27 de dezembro de 2024

Americanas: colaborador revelou preocupação em não conseguir esconder fraudes para novo CEO

Em delação premiada, responsável pela Controladoria das Americanas explicou que, quando as expectativas do mercado não eram atingidas, a diretoria “alterava os resultados para não frustrar as expectativas do mercado”. Ex-CEO foi preso na Espanha nesta sexta-feira (28). Miguel Gutierres e Anna Christina Ramos Saicali, ex-diretores da Americanas
Reprodução e Vinicius Loures / Câmara dos Deputados
As colaborações premiadas do ex-diretor financeiro e da responsável pela controladoria da Americanas com a Polícia Federal apontaram como eram realizadas as fraudes contábeis na empresa. Na delação, um deles revelou sua preocupação em não conseguir esconder as fraudes de Sergio Rial, CEO que assumiria o cargo em 2022 e que deixaria a empresa após 9 dias.
Flávia Pereira Carneiro Mota, responsável pela Controladoria da Americanas , e Marcelo da Silva Nunes, diretor financeiro, repassaram informações e conversas à Justiça Federal que foram importantes para as investigações que culminaram na prisão do ex-CEO da Americanas, Miguel Gutierrez, nesta sexta-feira (28).
O MPF ainda destacou que, ao saber que deixaria o cargo de CEO da empresa, em meados de agosto de 2022, Miguel Gutierrez, que foi preso nesta sexta, teria convocado uma reunião, da qual teriam participado para comunicar executivos sobre sua saída do grupo.
Segundo o MPF, após a reunião citada no parágrafo anterior, um dos colaboradores teria convocado outra reunião, na qual externou sua preocupação com a impossibilidade de esconder a suposta fraude do novo CEO.
Verdes e vermelhos
Flávia relatou que havia um arquivo denominado “verdes e vermelhos”, que guardava as expectativas de crescimento por parte dos analistas de mercado. Segundo ela, quando as expectativas não eram atingidas, a diretoria “alterava os resultados para não frustrar as expectativas do mercado”.
“De uma forma bastante sintética, é possível afirmar que a maioria das fraudes praticadas tinha dois objetivos. De um lado, um conjunto de manobras fraudulentas foi marcado pela inserção de receitas fictícias no balanço da empresa, bem como o uso de outros expedientes para maquiar os resultados. De outro lado, um outro conjunto operações foi realizado para gerar caixa, de forma a impedir que o primeiro grupo de manobras fraudulentas fosse descoberto, mas não foi incluído nos demonstrativos contábeis ou foi incluído com informações insuficientes, disfarçando a real dívida da empresa, diz um trecho da investigação do MPF.
O procedimento era recorrente, como mostram conversas de Flávia com outros colegas. Flávia, segundo as investigações, foi responsável por diversas fraudes contáveis, comandada por Marcelo Nunes, que também fez uma colaboração premiada.
Alvo de operação da PF, ex-CEO das Lojas Americanas é preso em Madri
Segundo Flávia, as fraudes podem ocorrer desde antes de 2007, quando entrou na controladoria da B2W, empresa que mais tarde se fundiu com a Lasa, grupo que se tornou acionista das Americanas.
Ela contou que as discussões para alterar os resultados eram presenciais ou por telefone, e que o investigado José Timotheo de Barros era quem repassava as orientações para alteração ou revisão dos valores.
José Timotheo, Marcelo Nunes e Flávia Carneiro, segundo a Justiça Federal, executavam a fraude e se beneficiavam dela, posto que, na função de diretores, “também ganhavam bônus milionários”.
A operação de quinta-feira foi fruto de investigação iniciada em janeiro de 2023, após a empresa ter comunicado a existência de “inúmeras inconsistências contábeis” e um rombo patrimonial estimado, inicialmente, em R$ 20 bilhões. Mais tarde, a Americanas revelou que a dívida chegava a R$ 43 bilhões.
Preocupação com fraude
Em 2022, Miguel Gutierrez convocou uma reunião com Anna Saicali, que está foragida, Timotheo Barros e outras pessoas, incluindo Marcelo Nunes. O objetivo era anunciar sua saída do cargo.
Ainda conforme o documento da PF, o ex-CEO da Americanas traçou duas etapas em seu plano de blindagem.
Reprodução
Posteriormente, Marcelo convocou outra reunião, em que teria revelado a preocupação de não conseguir esconder mais as fraudes do CEO que assumiria o cargo, Sérgio Ridal.
Marcelo, inclusive, foi responsável por fazer um levantamento das fraudes contábeis da empresa. O documento foi enviado para a antiga diretoria em agosto de 2022.
A meta do grupo seria levantar R$ 15 bilhões através de esquemas.
“Foram apresentadas diferentes alternativas para escamotear o rombo financeiro: incrementar o saldo do estoque para posteriormente efetuar baixa relevante de estoques por perda ou venda abaixo do custo original; baixar os ativos imobilizados e intangíveis com justificativa técnica de impairment; imputar perdas em resultado ao ataque cibernético sofrido pela B2W; ou incrementar as provisões para perdas ou para contingências”, afirmou a denúncia do MPF.
Marcelo disse que procurou André Covre, indicado pelo novo CEO, e afirmou que os números apresentados em reunião do dia 27 de dezembro de 2022 não refletiam a real situação da companhia.
Americanas: entenda a fraude que levou à operação da PF
Os números que refletiam a fraude eram do balanço de setembro de 2022, que embasaram o fato relevante publicado em janeiro de 2023 pela empresa.
Segundo o MPF, as investigações provam que, antes da queda substancial dos preços das ações da Americanas, os réus se anteciparam e venderam centenas de milhões de reais em ações.
Como eram feitas as fraudes
A maquiagem foi detectada em pelo menos 2 operações:
Risco sacado: antecipação do pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto a bancos;
Verba de propaganda cooperada (VPC): incentivos comerciais que geralmente são utilizados no setor, mas no presente caso eram contabilizadas VPCs que nunca existiram.
No caso da Verba de Propaganda cooperada, segundo o MPF, “criavam-se lançamentos contábeis fraudulentos, referentes a VPC inexistentes. O registro contábil era efetuado sem qualquer documentação suporte. Documentos falsos para amparar esses lançamentos contábeis seriam criados, quando e se necessários, apenas para atender eventual demanda de comprovantes pela auditoria externa”.
Foram identificados vários crimes, como manipulação de mercado, uso de informação privilegiada (ou insider trading), associação criminosa e lavagem de dinheiro. Caso sejam condenados, os alvos poderão pegar até 26 anos de prisão.
A força-tarefa contou com procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e representantes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A atual administração do Grupo Americanas também contribuiu com o compartilhamento de informações da empresa.

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