Segundo a Controladoria, estimativa de contratação chegava a R$ 53,5 milhões por ano, o que permitiria a realização de até 276 eventos de diferentes anualmente. O Ministério da Agricultura (Mapa) suspendeu uma licitação milionária para realização de eventos de três ministérios após a Controladoria-Geral da União (CGU) alertar para problemas que incluíam preços inadequados, inclusive com risco de sobrepreço, e a falta de justificativa para contratação de itens como diárias em hotéis de luxo.
O relatório detalhando os problemas foi divulgado pela CGU nesta semana, e o Ministério da Agricultura informou que o processo suspenso segue em adaptação para nova publicação.
O pregão começou a ser preparado em 2023 após o contrato — até então em vigor — ser encerrado pela empresa contratada, que prestava o serviço desde o ano anterior.
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O objetivo era contratar empresa “especializada na prestação de serviços de eventos institucionais” para o Mapa e de outros dois ministérios: o do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e da Pesca e Aquicultura (MPA).
Ao todo, segundo a CGU, a estimativa de contratação chegava a um valor anual de R$ 53,5 milhões, o que permitiria — no período de cada ano — a realização de até 276 eventos de diferentes portes pelas três pastas. O custo chamou atenção dos auditores.
“Cabe registrar que o valor, anterior, da contratação do serviço de organização de eventos pelo Mapa era de R$ 4.376.628,30, incluindo as secretarias que tinham as atribuições do MDA e do MPA, enquanto a estimativa para a futura contratação é de R$ 53.579.313,26, ou seja, mais de doze vezes o valor”, diz o relatório.
Os auditores mencionaram ainda que o valor previsto para o contrato anterior sequer foi completamente utilizado, somando R$ 732,8 mil (ou 1,36% do valor total da nova licitação).
O Ministério da Agricultura informou ao g1 que “após os apontamentos preliminares da CGU, em reunião técnica, o Mapa optou por suspender o processo de contratação” e que “todo o processo necessariamente precisa ser readequado aos preceitos da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.”
A pasta também afirmou que “desde o encerramento do contrato anterior, os eventos realizados com recursos do ministério, no âmbito do escopo do contrato, restringem-se à disponibilização somente dos serviços abarcados pelos contratos vigentes” e que a estimativa é de que o novo edital esteja pronto para publicação até abril.
Bem-casados e DJs
A CGU questionou, entre outros elementos, a compra de bem-casados e contratações de DJs e VJs, já que o ministério não apresentou — no entendimento dos auditores — cálculos que justificassem os números previstos para contratação.
Em resposta, o Mapa disse à CGU que “os órgãos abrangidos possuem, em alguns casos, realidades que carecem de adequação para melhor atendimento das demandas”. Já o Ministério da Pesca afirmou, por exemplo, que “a complexidade e a variedade de elementos envolvidos tornam desafiador o processo de previsão dos itens necessários e seus respectivos quantitativos” nos eventos institucionais.
“Onde está a razoabilidade, proporcionalidade e motivação, quando um ministério para seus eventos necessita de 1.500 marcadores de página enquanto os outros não precisam ou, quando um ministério estima a necessidade 100 diárias de DJ, enquanto outro não precisa de nenhuma?”, diz o relatório. “Como se justifica, perante os princípios do interesse público e da motivação, a aquisição de “bem-casados embrulhados no papel crepom parafinado?”, completa.
Diárias de luxo
Um ponto destacado pela auditoria trata da presença de diárias de hotel entre os itens da licitação. A estimativa apresentada pelo ministério era de 100 diárias em quartos 3 estrelas, 480 diárias em quartos 4 estrelas, e 300 para diárias em quartos “categoria luxo” em hotéis 5 estrelas – essas últimas, divididas igualmente entre os três ministérios incluídos na licitação.
Os auditores destacaram que, nestes casos, o Ministério da Agricultura alegou que as diárias de hospedagem se tratavam de “demandas eventuais onde a área demandante do evento optar por realizar eventos técnicos em hotéis e identificar ser mais vantajoso ao órgão o pagamento das despesas pela contratada.”
Nessas situações, disse o Mapa, os participantes/servidores não receberiam as diárias regulares previstas para servidores do órgão ligado à administração federal – mas o argumento não convenceu a CGU. “Como se justifica, perante os princípios da razoabilidade e da economicidade a aquisição de 150 diárias em ‘Apartamento Duplo Categoria Luxo’ (5 estrelas)?”, questiona o relatório.
Ressaltando que as diárias de luxo poderiam superar os R$ 1 mil, os auditores lembraram que as diárias pagas pelo serviço público para custeio de hospedagem, alimentação e deslocamentos são de no máximo R$ 381,14.
Como também havia na licitação a previsão de contratação de almoços e jantares, e deslocamentos por meio de van, micro-ônibus e ônibus executivos, a diferença entre o que seria gasto nas duas situações – com hospedagem, deslocamento e alimentação pagos dentro da realização do evento ou fora, nas diárias regulares – chegava a quase R$ 6 milhões.
“Ainda que se considere que apenas metade das hospedagens seria para servidores públicos, os valores cotados estariam em aproximadamente R$ 3 milhões, o que reforça a necessidade de as unidades qualificarem os cálculos com as reais necessidades”, diz o texto.
Cenografia
A CGU também apontou problemas na pesquisa feita no mercado para estimar os preços a serem utilizados na licitação. “Não houve uma análise crítica da variação dos preços considerados na elaboração da cotação. Tal fato prejudica a formulação dos preços de referência e o valor estimado da contratação”, concluíram os auditores.
Em um dos itens citados no documento, os auditores destacaram que o contrato vigente até o ano passado previa o pagamento de diárias de R$ 120 para cenógrafos. Já na pesquisa de preços para a nova licitação, os valores estimados variaram entre R$ 14,4 mil e R$ 18 mil – 150 vezes o valor adotado até então. A diária para mestre de cerimônias – que no contrato em vigor até o ano passado era de R$ 400 – foi estimada entre R$ 2.000 e 3.300.
Em manifestação enviada à CGU durante a auditoria, o Mapa afirmou que o órgão não tem a “capacidade de identificar, de forma objetiva, elementos claros que evidenciem de forma contundente sua inexequibilidade ou exorbitância.”
“É indispensável que a Administração avalie, de forma crítica, a pesquisa de preço obtida junto ao mercado, em especial quando houver grande variação entre os valores apresentados. Não é admissível que a pesquisa de preços feita pela entidade seja destituída de juízo crítico acerca da consistência dos valores levantados”, argumentaram os auditores.