11 de outubro de 2024

Animais contribuem para saúde mental de crianças e adolescentes em abrigos ou em processo de adoção em Itu: ‘Eles são os terapeutas’

Nesta quinta-feira (10), Dia Mundial da Saúde Mental, o g1 fala sobre a história da ONG Natureza Conecta, de Itu (SP), e como o trabalho de terapia assistida pode ser benéfico para a saúde de jovens e adultos. Atendidos passam cerca de uma hora com os animais, mas sessões duram cerca de duas horas
Divulgação/Natureza Conecta
No livro “Vou te receitar um gato”, a autora japonesa Syou Ishida busca mostrar a influência dos bichanos no bem-estar dos tutores. As histórias dos personagens que buscam uma clínica psiquiátrica, e saem de lá com uma “receita de gato”, mostram os benefícios que um animal pode trazer para a saúde mental dos humanos.
E é justamente isso que uma ONG de Itu (SP) busca promover para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social que, em sua grande maioria, vivem em abrigos. A Natureza Conecta se tornou uma referência no uso de terapia assistida com animais e, desde 2020, realiza um trabalho de combate à exclusão social com animais.
Nesta quinta-feira (10), Dia Mundial da Saúde Mental, o g1 fala sobre a história da ONG e como o trabalho de terapia assistida pode ser benéfico para a saúde de jovens e adultos.
Animais contribuem para saúde mental de crianças e adolescentes em abrigos ou em processo de adoção em Itu
Divulgação/Natureza Conecta
A instituição possui cerca de 30 animais, entre cavalos, vacas, cabras, porcos, cães e codornas. As sessões em grupo ocorrem semanalmente e contam com assistência de psiquiatras, psicólogos e veterinários. Há cerca de um ano, o projeto foi expandido para o complexo da Fundação Casa, por toda a região de Sorocaba, que também engloba Campinas e Jundiaí (SP).
A terapia é dividida em duas partes, sendo uma delas pedagógica, e a outra com os animais. As crianças atendidas conhecem todos os animais da ONG e aprendem sobre a alimentação e as necessidades de cada espécie.
“Neste processo nós vamos percebendo com qual animal a criança desenvolve uma afinidade maior. Se ela estiver pronta pra cuidar deste animal, fazemos a divisão. Cada uma delas desempenha um papel durante um tempo com um animal específico, onde ela vai aprofundando mais ainda esse contato”, explica Nicole Motta Geller Neme Prado, psicóloga da Natureza Conecta.
Instituição possui cerca de 30 animais, entre cavalos, vacas, cabras, porcos, cães e codornas
Divulgação/Natureza Conecta
A psicóloga afirma que é possível notar uma melhora após o contato com os animais. Segundo ela, o desenvolvimento de cada criança depende do ambiente em que ela está inserida, seja se ela está sendo acompanhada pelo abrigo depois de uma adoção ou se ela está em processo de adoção.
“Mas a gente percebe que a criança está conseguindo lidar melhor com diferentes situações. No retorno à família de origem ou na adoção também, nós percebemos uma contribuição enorme, onde a criança passa por isso de uma forma mais estruturada”, explica.
“Lidando melhor com as suas emoções, as crianças conseguem também ter melhoras na escola. Nós já tivemos casos de diminuição de medicação. São muitos os avanços que a criança tem com a terapia, inclusive um aumento na segurança, como ele se vê perante o mundo, o que ele tem para oferecer. A terapia assistida por animais consegue proporcionar muitos benefícios emocionais”, reforça.
Instituição possui cerca de 30 animais, entre cavalos, vacas, cabras, porcos, cães e codornas
Divulgação/Natureza Conecta
A profissional destaca que a terapia assistida por animais consegue proporcionar muitos benefícios emocionais, como, por exemplo, uma melhora nas habilidades sociais, nos mecanismos de enfrentamento para situações de estresse, entre outros. “A criança consegue se perceber melhor e perceber o outro. E assim conviver melhor em sociedade”, diz.
As sessões são realizadas em grupos e duram cerca de duas horas. Nicole explica que, apesar da ONG trabalhar com crianças e adolescentes, o contato com os animais em terapias assistidas é uma prática para pessoas de todas as idades.
“Os nossos terapeutas são os animais, acho que esse já é um grande diferencial. Então, por mais bem treinado que seja o terapeuta, ali os animais não passam nenhum tipo de julgamento quando estão com as crianças. Elas, que muitas vezes se sentem não pertencentes, encontram acolhimento nestes animais. Eles contribuem demais para as crianças serem reinseridas”, finaliza.
‘Meus filhos cuidam e são cuidados por estes animais’
Ângela Maria com o marido, Pedro, e os filhos Vitor e Felipe
Arquivo Pessoal
Vitor e Felipe Sualdini Sacoman são irmãos e foram adotados pela Ângela Maria Sualdini Sacoman em 2021. Felipe, o mais velho, de 10 anos, participou do projeto entre 2022 e 2023. Já Vitor, de sete, continua frequentando as sessões de terapia assistida com animais.
Ao g1, Ângela conta que o contato com os animais teve um impacto positivo no comportamento de Felipe, que chegou a passar por um “processo de luto”, como ela mesmo descreve, quando não pôde mais participar do projeto.
“Eu fui participar de uma festa junina do projeto em 2023 e, quando nós chegamos no local onde ficam os cavalos, um deles viu o Felipe e veio ao nosso encontro. O Fê começou a acariciar o cavalo e nos contou a história de como aquele animal havia chegado ali, qual era sua importância pra ele naquele momento. Foi lindo de ver como o meu filho, que veio de um processo de abandono, de adoção, desenvolveu essa sensibilidade”, conta.
Irmãos Vitor e Felipe fazem sessões de terapia assistida com animais em Itu (SP)
Arquivo Pessoal
Para Vitor, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), o contato com os animais também gerou impactos significativos, segundo Ângela.
“O Vitor mal falava direito, e hoje ele chega em casa encantado com os animais. Me conta como tratou deles, que deu banho no cavalo. Essa interação dos animais com eles ajuda muito. É visível o cuidado que ele tem pelo cavalo. E os profissionais que trabalham no projeto sempre nos contam sobre o desenvolvimento dele durante as sessões”, diz.
“Cuidar da saúde mental deles é fundamental. Essas crianças estão no processo de desenvolvimento, então é muito importante eles aprenderem essa parte do cuidado, a importância de cuidar. A gente não consegue apagar o passado deles, mas podemos ajudá-los a reescrever o futuro. Tenho muito respeito pela história deles, assim como pela história dos animais que participam do projeto. Meus filhos cuidam e são cuidados por estes animais, e isso ajuda demais no desenvolvimento emocional e mental deles”, afirma.
Ângela Maria adotou seus filhos em 2021
Arquivo Pessoal
Direitos dos animais e diminuição da desigualdade social
Criado em 2021 pela veterinária Daniela Gurgel, a ONG surgiu quando ela precisou procurar por tratamento para ansiedade e depressão. Durante a busca, percebeu que o contato com os animais fazia diferença para ela. “Buscando sobre isso, vi que tem uma ciência, tem todo um trabalho comprovado cientificamente que a interação entre humanos e animais realente faz a diferença, traz a cura de várias questões da saúde mental”, explica.
A ONG tem como missão combater a exclusão social por meio da terapia assistida por animais. Além de permitir que as crianças interajam e criem vínculos com os bichos e ajudar na busca pelo autoconhecimento, o trabalho do Natureza Conecta busca conciliar dois compromissos: defender os direitos dos animais e contribuir com a diminuição da violência urbana, da desigualdade social e da pobreza no Brasil.
“A sociedade cobra capacitação profissional, mas essas crianças crescem sem estrutura emocional para isso, cheias de defesas. São vidas muito duras, marcadas por traumas, em um mundo que desde cedo se mostra espinhoso. E esses traumas são muitas vezes ocasionados por seres humanos. Por isso, quando há uma intervenção de um psicólogo, por exemplo, elas acabam se fechando”, relata Daniela.
ONG tem parceria com três instituições para auxiliar crianças e adolescentes
Divulgação/Natureza Conecta
Segundo a veterinária, a interação com a natureza tem permitido melhores resultados na comparação com outras abordagens tradicionais para a atuação de psicólogos e pedagogos em questões como traumas, violência, comportamento e desempenho escolar. Com isso, surgiu a ideia dessa aproximação com os animais. “Dessa maneira, a gente consegue adentrar o universo particular delas e trabalhar as coisas boas e o potencial que cada uma tem.”
No projeto, cada criança ou adolescente faz sessões semanais de duas horas cada uma, reunidas em grupos de até seis pessoas, assistidas por psicólogos e pedagogos. “A gente usa os animais como arquétipos, então o cão tem um símbolo, a vaca tem outro, o cavalo tem outro e eles ficam semanalmente com a gente, os atendidos, durante duas horas”, explica.
“Durante uma hora a interação com os animais, a outra uma hora são as atividades pedagógicas em que eles concretizam tudo que eles tiveram com os animais, porque o nosso público tem bastante defasagem na aprendizagem, não por déficit cognitivo, mas por questões emocionais”, explica. As questões emocionais estão muito ligadas com a busca pelo conhecimento, na questão da aprendizagem, então essa é uma questão bem presente aqui. A gente também tem esse auxílio pedagógico da educação não formal e a gente usa também essa uma hora que eles estão aqui para desenvolver essas atividades pedagógicas”, completa.
Instituição possui cerca de 30 animais, entre cavalos, vacas, cabras, porcos, cães e codornas
Divulgação/Natureza Conecta
A ONG tem parceria com três instituições, sendo a Fundação Casa e casas de acolhimento. No caso da primeira, a equipe vai até o local, já as casas de acolhimento trazem os atendidos até a fazenda de Itu e cada grupo é formado para receber o atendimento por, no mínimo, seis meses.
Inspirado em uma entidade norte-americana, os resultados das terapias são medidos em questionários aplicados no início, meio e fim dos tratamentos. Ela explica que isso fornece dados valiosos para medis habilidade social, trauma, abusos, riscos e mudanças de comportamentos, além das percepções que a equipe nota no dia a dia.
Segundo a veterinária, as transformações ficam evidentes em retornos recebidos por ela e pela equipe da ONG. Um dos internos da Fundação Casa escreveu uma carta no Dia das Mães como forma de agradecimento pelo tratamento oferecido.
Instituição possui cerca de 30 animais, entre cavalos, vacas, cabras, porcos, cães e codornas
Divulgação/Natureza Conecta
“Fico pensando: nem a minha família ou minha mãe acreditam em mim, o que você viu em mim? Nunca aconteceu isso, sempre fui rejeitado e desmerecido. Quero que saiba que mudou totalmente minha forma de pensar, e agora não quero mais ficar nessa vida, quero arrumar um ‘trampo’ e ir tocando o barco”, escreveu.
Daniela lembra que a equipe já teve a notícia de que outros jovens em situação semelhante conseguiram oportunidades profissionais após passarem pelo tratamento com a Natureza Conecta. “São meninos iguais a qualquer outro, com sonhos, que não conhecem outras realidades e, quanto têm contato, reagem com surpresa e encantamento”, diz.
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