Decisão liminar da 7ª Vara da Fazenda da capital foi dada 5 dias após derrubada realizada pela prefeitura de um teatro e de uma escola de capoeira instalados nas dependências do parque, na Zona Oeste da capital. Ainda cabe recurso. Prédios são derrubados no Parque do Povo, na Zona Oeste de SP
A Justiça de São Paulo proibiu a prefeitura da capital de realizar novas demolições no Parque do Povo sem prévia autorização do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) e do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp).
A decisão liminar (provisória) foi dada nesta terça-feira (18), cinco dias após a derrubada de um teatro e de uma escola de capoeira instalados nas dependências do parque, na Zona Oeste da capital. Ainda cabe recurso.
A ação foi proposta pela deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL), pelo deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) e pelo vereador Celso Giannazi (PSOL).
Eles também pediram à Justiça que o Teatro Vento Forte e a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul fossem realocados no espaço e indenizados pelos supostos danos sofridos. No entanto, o juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública analisou apenas o pedido de urgência.
O magistrado apontou, no entanto, que possíveis demolições poderão ser feitas pela prefeitura “para manter a segurança dos usuários do local em caso de risco de desabamento ou outro [fator] relevante”.
Agora, a gestão Ricardo Nunes (MDB) tem 40 dias úteis para se manifestar no processo.
Demolição sem autorização do Condephaat
As demolições realizadas na última quinta-feira (13) aconteceram sem a autorização necessária do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico do Estado, o Condephaat.
No entanto, segundo a gestão municipal, a demolição ocorreu conforme a legislação vigente e as irregularidades encontradas no local serão comunicadas ao Condephaat para que as devidas providências sejam tomadas.
O parque foi tombado pelo órgão em 1995, com objetivo de preservar a realização das atividades culturais e de lazer que já eram desenvolvidas no local. Na época, o Teatro Ventoforte já estava em atividade no terreno.
A Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul chegou ao parque décadas depois, em 2021, e se instalou numa estrutura já existente, segundo o mestre Meinha Santos, responsável pela escola.
Apesar de as edificações derrubadas não estarem especificadas no tombamento do parque, o documento estabelece que, no local, “equipamentos ou instalações somente poderão ser construídos, alterados, retirados ou substituídos, mediante aprovação prévia do Condephaat” — o que, segundo o próprio órgão, não ocorreu.
No mesmo artigo, foi colocado que “em nenhuma hipótese serão toleradas construções com mais de dois pavimentos ou 10,00 metros de altura”.
Contudo, isso não se aplica a edificações anteriores ao tombamento. Ainda assim, esse foi um dos argumentos apresentados pela Prefeitura de São Paulo para a demolição.
Outra questão levantada foi o trecho que diz “as entidades que tradicionalmente organizam as atividades esportivas e culturais deverão ser de natureza pública e poderão continuar a desenvolvê-las livremente”.
Em 2024, o teatro publicou nas redes sociais que estaria realizando também festas de aniversário no local.
“A construção estava abandonada e não havia indícios de uso cultural ou teatral. Pelo contrário, o local era utilizado para atividades irregulares, como comércio de bebidas alcoólicas e estacionamento não autorizado, sem o conhecimento da administração municipal, mesma situação constatada em relação à escola de capoeira”, afirma a prefeitura.
De acordo com a gestão municipal, “a ocupação por parte do Teatro VentoForte apresentava atividades incompatíveis com a resolução e funcionava de forma irregular em área invadida e sem a ciência da municipalidade como também acontecia com a escola de capoeira”.
Um mapa anexado pela Secretaria Estadual da Cultura no registro do tombamento, datado de junho de 1995, inclui o teatro nas atividades desenvolvidas naquela área. Porém, segundo a prefeitura, o aparelho cultural consistia apenas numa tenda quando a ilustração foi feita.
Mapa do terreno, anexado ao processo de tombamento do Parque do Povo
Reprodução
A gestão municipal afirma que a estrutura de alvenaria demolida na última semana foi construída em 2012, depois do tombamento, e estaria em situação precária.
Questionado pelo g1, o Condephaat afirmou que não possui registro de pedidos recentes de intervenção no Parque do Povo. Disse ainda que não havia recebido nenhuma denúncia a respeito da demolição das estruturas mencionadas, mas irá verificar a situação após o contato da imprensa.
“Intervenções em imóveis tombados necessitam de deliberação, autorização e disponibilização dos documentos necessários para posterior execução pelo autor do pedido”, explicou o Condephaat.
Por meio de nota, o Ministério da Cultura manifestou indignação pela demolição dos espaços culturais, classificando o teatro como “um marco da resistência cultural, ponto de encontro de vozes e expressões”. A pasta também lamentou a situação da escola de capoeira.
A prefeitura informou que “estuda projetos para uma nova utilização do espaço no Parque do Povo, respeitando seu valor cultural e social”. Disse ainda que atua para garantir que as diretrizes legais sejam cumpridas.
O que diz a Prefeitura de SP
Em nota, a prefeitura da capital disse:
“A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) reitera que a ação de desfazimento e reintegração de posse na última quinta-feira (13/02) no Parque Municipal do Povo está em conformidade com a legislação vigente e comunicará o Condephaat acerca das diversas irregularidades encontradas no local para as devidas providências.
A ocupação do espaço pelo Teatro VentoForte apresentava atividades incompatíveis com a Resolução do órgão de patrimônio estadual. A estrutura de alvenaria foi construída em 2012 sem autorização do Condephaat, após o tombamento do local, ocorrido em 1995, e encontrava-se em condições precárias. À época do tombamento, havia na área apenas uma tenda. Além disso, a construção estava abandonada e não havia indícios de uso cultural ou teatral. Pelo contrário, o local era utilizado para atividades irregulares, como comércio de bebidas alcoólicas e estacionamento não autorizado, sem o conhecimento da administração municipal, mesma situação constatada em relação à escola de capoeira. A edificação construída irregularmente também encontrava-se em desacordo com a própria Resolução nº SC-24 de 03 de junho de 1995 que é explícita ao informar que “em nenhuma hipótese serão toleradas construções com mais de dois pavimentos ou 10,00 metros de altura”.
A SVMA seguirá trabalhando para garantir que as diretrizes legais sejam cumpridas, bem como a preservação de áreas públicas.”
Vista dos escombros da estrutura onde funcionava o Teatro Vento Forte e a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul, dentro do Parque do Povo
RAUL LUCIANO/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Indignação da classe artística
O teatro e a escola de capoeira afirmam que não foram avisados previamente sobre a operação da prefeitura. A gestão municipal nega.
“Foi uma coisa assim que eu nunca vi na minha vida. Nunca vi uma demolição tão rápida, em coisa de 40 minutos. Eu comecei a gritar pra eles ‘por favor, eu tenho muitas coisas, muitos documentos, vamos tirar’. Eu tirei uma parte dos meus documentos, não consegui entrar pra retirar o resto das minhas coisas”, contou o mestre Meinha Santos à TV Globo.
Nas redes sociais, diversos movimentos e profissionais da cultura publicaram mensagens de apoio. O cantor Chico César publicou uma foto ao lado de um piano que resistiu quase intacto à demolição. “O Teatro Vento Forte e a escola Angola Cruzeiro do Sul continuam vivos em nossa luta”, escreveu.
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No domingo (16), manifestantes se reuniram ao redor dos escombros para protestar contra a demolição dos espaços culturais. Eles seguraram cartazes com os dizeres “não à demolição da cultura” e “a arte resistirá sempre”.
A Prefeitura de São Paulo alega que a medida se originou em uma ação administrativa iniciada em julho de 2023, “com a ciência do responsável pelo local e aviso prévio formalizado”, e que o teatro “não apresentou a documentação necessária que comprovasse a sua regularidade no local dentro do prazo, condicionando à desapropriação e reintegração de posse”.
O que diz a Prefeitura de São Paulo
“Ainda durante a operação, não foram constatadas as ações culturais no espaço mencionado. A área foi construída sem autorização da administração e era utilizada de forma irregular para comércio e estacionamento pago. Durante as vistorias realizadas, o local encontrava-se em situação de abandono e deterioração. A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente reforça seu compromisso com a regularização dos espaços públicos e a preservação ambiental, garantindo que áreas destinadas ao lazer e convívio social sejam utilizadas de acordo com as normas vigentes, visando a segurança e bem-estar de toda a população. A pasta estuda projetos para uma nova utilização do espaço, respeitando seu valor cultural e social”, disse o município.
“A administração municipal está à disposição para viabilizar um espaço digno para fomento à prática de capoeira e demais atividades que incentivem o desporto e a cultura na cidade de São Paulo”, completa a nota.