Este será o primeiro ano de grande colheita do polo do estado, que inclui os municípios de Rorainópolis, São Luiz do Anauá, São João da Baliza e Caroebe. Agricultores investem em plantação de cacau e se preparam para primeira grande safra
Antes de virar chocolate e conquistar paladares, tudo tem um começo mais simples: o cacau. Em Caroebe, no Sul de Roraima — a 300 km da capital —, agricultores tem apostado na fruta como um caminho para fortalecer a economia local.
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A plantação de cacau ainda é uma novidade em Roraima. Antes se restringia à Terra Yanomami, onde indígenas cultivam o fruto com o objetivo de fazer o Chocolate Yanomami.
No entanto, desde 2019, produtores rurais do Sul estado passaram a investir no plantio. Como o pé de cacau pode levar até cinco anos para dar o fruto, este é o primeiro ano de colheita do polo do estado, que inclui os municípios de Rorainópolis, São Luiz do Anauá, São João da Baliza e Caroebe. Em 2023, houve uma produção experimental, onde foram colhidas 80 toneladas de amêndoas secas, que são comercializadas para Rondônia.
🌳 Caroebe é o município com maior área plantada, com 220 hectares de plantação de cacau. Agricultores ouvidos pelo g1 afirmam que há ao menos 10 produtores de cacau na região.
‘Semente plantada no meu coração’
A família de Nicanor Saraiva, de 59 anos, é uma das que acreditam no potencial do cacau no estado e que investe na produção. Há seis anos atrás, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) iniciou o incentivo com distribuição de sementes e desde então os cacauicultores começaram a investir no fruto no município.
Nicanor planta cacau em Caroebe
Samantha Rufino/g1 RR
🌰 Na propriedade de Nicanor, as sementes se tornaram 5 mil plantas que se preparam para a primeira grande colheita. A relação com a fruta, no entanto, é de longa data, pois o agricultor chegou a trabalhar na década de 70 em lavouras com o pai dele em Rondônia, estado que hoje ele vende a mercadoria que produz em Caroebe.
“Trabalhamos em Rondônia em 79 e acho que ficou no meu coração, ficou uma semente plantada no meu coração e aqui em Roraima surgiu a oportunidade de plantar os meus pés de cacau e estou acreditando que vai dar certo”, relembra Nicanor ao revelar que chega até conversar com as plantas para ter uma boa colheita.
Atualmente, a produção está em fase de floração e a expectativa é que, com o clima favorável, a colheita resulte em ao menos três toneladas de cacau em 2025.
Plantação em Caroebe está na fase de floração
Samantha Rufino/g1 RR
Em 2024, devido ao El Niño e a seca que causou mudanças nos regimes de chuva, a plantação dele ficou prejudicada. A família conseguiu colher apenas uma tonelada, muito abaixo do esperado para uma plantação como a deles, segundo o agricultor.
“Essa chuva que caiu agora foi maravilhosa. Só Deus mesmo para poder providenciar essa chuva aí. Agora esses dias foi jogado um adubo que é para ele segurar, para ajudar ele segurar a carga, né? E estamos com outra remessa de adubo, nesses 20 dias vamos jogar de novo. Vamos botar ele para produzir”, explicou o agricultor.
Produto é comercializado para Rondônia
Samantha Rufino/g1 RR
Além do adubo, Nicanor pretende investir em um sistema de irrigação para que a produção não dependa somente do regime de chuvas. No entanto, para ele, além do investimento próprio, a implementação de políticas públicas é fundamental para que o polo de cacau no Sul de Roraima alavanque de vez.
“Realmente o incentivo para agricultura, para nós aqui é praticamente é zero. Porque assim, só depende do governo do estado para ele para ele trazer o incentivo. Isso aqui gera emprego […] É uma batalha, é uma luta e é a gente ir para a frente, erguer a cabeça, se tem política pública se não tem, a gente toca o barco”.
‘Potencial de desenvolver nosso estado’
Na luta junto com ele está a filha, a técnica de fiscalização agropecuária, Kéully Freitas, de 36 anos. Ela acompanha a relação do pai com o fruto e é uma das principais incentivadoras. A agrônoma contribui principalmente com dicas técnicas para a plantação de cacau.
Além de encorajar o pai, como profissional Kéully acredita na potencialidade da fruta na região. Para ela, a expansão do cultivo pode tirar os pequenos agricultores da subsistência e tornar Caroebe a “rota do cacau” em Roraima.
🍫 A perspectiva de Kéully se fortaleceu após visitar o Pará, estado que faz divisa com Caroebe e lidera a produção de cacau no Brasil, respondendo por 51,80% da safra nacional. Com vegetação de floresta e um clima semelhante ao do estado vizinho, Caroebe também apresenta condições favoráveis ao cultivo do cacau.
“Quero muito que os filhos dos produtores consigam enxergar o que eu enxergo, ter a mesma expectativa e perspectiva que eu tenho porque eu enxergo um futuro promissor para o cacau. Eu enxergo mini fábricas, fábricas familiares, sabe? Tudo que eu vi lá se aplica para cá. A gente tem o mesmo padrão de solo, o mesmo padrão de clima. Então, nós temos o mesmo potencial de desenvolver o nosso estado com o cacau”.
Agricultor conta com a ajuda da filha
Samantha Rufino/g1 RR
Embora acredite no potencial, ela também aponta desafios para a expansão. Um deles é a falta de mão de obra qualificada para trabalhar com o cacau.
Entre as habilidades, os trabalhadores do cacau precisam saber fazer uma poda adequada, tratos culturais, manejo, colheita e quebra do cacau para enfim chegar no produto final, que são as amêndoas. Apesar disso, Kéully segue fazendo planos grandiosos para o cacau e ver o cenário como “promissor”.
“Hoje eu enxergo isso aqui como fonte de renda familiar, não só para o homem, o provedor, mas para as mulheres, para os filhos, para todo mundo, porque a lavoura de cacau, ela é uma uma lavoura familiar. Aqui começou em família e eu tenho certeza que muitas outras começaram em família. Então ela é para dar renda para todo mundo e ela vai dar”.
Falta de mão de obra de qualificada é um dos desafios, segundo a profissional
Samantha Rufino/g1 RR
‘Me apaixonei pelo cacau’
Distante a alguns km da propriedade de Kéully e Nicanor, outro produtor de cacau é Juares Pereira de Souza, de 63 anos. Com uma plantação de 3 mil cacaueiros distribuídos em quatro hectares, as plantas dele se diferem da produção de Nicanor, pois são do tipo clonal e não seminal. Ele tem 17 variedades de cacau na lavoura.
🔎 No tipo clonal, as plantas são cultivadas a partir de técnicas agrícolas que unem material genético de boa qualidade, produtividade e com resistência ou tolerância a pragas. Já no seminal, as mudas de cacau tem como origem apenas as sementes da planta.
Juares é um dos apaixonados por cacau
Samantha Rufino/g1 RR
Natual de Pium, no Tocantins, ele mora em Roraima desde 1987 e relembra que Roraima a região tentou uma experiência com cacau naquele período, no entanto, devido à praga vassoura de bruxa, as plantações não vingaram. Apesar disso, o desejo de se tornar um cacauicultor seguiu.
“Sou tocantinense, mas me apaixonei pelo cacau. Aí disse: ‘um dia eu vou plantar cacau’. Quando eu comprei a terra, eu me decidi plantar cacau e fui atrás de resgatar esse material aqui. Isso aqui vem junto comigo nessa história”, relembrou.
Ele uniu a vontade de produzir a fruta com conhecimento técnico. Foi até Rondônia e buscou parceria com a iniciativa privada para desenvolver a lavoura de cacaus clonais. O resultado é um tipo da fruta que, segundo ele, combina planta indígena de Roraima e uma variedade mais produtiva.
“Colocamos o material indígena aqui que tem uma base radicular top para caramba [sic], que garante qualquer um desses materiais, e jogamos o material de alta produtividade em cima dele. Então a adoção de tecnologia que que nós estamos fazendo é essa. A clonagem e a enxertia são bem próximos”, explicou.
Produtor investe no cacau do tipo clonal
Samantha Rufino/g1 RR
Apesar de sua paixão, Juares ainda encontra desafios para acessar políticas públicas de incentivo aos produtores. Entre eles estão os créditos rurais e financiamentos, o que o leva a buscar apoio na iniciativa privada para investimentos, como a implantação de um sistema de irrigação.
“A agricultura familiar de Roraima sempre foi tratada como agricultura de sobrevivência. Nós queremos sair disso. Nós queremos o agricultor familiar aí empreendendo com dinheiro no bolso. É por isso que nós estamos fazendo isso aqui. E nós vamos mostrar para os nossos governantes que com eles eles ou sem eles, nós somos capazes de superar isso”.
Embora ainda enfrentem desafios, os pequenos produtores esperam que, nos próximos anos, além de adoçar paladares, a fruta gere cada vez mais novas oportunidades e impulsione o desenvolvimento da região.
Pés de cacau na propriedade de Juares, em Caroebe
Samantha Rufino/g1 RR
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