/cor, ele cometeu, sim, um crime e um crime com viés racial e de recreação”, desabafou.
“Ao ler a sentença me senti escutada e aliviada, não só por mim, mas também pelo relato de várias pessoas que disseram que passaram pelo mesmo, em situações similares, mas não foram escutadas ou conseguiram levar adiante.”
Advogada denuncia servidor público por injúria racial em Sorocaba
A condenação
Geraldo Baptista Benette foi condenado a dois anos e oito meses de reclusão por injúria racial com o agravante de ter sido cometida por um funcionário público, conforme previsto na Lei nº 7.716, além de 13 dias-multa. Ele poderá responder em liberdade e deverá prestar serviços à comunidade.
“Substituindo a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, a ser especificada a entidade no juízo das execuções, e por uma de multa, fixado em 10 dias-multa no mínimo legal”, decidiu a juíza.
A pena para este tipo de crime é de dois a cinco anos de reclusão e multa. A juíza justificou que o crime “não foi praticado em circunstâncias piores daquelas normalmente verificadas em delitos da mesma espécie” e, por isso, fixou a pena-base.
Ao g1, a defesa de Geraldo afirmou que vai recorrer da decisão pois “acredita que não houve crime, uma vez que houve uma ‘falta de intenção de injuriar’ por parte do funcionário”, e que vai se posicionar apenas após tentar reverter a decisão no tribunal.
Servidor trabalhava no atendimento ao público do Fórum Trabalhista de Sorocaba (SP)
Foto: Sreet View/Reprodução
Relembre o caso
O episódio ocorreu no dia 27 de abril de 2023, durante uma reunião online da Justiça do Trabalho de Sorocaba. A juíza Daniella Camberlingo Querobim destacou que “a denúncia é clara, objetiva e descreve adequadamente, ainda que de maneira não detalhada, a conduta típica imputada a cada acusado”.
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Justiça realizou audiência do caso em junho deste ano
Após a situação, Julietta relatou como o caso ocorreu. Ela contou que a sessão faz parte da rotina de trabalho dela, para acompanhar o andamento de processos na Justiça. Na sala virtual, estavam ela e dois servidores do atendimento.
“Eu entrei na reunião e estavam estes dois servidores, uma mulher e um homem. Eu já conhecia os dois, mas neste dia quem me atendia era a servidora. Quando eu liguei minha câmera, a pedido dela, ela elogiou meu cabelo, disse que era bonito. Eu sou uma mulher negra e uso um penteado estilo ‘black power'”, relembra.
Segundo a servidora, após o elogio, o outro funcionário presente na reunião teria feito um comentário preconceituoso.
“Depois do elogio, eu escutei o homem que estava na sala com ela comentar ao fundo, rindo. ‘Bonito? parece mais uma ‘vassoura piaçava”. No mesmo momento, eu disse que havia escutado o comentário dele e que aquilo era crime”, disse.
Julietta relata que estava acompanhada de uma colega de trabalho no momento da reunião, a advogada Gabriela Bueno Abujamra Lobo, que teria ouvido o comentário e presenciou toda a cena.
Abalada, a advogada procurou ouvidoria do Tribunal do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) e relatou o caso, cobrando providências. A Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Sorocaba acionou o Ministério Público.
Julietta Oliveira Teofilo denunciou o caso na ouvidoria do Tribunal do Trabalho da 15ª Região, cobrando providências.
Arquivo Pessoal
Servidor foi afastado da função
À época, o TRT-15 informou que Geraldo respondeu por processo administrativo. O TRT-15 informou ainda que o homem foi afastado das funções de atendimento ao público, sendo transferido para trabalhar em outra área no Fórum Trabalhista.
O TRT-15 também ressaltou que aplica a todos os servidores, inclusive aqueles cedidos por outros órgãos, os princípios e normas de conduta estabelecidos pelo código interno de ética, entre eles, o tratamento respeitoso.
Também à época, a defesa de Geraldo Benette divulgou uma nota informando que ele não praticou qualquer ato de racismo porque não atendeu a advogada no dia. Também disse que o servidor trabalha há mais de 20 anos no atendimento ao público da Justiça do Trabalho de Sorocaba e que nunca houve qualquer tipo de problema com advogados ou jurisdicionados.
Ainda conforme a defesa, o servidor e seu advogado repudiam qualquer ato de racismo.
OAB
A Subseção Sorocaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por sua Comissão da Igualdade Racial, repudiou o “ao ato discriminatório e racista de que foi vítima advogada em pleno exercício de suas funções profissionais por ato de servidor lotado na Justiça do Trabalho”. Confira a nota na íntegra.
“Não se pode pactuar, menos ainda aceitar, que a intolerância travestida de frases ditas supostamente em tom jocoso de pseudo-brincadeira ou “sem a intenção de ofender” (mas, que efetivamente ofendem e injuriam) grassem em ambientes onde o respeito à igualdade deveria orientar postura de quem lá desempenha suas atividades e presta atendimento.
O convívio e o respeito à diversidade são pilares do Estado Democrático de Direito e deve ser aplicado a todos indistintamente. A advogada, até pela natureza das suas atribuições, é a interlocutora, a porta-voz das aspirações daqueles que são ultrajados. O vil e excludente ataque de que foi alvo a profissional consiste, mais, em ataque ao exercício da cidadania.
Até por isso, a Subseção Sorocaba da OAB adotou as medidas cabíveis e reitera sua solidariedade e apoio à advogada inscrita em seus quadros, ressaltando que não admitirá ultraje àqueles a quem representa.”
Crime de Injúria Racial
Em caso de injúria racial, a vítima pode procurar uma delegacia e mover, por si mesmo, um processo contra o agressor, sem a necessidade de ação do Ministério Público (MP).
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o crime de injúria racial está previsto no Código Penal Brasileiro e é quando uma pessoa é discriminada pela cor ou raça, usando palavras que ofendam a honra da vítima.
Entenda a diferença entre o crime de injúria racial e racimo
Arte/g1
Ainda segundo o CNJ, o crime de racismo está previsto na Lei 7.716/1989 e ocorre quando o agressor atinge um grupo ou coletivo de pessoas, discriminando uma etnia de forma geral. Nesses casos, só o Ministério Público tem legitimidade para apresentar denúncia contra o agressor.
A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, negar ou dificultar emprego, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial ou prédios públicos, entre outras. A pena para o crime de racismo é de três a cinco anos de prisão.
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